De Povos Indígenas no Brasil
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UMA FOTO, UMA HISTÓRIA: Crisanto Xavante

Nos anos 1970 e 1980, o povo Xavante, conhecido por suas longas andanças pelo Cerrado, começou um novo movimento: ir a Brasília, a recém-fundada capital federal, pressionar o Estado pela demarcação de suas terras. A perseverança de seus caciques em retirar as fazendas que invadiam as terras Xavante levou à demarcação de dez áreas: à época da foto, na década de 80, seis já haviam sido reconhecidas: Areões, Pimentel Barbosa, São Marcos, Sangradouro, Marechal Rondon e Parabubure.

Seguindo seus tios, caciques de seu povo, Crisanto Xavante é um dos que repete, até hoje, essas viagens rumo a Brasília - agora, para garantir que os direitos indígenas, conquistados por outras gerações, não sejam destruídos. Nesse depoimento, ele comenta a imagem e a história de Celestino na luta pela Terra Indígena Parabubure, relembra sua própria trajetória no movimento indígena e explica a importância de dar atenção à realidade das aldeias.

Do povo Xavante, Crisanto segura a fotografia do cacique Celestino, em uma das primeiras idas dos Xavante a Brasília. Foto: Luíza Calagian, 2017Do povo Xavante, Crisanto segura a fotografia do cacique Celestino, em uma das primeiras idas dos Xavante a Brasília. Foto: Luíza Calagian, 2017


“Xavante foi um símbolo de deixar o protocolo”

por Crisanto Xavante

“O cacique Celestino representa para nós essa busca de um objetivo impossível que virou possível: desapropriar uma vila já constituída, a Fazenda Nova Xavantina. Lógico que, olhando ele, me vêm outras lideranças: o cacique Aniceto, o cacique Damião, que retomou Marãiwatsédé.

Eles representam muito para nós, porque o cacique Celestino está com essa borduna e o cacique Mário Juruna já usava, naquele período, um objeto moderno, o gravador. E o Damião é a junção de tudo isso: o conhecimento que ele aprendeu na aula com os missionários salesianos, que começa sua saga desde São Marcos até hoje a Marãiwatsédé.

Acho que, quando se trata dos Xavante - sem desmerecer nosso grande líder Raoni [Mektutire], Alvaro Tukano, Ailton Krenak, que foram da Constituinte também -, Xavante foi um símbolo de deixar o protocolo. Quando eu falo protocolo, não é sair igual o [ex-]presidente Lula abraçando. Não. Protocolo de lei mesmo. Essa turma chegava dizendo: ‘Nós queremos nossa terra’; ‘Esse presidente da Funai que é general não serve para nossa causa, não entende a nossa realidade’.

Tem uma história com o Ministro do Interior da época, que era um general. O tio Mário [Juruna], tio Celestino, cacique Aniceto - são todos primos - ouviram que eles eram empecilhos ao desenvolvimento nacional, da pecuária, ao avanço das cidades. Eles então abriram a porta do Ministério, no Rio de Janeiro, e disseram:

‘Como que é? Gravamos isso aqui. Você tá dizendo que somos empecilho? Vocês chegaram da Europa! Vocês são invasores. Nós queremos apenas nosso pedaço de terra, que vocês não estão deixando ser área contínua. São Marcos significa o que pra você? Parabubure significa o que pra você? Vocês estão colocando a gente em ilha! Nós queremos nosso sossego, nossa cultura preservada, continuar diferente’. Então é isso que nós representamos.

Pras lutas modernas, vou falar um pouco de mim. Aos meus 23 anos fui vice-coordenador da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), levei um dossiê Cinta Larga na Organização dos Estados Americanos (OEA), não consegui chegar na Organização das Nações Unidas (ONU), mas me dediquei nesses 14 anos ao movimento indígena. Agora estou um pouco afastado, olhando mais em casa. Porque não adianta fazer verão lá fora se em casa estão passando fome, não sabendo se defender.

Então eu estou vindo aqui como qualquer um. Não penso em subir no palco, fazer carta. Se me chamarem, eu vou, ajudo, mas, por enquanto, o foco é na aldeia. Queremos que as crianças se recuperem, que os Xavante não sejam notícia como um povo que está morrendo de fome. Nós estamos tentando resgatar tudo isso gradativamente.

E a gente vê indo embora de uma hora pra outra nossos direitos. Estão acabando com nossos órgãos indigenistas, tanto na área social, como na fundiária e na saúde. Então essa é a razão desse acampamento, dessa presença massiva de cada povo do Brasil inteiro [em Brasília]”.

O depoimento acima é parte da série “Uma foto, uma história” e foi registrado em 2017 durante o 14º Acampamento Terra Livre, em Brasília (DF), por Luíza Calagian, Mario Brunoro e Rafael Monteiro Tannus.


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