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"O governo falhou na oferta de água potável e na valorização da dieta tradicional indígena"

03/11/2015

Autor: Maria Clara Vieira

Fonte: Revista CRESCER (São Paulo - SP) - www.revistacrescer.globo.com



João Paulo Botelho Veira Filho é um daqueles médicos que parecem ter nascido com a missão de ajudar quem mais precisa. Endocrinologista, professor e pesquisador da Unifesp, ele é voluntário há mais de três décadas em aldeias indígenas.

Todos os anos, ele passa os meses de dezembro e janeiro prestando atendimento médico voluntário aos indígenas xavante de Mato Grosso. Com base em suas próprias pesquisas e vivência pessoal, ele faz a denúncia a seguir:

"A mortalidade infantil xavante é extremamente alta basicamente por conta da falta de saneamento e de oferta de água. Muito antigamente, antes do contato com a nossa civilização, os índios eram nômades: mudavam de local para ciclos alimentares de caça, pesca e coleta, de modo que deixavam pouco lixo acumulado para trás, cada vez que se deslocavam para novas regiões.

Mas, com a sedentarização dos indígenas, há grandes quantidades de lixo acumulado, pois não há nenhum tipo de recolhimento. Os detritos alimentares são lançados próximos às casas, os ratos selvagens proliferam, as fezes humanas são deixadas próximas dos rios da aldeia e contaminam a água com bactéria e vírus que causam grave diarreias.

Também há muita contaminação por parasitas intestinais, como amebas e protozoários, que se proliferam e contribuem para a alta taxa de mortalidade infantil.

Imagine como estaria nossa saúde se nós vivêssemos em uma casa sem nenhuma torneira d'água ou uma privada. É isso o que acontece com a maioria dos indígenas. Há acúmulo de fezes ao redor das casas e no mato próximo, o que contamina as crianças e causam doença graves.

Na Terra Indígena de Sangradouro e Terra Indígena de São Marcos [ambas no Mato Grosso], a Missão Salesiana fez inúmeros poços semi-artesianos, de forma que amenizou a situação e socorreu os índios xavantes ao oferecer a água potável.

Mas, com o tempo, esses poços danificaram e, por mais de dois anos, as aldeias ficaram sem água por falta de reparos. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), que sucedeu a Funasa, teria a obrigação governamental de consertar esses poços.

O posto de saúde da maior aldeia da região permaneceu por todo esse tempo sem água, por falta de ação da Sesai. Eu reclamei muito e me tornei até desagradável. Até que, depois de dois anos, a Sesai, por fim, resolveu ajudar.

Outro problema que acomete os indígenas é o fornecimento pelo governo da cesta básica com açúcar cristalizado. Só que sabemos que os indígenas não devem ingerir muita sacarose, porque geneticamente eles são muito propensos a desenvolverem diabetes.

Quando damos de comer aos outros devemos dar qualidade e levar em conta as diferenças genéticas. Tenho reclamado desde 2008 a diversos ministérios e secretarias, mas, como resposta, ouvi que não será possível substituir os quilos de açúcar pela farinha de mandioca ou de milho, que são da dieta tradicional desses povos.

Os índios respondem ao açúcar cristalizado com aumento do peso e diabetes. Pela pesquisa que fiz nas aldeias de Sangradouro e São Marcos, 40% das mulheres estão com diabetes. Se não são tratadas devidamente, com insulina três vezes ao dia, elas abortam espontaneamente ou dão à luz crianças natimortas ou com malformações.

A dieta tradicional indígena inclui feijão, batata doce, milho, mandioca, abóbora, cará e frutas do cerrado, que são riquíssimas em nutrientes, vitaminas e sais minerais. Porém, por falta de um programa educativo de valorização dessa dieta tradicional, está havendo uma passagem para a dieta industrializada, e isso é perigoso.

Mães e avós mal alimentados oferecem um leite deficitário em proteínas, cálcio, vitamina D, minerais e anticorpos protetores. Acredito que o melhor caminho seria a manutenção das roças tradicionais orgânicas.

Além de tudo isso, existe outro problema que deve ser investigado: a contaminação das águas e lençóis freáticos pelos agrotóxicos lançados por aviões ou máquinas pulverizadores nas plantações de soja que rodeiam as terras indígenas de Mato Grosso. Os agrotóxicos são usados indiscriminadamente no Brasil por fazendeiros que visam lucro fácil e voltado à exportação. Acontece que esses agrotóxicos são imunossupressores, isso é, dificultam as defesas do organismo contra agentes infecciosos.

Com as vacinas, o governo brasileiro proporcionou, com sucesso, o combate às doenças infecciosas, como sarampo, caxumba, tétano, difteria, paralisia infantil, pneumonias e hepatites, que devastavam as populações indígenas no passado. Porém, falhou na educação e valorização da dieta tradicional, falhou na oferta de água potável e no saneamento básico."

João Paulo Botelho Veira Filho é médico endocrinologista, professor, pesquisador da Unifesp e voluntário em comunidades indígenas há 30 anos.

http://revistacrescer.globo.com/A-mortalidade-das-criancas-indigenas/noticia/2015/11/o-governo-falhou-na-oferta-de-agua-potavel-e-na-valorizacao-da-dieta-tradicional-indigena.html
 

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