De Pueblos Indígenas en Brasil
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Noticias
O Pará e sua doença: o caciquismo retórico
27/02/2004
Autor: Por Lucio Flávio Pinto
Fonte: Jornal Pessoal
Uma das maiores pragas que tem assolado o Pará republicano é a dos caciques brancos. Embora esses morubixabas políticos freqüentemente usem a metáfora para afirmar sua liderança, o paralelismo com os índios não lhes é favorável, ao contrário do que pensam. O último dos chefes de taba "civilizada", o ex-governador Almir Gabriel, foi tão infeliz na inspiração quanto seus antecessores no trono do poder paraense.
O pronunciamento do líder tucano foi na semana passada, durante o II Fórum Paraense de Desenvolvimento, promovido pela Associação Comercial do Pará. Reagindo ao que considerou como uma ofensa do palestrante anterior, José Mendo Mizael de Souza, presidente do Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração), Almir falou grosso no revide ao recado do intruso: "Algumas pessoas, lá fora, podem pensar que aqui só existem índios. É verdade que aqui temos os nossos índios, mas essas pessoas devem saber que nós não temos o nariz atravessado".
Outro tuxaua branco, o também ex-governador Hélio Gueiros, assinaria com embevecimento a frase (antropologicamente desastrosa). Ela era uma das favoritas no seu repertório de preconceitos. A outra o fazia remeter os indesejáveis para uma cubata africana, como se o nosso país servisse de contraste à sujeira, à incivilidade e à pobreza, que seriam a marca do continente negro, do outro lado do Atlântico (preconceito também partilhado pelo muy companheiro Luiz Inácio Lula da Silva).
No momento em que o político Almir discursava, a Companhia Vale do Rio Doce, destinatária de sua mensagem irada, dava mais atenção aos índios do que ao ex-governador e ao seu sucessor. A acreditar-se em O Liberal (se tal temeridade é recomendável), a poderosa empresa anda espionando um dos grupos Gaviões e seus aliados, voluntários ou não. O doutor Almir, com ou sem nariz atravessado, não parece estar sendo espionado, exceto, talvez, por outros tucanos ansiosos.
Um dos caciques (de verdade) teria ameaçado bloquear a ferrovia de Carajás, a segunda mais importante via de escoamento de riquezas do sertão para o litoral brasileiro, caso não lhe seja pago um "por fora" de 10 milhões de reais, obrigando a empresa a monitorar seus passos para não ser novamente apanhada de calça curta (ou saia justa, para ser fiel ao patois da moda).
Não se trata de extorsão nem de donativo clandestino para fundo de campanha, tão ao gosto dos sobas políticos, de diferentes matizes (do azul ao vermelho) e variada narina, mas de compensação pelos importúnios que a passagem do trem de minério estaria a causar à aldeia. É o que dizem os índios. Como sua extensão urbana, eles também não possuem "o nariz atravessado". Querem muito mais do que o apito dispensado pelo doutor Almir.
Se dependesse do ex-governador, um desenvolvimentista tout court, os índios já nem deveriam existir como tal, a não ser para servirem de parâmetro abstrato para a retórica do Pará dos sonhos do doutor Almir, sem florestas a atrapalhar o avanço da civilização, com suas estradas, hidrelétricas, fábricas, plantios comerciais et caterva. Durante os oito anos de consulado almirista, o desmatamento se expandiu à larga, os conflitos rurais se agravaram, as condições de vida se deterioraram, mas a plumagem da elite foi tratada a dedo. Ninguém perdeu a pose por causa desses "detalhes".
O discurso anticolonialista do doutor Almir Gabriel no auditório dos comerciantes está carregado de razão. É pena que o governador Almir Gabriel não tenha levado a sério o pensamento do seu outro tardio, bipartido que ficou - como, de resto, a social-democracia da qual seu partido se declara porta-voz - entre o pensamento e a ação. Reconheça-se que essa dissociação não é monopólio dele ou do PSDB. Ninguém poderia imaginar que a esquizofrenia se tornasse tão aguda como está ficando no reinado do presidente Lula (que certamente logo providenciará o seu livro de frases de improviso, made by Duda; o título, com a originalidade própria da categoria, será O livro de pensamentos do presidente Lula).
Durante os oito anos do doutor Almir foram crescentes os lucros da CVRD, a timoneira do colonialismo que aflige o Pará e revolta o nobre político. Quase no encerramento do primeiro dos dois mandatos do doutor Almir, a CVRD foi privatizada, mas o então governador não disse um ai a respeito (como não pia quando os repórteres lhe perguntam sobre sua possível candidatura a prefeito de Belém, reagindo irritado por ver os profissionais da imprensa tentando cumprir o que é sua obrigação).
Nem mesmo se revoltou quando, um mês antes da privatização, foi levado a Marabá pela empresa para lançar a pedra fundamental da metalúrgica de cobre da Salobo Metais, que continua a ser um retrato na parede do sertão (e como dói). A exploração do cobre que vai começar não é no Salobo, mas no Sossego, e visa apenas a concentração do metal, não sua transformação em metal.
Durante seus oito anos de império no Pará, aliás, o doutor Almir não deixou passar um mês sem falar na agregação de valor à atividade produtiva, através de investimentos na transformação da matéria prima. De tanta fala o que resultou é quase nada, ou menos do que nada, se formos analisar os resultados da produção de gusa à base de carvão vegetal por uma refinada conta de custo/benefício.
Em matéria de reação ao colonialismo que sangra o Pará, de forma ainda mais selvagem do que sangrou o Amapá, o que significaram os oito anos do cacique - de nariz não atravessado - Almir Gabriel? Zero vezes zero. Dirão seus correligionários que isso se deve ao monopólio efetivo de poder exercido pelo governo federal, que põe e dispõe na nossa satrapia verde. Em princípio, é verdade. Mas o presidente da república era um correligionário de partido do governador (situação que já não serve de justificativa para a inação do seu sucessor).
Senador-constituinte de destacada atuação no Congresso Nacional, o doutor Almir devia ter conseguido impor ao sociólogo Fernando Henrique Cardoso uma matéria que tem tido importância apenas decorativa ou formal entre nós (ou entre nós e eles): respeito. Tanto quanto o Pará, entretanto, o governador não foi ouvido nem cheirado, para usar outra pérola da fraseologia dos nossos caciques. Mas também não mugiu nem tugiu (apud Hélio Gueiros). Quando tem que confrontar poderosos, o doutor Almir costuma perder a pose que impõe a subordinados e áulicos. O grito fica preso na garganta, como na canção de Caetano Veloso.
O brado de protesto saía de vez em quando, mas a própria Vale já sabia que, como de regra no trato com os caciques antecessores, nada que um punhado de miçangas e balangandãs não pudesse resolver (os verdadeiros índios, como já se sabe, passaram da fase dos espelhinhos). Uma sismografia da relação governo-CVRD é delimitada pelo toma-lá-dá-cá que faz os momentos de pique serem sucedidos pela linha quase reta do entendimento de bastidores. Daí a descontinuidade do discurso crítico. Por isso a ausência de resultados concretos desse contencioso entre caciques (tantos) e índios (tão poucos). O governador-imperador põe e a burocracia pública não dispõe. Morre muda (vide Idesp).
Exemplo categórico nesse sentido é a atitude do atual governo, à espera das 30 mil casas que a Vale diz-que-vai-fazer-mas-não-faz, por não ser de sua competência, e a administração estadual, de sua parte, finge-que-não-sabe que está pedindo o indevido. A Vale pode ficar acuada por esses movimentos reativos, mas para sair do córner do ringue ela não precisa mudar. Basta agradar os contendores. Por isso o Pará está sempre atrás da empresa, em seu rastro, manipulado por ela, fazendo seu jogo mesmo quando arrota força e independência. O Pará não sabe a agenda da sua história. Logo, não pode fazer a história.
A falta de massa crítica governamental (e da sociedade como um todo) se exemplificou naquela vexatória proposição do governo anterior, de tentar deslocar a empresa exploradora do setor de caulim trazendo um competidor do leste europeu para vir fabricar aqui louça fina, certamente a partir de tecnologia suficientemente inovadora para usar argila que não é cerâmica, como a que alimenta os pólos industriais de Barcarena e do Jari.
Ao fulminar o Idesp com os raios de sua intolerância, o doutor Almir feriu gravemente a inteligência do serviço público. Não apenas de forma real, mas também através do simbolismo. Sem crítica e controvérsia o saber não avança. Mas para os espíritos autoritários o que importa é não serem incomodados pelos críticos. Eles querem a mansidão do pensamento único, do gênio auto-proclamado. É condição do caciquismo que esses personagens cri-cri não existam. Ainda que os que restem fiquem a soldo. E haja matéria paga para mantê-los.
É por isso mesmo que o Pará, dependendo dessas figuras sebastianistas (como os Baratas, Barbalhos ou Gueiros), está parado e, conforme disse Aristides Lobo do povo atropelado pela república madrugadora, bestificado diante dessa história viva e deslumbrante que, devendo redimi-lo, cada vez mais o escraviza, sem que para isso influa um milímetro sequer, em sentido contrário, a retórica revoltada dos seus caciques, na ativa ou aposentados. Com ou sem nariz atravessado.
O pronunciamento do líder tucano foi na semana passada, durante o II Fórum Paraense de Desenvolvimento, promovido pela Associação Comercial do Pará. Reagindo ao que considerou como uma ofensa do palestrante anterior, José Mendo Mizael de Souza, presidente do Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração), Almir falou grosso no revide ao recado do intruso: "Algumas pessoas, lá fora, podem pensar que aqui só existem índios. É verdade que aqui temos os nossos índios, mas essas pessoas devem saber que nós não temos o nariz atravessado".
Outro tuxaua branco, o também ex-governador Hélio Gueiros, assinaria com embevecimento a frase (antropologicamente desastrosa). Ela era uma das favoritas no seu repertório de preconceitos. A outra o fazia remeter os indesejáveis para uma cubata africana, como se o nosso país servisse de contraste à sujeira, à incivilidade e à pobreza, que seriam a marca do continente negro, do outro lado do Atlântico (preconceito também partilhado pelo muy companheiro Luiz Inácio Lula da Silva).
No momento em que o político Almir discursava, a Companhia Vale do Rio Doce, destinatária de sua mensagem irada, dava mais atenção aos índios do que ao ex-governador e ao seu sucessor. A acreditar-se em O Liberal (se tal temeridade é recomendável), a poderosa empresa anda espionando um dos grupos Gaviões e seus aliados, voluntários ou não. O doutor Almir, com ou sem nariz atravessado, não parece estar sendo espionado, exceto, talvez, por outros tucanos ansiosos.
Um dos caciques (de verdade) teria ameaçado bloquear a ferrovia de Carajás, a segunda mais importante via de escoamento de riquezas do sertão para o litoral brasileiro, caso não lhe seja pago um "por fora" de 10 milhões de reais, obrigando a empresa a monitorar seus passos para não ser novamente apanhada de calça curta (ou saia justa, para ser fiel ao patois da moda).
Não se trata de extorsão nem de donativo clandestino para fundo de campanha, tão ao gosto dos sobas políticos, de diferentes matizes (do azul ao vermelho) e variada narina, mas de compensação pelos importúnios que a passagem do trem de minério estaria a causar à aldeia. É o que dizem os índios. Como sua extensão urbana, eles também não possuem "o nariz atravessado". Querem muito mais do que o apito dispensado pelo doutor Almir.
Se dependesse do ex-governador, um desenvolvimentista tout court, os índios já nem deveriam existir como tal, a não ser para servirem de parâmetro abstrato para a retórica do Pará dos sonhos do doutor Almir, sem florestas a atrapalhar o avanço da civilização, com suas estradas, hidrelétricas, fábricas, plantios comerciais et caterva. Durante os oito anos de consulado almirista, o desmatamento se expandiu à larga, os conflitos rurais se agravaram, as condições de vida se deterioraram, mas a plumagem da elite foi tratada a dedo. Ninguém perdeu a pose por causa desses "detalhes".
O discurso anticolonialista do doutor Almir Gabriel no auditório dos comerciantes está carregado de razão. É pena que o governador Almir Gabriel não tenha levado a sério o pensamento do seu outro tardio, bipartido que ficou - como, de resto, a social-democracia da qual seu partido se declara porta-voz - entre o pensamento e a ação. Reconheça-se que essa dissociação não é monopólio dele ou do PSDB. Ninguém poderia imaginar que a esquizofrenia se tornasse tão aguda como está ficando no reinado do presidente Lula (que certamente logo providenciará o seu livro de frases de improviso, made by Duda; o título, com a originalidade própria da categoria, será O livro de pensamentos do presidente Lula).
Durante os oito anos do doutor Almir foram crescentes os lucros da CVRD, a timoneira do colonialismo que aflige o Pará e revolta o nobre político. Quase no encerramento do primeiro dos dois mandatos do doutor Almir, a CVRD foi privatizada, mas o então governador não disse um ai a respeito (como não pia quando os repórteres lhe perguntam sobre sua possível candidatura a prefeito de Belém, reagindo irritado por ver os profissionais da imprensa tentando cumprir o que é sua obrigação).
Nem mesmo se revoltou quando, um mês antes da privatização, foi levado a Marabá pela empresa para lançar a pedra fundamental da metalúrgica de cobre da Salobo Metais, que continua a ser um retrato na parede do sertão (e como dói). A exploração do cobre que vai começar não é no Salobo, mas no Sossego, e visa apenas a concentração do metal, não sua transformação em metal.
Durante seus oito anos de império no Pará, aliás, o doutor Almir não deixou passar um mês sem falar na agregação de valor à atividade produtiva, através de investimentos na transformação da matéria prima. De tanta fala o que resultou é quase nada, ou menos do que nada, se formos analisar os resultados da produção de gusa à base de carvão vegetal por uma refinada conta de custo/benefício.
Em matéria de reação ao colonialismo que sangra o Pará, de forma ainda mais selvagem do que sangrou o Amapá, o que significaram os oito anos do cacique - de nariz não atravessado - Almir Gabriel? Zero vezes zero. Dirão seus correligionários que isso se deve ao monopólio efetivo de poder exercido pelo governo federal, que põe e dispõe na nossa satrapia verde. Em princípio, é verdade. Mas o presidente da república era um correligionário de partido do governador (situação que já não serve de justificativa para a inação do seu sucessor).
Senador-constituinte de destacada atuação no Congresso Nacional, o doutor Almir devia ter conseguido impor ao sociólogo Fernando Henrique Cardoso uma matéria que tem tido importância apenas decorativa ou formal entre nós (ou entre nós e eles): respeito. Tanto quanto o Pará, entretanto, o governador não foi ouvido nem cheirado, para usar outra pérola da fraseologia dos nossos caciques. Mas também não mugiu nem tugiu (apud Hélio Gueiros). Quando tem que confrontar poderosos, o doutor Almir costuma perder a pose que impõe a subordinados e áulicos. O grito fica preso na garganta, como na canção de Caetano Veloso.
O brado de protesto saía de vez em quando, mas a própria Vale já sabia que, como de regra no trato com os caciques antecessores, nada que um punhado de miçangas e balangandãs não pudesse resolver (os verdadeiros índios, como já se sabe, passaram da fase dos espelhinhos). Uma sismografia da relação governo-CVRD é delimitada pelo toma-lá-dá-cá que faz os momentos de pique serem sucedidos pela linha quase reta do entendimento de bastidores. Daí a descontinuidade do discurso crítico. Por isso a ausência de resultados concretos desse contencioso entre caciques (tantos) e índios (tão poucos). O governador-imperador põe e a burocracia pública não dispõe. Morre muda (vide Idesp).
Exemplo categórico nesse sentido é a atitude do atual governo, à espera das 30 mil casas que a Vale diz-que-vai-fazer-mas-não-faz, por não ser de sua competência, e a administração estadual, de sua parte, finge-que-não-sabe que está pedindo o indevido. A Vale pode ficar acuada por esses movimentos reativos, mas para sair do córner do ringue ela não precisa mudar. Basta agradar os contendores. Por isso o Pará está sempre atrás da empresa, em seu rastro, manipulado por ela, fazendo seu jogo mesmo quando arrota força e independência. O Pará não sabe a agenda da sua história. Logo, não pode fazer a história.
A falta de massa crítica governamental (e da sociedade como um todo) se exemplificou naquela vexatória proposição do governo anterior, de tentar deslocar a empresa exploradora do setor de caulim trazendo um competidor do leste europeu para vir fabricar aqui louça fina, certamente a partir de tecnologia suficientemente inovadora para usar argila que não é cerâmica, como a que alimenta os pólos industriais de Barcarena e do Jari.
Ao fulminar o Idesp com os raios de sua intolerância, o doutor Almir feriu gravemente a inteligência do serviço público. Não apenas de forma real, mas também através do simbolismo. Sem crítica e controvérsia o saber não avança. Mas para os espíritos autoritários o que importa é não serem incomodados pelos críticos. Eles querem a mansidão do pensamento único, do gênio auto-proclamado. É condição do caciquismo que esses personagens cri-cri não existam. Ainda que os que restem fiquem a soldo. E haja matéria paga para mantê-los.
É por isso mesmo que o Pará, dependendo dessas figuras sebastianistas (como os Baratas, Barbalhos ou Gueiros), está parado e, conforme disse Aristides Lobo do povo atropelado pela república madrugadora, bestificado diante dessa história viva e deslumbrante que, devendo redimi-lo, cada vez mais o escraviza, sem que para isso influa um milímetro sequer, em sentido contrário, a retórica revoltada dos seus caciques, na ativa ou aposentados. Com ou sem nariz atravessado.
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