De Pueblos Indígenas en Brasil
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Noticias

Professor da aldeia

04/03/2017

Autor: INGARIKÓ, Dilson

Fonte: FSP, Cotidiano, p. B4



Professor da aldeia
Minha história: Dilson Ingarikó
Dilson Ingarikó, 41

(...) Depoimento a
MARCELO TOLEDO
ENVIADO ESPECIAL A BOA VISTA (RR)

RESUMO O indígena deixou seu povo ainda criança para estudar. Muito ligado à avó, que acabara de morrer, seguiu para a capital de Roraima, Boa Vista, tentar encontrar onde o corpo dela fora enterrado, o que não conseguiu até hoje, três décadas depois. Trabalhou como garçom, limpador de panelas e de casas, antes de desenvolver a primeira gramática de seu povo, Ingarikó. Atualmente é secretário estadual do Índio.

Sou de um povo na região da tríplice fronteira do Brasil com Venezuela e Guiana. Saí de lá com nove anos, para uma comunidade do povo macuxi, 80 km longe, em busca de estudo.
A decisão foi motivada pelo sofrimento de meu pai. Ele era liderança e participava de reuniões fora da comunidade, sob a bandeira da luta pela delimitação das terras dos povos indígenas.
Chegavam relatórios, informações do que queriam fazendeiros, garimpeiros, políticos, povos indígenas, e ele ficava sem saber se poderia dizer sim ou não. Ele não tinha compreensão da escrita nem mesmo da fala. Percebi que, se houvesse alguém familiarizado com a língua portuguesa, tudo seria melhor.
Fiquei pensando no sofrimento dele e fui para a outra comunidade estudar. Achava que estudar era ficar um ano e voltar. Meu interesse era poder responder a quem pedia opinião a meu pai.
Tinha combinado com minha avó que iria estudar e voltaria após um ano, mas fiquei até a terceira série. Disse que estudaria para comprar uma rede para ela dormir, pois ela não tinha. Naquele ano, ela adoeceu e voltei para a comunidade. Ela foi removida para Boa Vista e morreu. Como queria ficar perto da minha avó, que me criou, vim para Boa Vista. Não inicialmente para estudar, mas para encontrar o local em que ela tinha sido enterrada. Vim de carona com garimpeiros num caminhão sem saber onde iria chegar.
Cheguei à então delegacia da Funai e logo fui procurar como minha avó tinha sido enterrada, porque na época a responsabilidade de dar assistência básica aos indígenas era da Funai. Ninguém soube dizer e até hoje não encontrei o local. O não encontro motivou que eu permanecesse na cidade, porque assim pensava que estava perto dela. E viver na cidade é ter de estudar, diferente da comunidade, para me socializar, me formar.
Eu só tinha certidão de batizado do padre da comunidade em mãos. A Funai dizia que eu tinha de ir embora, voltar para a comunidade, mas eu queria estudar. Para a Funai, o meu sentimento não valia nada, até que resolveram fazer meu registro. Aí surgiu outro problema, que era o histórico escolar. Sem ele, como me matricular?
Nem sabia o que era isso, nunca me deram isso na aldeia. E eu falava poucas palavras em português na época. Achei o diretor da escola em que estudei e ele disse que não era praxe a escola dar o histórico, porque eu tinha de estudar e ficar na região em que estava, não deveria sair de lá para ir para a cidade. E não deu. Consegui fazer uma prova e me matricular na quarta série, isso já com 14, 15 anos.
PROFESSOR
Trabalhei como garçom, limpador de panelas e de casas, me virei e concluí o ensino fundamental. Aí, me convidaram para voltar à minha comunidade, mas agora como professor.
Depois, concluí o magistério em 1999 e quis ir para a universidade, pois ainda estava com dificuldade de entender português. Conheci a professora Maria Sousa Cruz, que queria fazer pós na Universidade Livre de Amsterdã, e ofereci o ingarikó em troca de ela me ensinar a gramática da língua portuguesa. Eu ensinava como eram faladas as palavras, pois não tinha noção da escrita da minha língua e, por meio da estrutura dela, fui conhecer o que é substantivo, oração, tempo, na língua portuguesa.
A partir disso começou a melhorar meu português. A estrutura da língua portuguesa é o oposto da minha. Ela teve projeto aprovado e me convidou para viajar, em 2000, para Amsterdã.
Ela me orientava e eu ia montando frases na língua ingarikó. Foi assim que desenvolvemos a gramática ingarikó. Fechamos consenso de voltar para capacitar outros ingarikós e formamos três, em 2005. E isso foi se multiplicando, hoje são 32 professores ingarikós capacitados para ensinar. E é importante, porque meu povo está crescendo de forma muito rápida. Em 1987, éramos 400 e, agora, já somos 1.460.
A gramática é, na verdade, uma defesa da língua, porque antropólogos diziam que o povo ingarikó fazia parte de outros, como os macuxis, mas não é verdade. Temos uma língua específica e, para provar isso, nada melhor que a gramática.
Não consegui nada sozinho, isso não existe. Foi fruto de um trabalho nosso de seis anos. E continuo estudando, fiz primeiro o curso de licenciatura intercultural indígena, na federal de Roraima, especializado em ciências da natureza. Sou professor do quadro efetivo do Estado e agora curso direito.
O direito surgiu dessa luta pelos direitos indígenas. Participei do bloqueio de uma estrada e um cidadão chegou e disse que eu atrapalhava o direito dele de ir e vir.
Fiquei pensando naquilo, peguei a Constituição e li artigo por artigo até descobrir onde estava isso. No dia seguinte, encontrei-o e disse a ele que havia dois direitos em conflito, que era o dele, de ir e vir, e o nosso, de reivindicar. Aí o direito me pegou.
Foi assim que entrei em conselhos indígenas e cheguei ao cargo de secretário, com muita luta. Até hoje não sei onde minha avó foi enterrada, mas não desisti.

FSP, 04/03/2017, Cotidiano, p. B4

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/03/1863609-indio-deixa-aldeia-para-estudar-e-desenvolve-gramatica-do-ingariko.shtml
 

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