De Pueblos Indígenas en Brasil

Notícias

Lula vai mesmo trair as novas gerações e repetir o erro de Belo Monte?

11/03/2025

Autor: Eliane Brum

Fonte: sumauma - https://sumauma.com



O xamã Yanomami Davi Kopenawa chama o colapso climático de "vingança da Terra". Os brancos deviam escutar. O presidente Lula (PT) devia escutar. Marcados, ele e Dilma Rousseff, pela catástrofe de Belo Monte imposta pelos governos do PT contra todos os alertas e evidências, Lula parece estar pronto para produzir a Belo Monte de seu terceiro mandato, que agora se chama exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas. Não há nenhuma possibilidade de que esse projeto possa ser algo bom para o Brasil e para o mundo - nem mesmo pensando apenas em dinheiro. Se avançar contra a responsável análise dos técnicos, será um ataque brutal contra a Natureza às vésperas da COP-30 em Belém. Será também o assassinato da biografia de Lula, porque as novas gerações não poderão perdoar.

Cada vez mais a pressão interna pela exploração de petróleo na chamada margem equatorial lembra o processo de licenciamento de Belo Monte, quando um presidente do Ibama, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, pediu demissão, na gestão da ministra do Meio Ambiente Izabela Teixeira, por resistir a dar a autorização exigida, embora publicamente tenha alegado "motivos pessoais". Agora, Lula chama o zelo técnico do Ibama de "lenga-lenga", e as notícias mostram que o atual presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, pode ter dificuldades de manter o cargo, como contamos aqui.

Lula deveria prestar atenção ao que hoje acontece com Belo Monte, cuja primeira turbina foi inaugurada por Dilma Rousseff em 2016, pouco antes de sofrer impeachment, e a última por Jair Bolsonaro, em 2019. Aqui vale perceber algo muito importante sobre o Brasil e suas forças políticas. Pelo menos duas realidades permaneceram após a redemocratização do Brasil, depois dos 21 anos de ditadura empresarial militar (1964-1985): a violência policial nas favelas, periferias, delegacias e cadeias contra os mais pobres, majoritariamente negros, é uma; a outra é o projeto colonizador para a Amazônia, que vê a Floresta como um corpo para extração de mercadorias. Isso explica por que a presidenta pelo partido mais à esquerda no poder no Brasil, que combateu a ditadura e foi torturada por ela, inaugurou a primeira turbina, e o capitão reformado, extremista de direita e defensor da ditadura, cujo mito pessoal é um dos mais sanguinários torturadores, inaugurou a última - sem que isso tenha sequer chamado a atenção.

Se Lula não está acompanhando o que acontece hoje com Belo Monte, contemos a ele. Em 22 de janeiro, uma forte tempestade derrubou cinco torres de transmissão da energia elétrica produzida pela maior hidrelétrica totalmente brasileira. A tormenta veio e as obras de engenharia humana desabaram no chão como se fossem de brinquedo. Diante da vingança da Terra, a empresa Norte Energia, que opera a usina, foi obrigada a libertar a água que sequestra da Volta Grande do Xingu à custa de morte de peixes e insegurança alimentar para Indígenas, Ribeirinhos e agricultores familiares.

Fazia muito que não se via humanos e mais-que-humanos tão felizes porque as piracemas encheram, as peixas compreenderam que as águas anunciavam a desova e o rio se encheu de vida. Quando a Floresta está apenas criando vida e não queimando ou tendo suas grandes árvores derrubadas, até os mais obtusos sentem o poder, mesmo que em seguida se agarrem a suas canetas para armar o contra-ataque de sua guerra permanente contra a Natureza.

A história de como a Norte Energia usa o sistema judiciário para ser autorizada a produzir mais um desastre ecológico numa das regiões mais biodiversas da Amazônia está bem contada aqui. Ela nos lembra que Belo Monte não é um "fato consumado", no sentido de que a destruição provocada pela hidrelétrica que barrou o Rio Xingu está longe de acabar - e o pior pode ainda estar por vir, como quem acompanha os dias no chão facilmente constata. Vale já um alerta, uma vez que falaremos de transição energética logo mais: hidrelétrica na Amazônia NÃO é energia limpa. Ao contrário.

Belo Monte é a marca de uma catástrofe planejada que um dia será formalmente considerada um crime se houver justiça, e jamais será esquecida. Belo Monte mancha a imagem de Lula e do Partido dos Trabalhadores não só no Brasil, mas no mundo. E isso, sim, é fato consumado. O que hoje surpreende é que, depois de tudo o que se viu e se comprovou e segue acontecendo, Lula parece nada ter aprendido e pressiona para produzir uma nova Belo Monte, no sentido da catástrofe anunciada que é a abertura de uma frente de exploração de petróleo na Amazônia.

Tentemos entender as razões para a desrazão de Lula. Sim, o presidente de centro-esquerda está acuado e encurralado pelo Congresso mais à direita desde a redemocratização, com majoritária representação de predadores da Natureza atuando para as elites extrativistas locais, às quais muitos pertencem, mas também para as grandes corporações transnacionais de agrotóxicos, de carne, de soja, de ultraprocessados.

Lula perde popularidade porque já não consegue representar a maioria da população nem consegue entender o povo brasileiro, que mudou e muito desde seus primeiros mandatos. Já não são trabalhadores ansiosos por um emprego em regime CLT ou abrigados em sindicatos fortes, mas indivíduos que foram convencidos e se convenceram de que ser autônomo é o melhor, que o empreendedorismo liberta e que o mérito é conquista individual, como não se cansam de repetir alguns pastores do evangelismo de mercado. Lula parece ter perdido a uberização das relações no mundo do trabalho que faz com que estudantes da escola pública, moradores de bairros precarizados, digam em sala de aula, como contou um professor: "Deus me livre ser CLT!". A maioria quer ser "empreendedor", sem perceber que, assim, está por sua própria conta, desresponsabilizando o Estado e abrindo mão de direitos, partindo para a disputa de uma base totalmente desigual quando comparada à minoria mais rica.

Lula precisa do dinheiro que hoje em grande parte vem do petróleo produzido e exportado pela Petrobras para poder deixar marcas positivas em seu governo que possam ser reconhecidas na dificílima eleição de 2026. Tudo isso são fatos. Mas há também o fato de que Lula, assim como grande parte da esquerda brasileira e global, ainda não conseguiu superar a ideia hoje impossível de que a redução da pobreza pode ser feita ao custo da Natureza. Como realmente aconteceu nos seus primeiros mandatos, quando grande parte dos programas sociais foi financiada por mercadorias arrancadas da Amazônia e de outros biomas e exportadas especialmente para a China. Não pode. A Natureza nunca poderia ter pagado a conta, em tempo algum, como o colapso do clima e da biodiversidade aponta, mas hoje não pode mesmo se quisermos ter não apenas futuro, mas presente.

Olhemos para os fatos. Os combustíveis fósseis - petróleo, carvão e gás natural - são responsáveis por mais de 70% dos gases que produzem o aquecimento global. Pela primeira vez, tivemos um ano inteiro, o de 2024, com temperatura média de 1,6 grau Celsius acima dos níveis anteriores à Revolução Industrial. Lembrem-se: 1,5 grau Celsius era o limite seguro reconhecido no Acordo de Paris. Todos sabem o que aconteceu no Brasil e no mundo em 2024, com eventos extremos como inundações no Rio Grande do Sul e seca extrema na Amazônia pelo segundo ano consecutivo. Sem a Amazônia, barrar o aquecimento global e a consequente corrosão da qualidade de vida é muito difícil, provavelmente impossível. E Lula quer abrir mais uma frente de exploração de petróleo na Amazônia. Como, se produzir petróleo aquece o planeta? Como, se atacar a maior floresta tropical do mundo ameaça sua capacidade já comprometida de absorver carbono?

Como?

Porque é impossível negar que a produção e o consumo de petróleo precisam acabar se quisermos viver na única casa que temos, o discurso agora é que a produção de petróleo deve continuar para financiar a transição para outras fontes de energia. E também para "preservar a segurança energética".

Mentira.

Como a repórter especial de SUMAÚMA Claudia Antunes já mostrou e provou em várias reportagens feitas a partir de investigações de profundidade, o Brasil não precisa de mais reservas para suas necessidades internas. Hoje, o petróleo tem participação de 35% na matriz energética brasileira - que inclui, além da geração de eletricidade, os transportes e os usos industriais. Um Programa de Transição Energética publicado em 2023 pela Empresa de Pesquisa Energética, ligada ao Ministério de Minas e Energia, e pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais estimou que essa participação cairá para entre 5% e 15% em 2050, ano em que o Brasil se comprometeu a atingir a "neutralidade climática" - em tese, não jogar na atmosfera mais gases poluentes do que a Natureza pode absorver. Em seu relatório de 2024, a Agência Internacional de Energia calcula que, se cumprir somente os compromissos climáticos anunciados até outubro do ano passado, o Brasil vai reduzir o consumo de petróleo de 2,5 milhões de barris por dia em 2023 para 2,1 milhões em 2035 e 1,2 milhão em 2050.

Para essas necessidades internas reduzidas, o país pode usar as reservas já conhecidas, sobretudo no litoral do Sudeste. A própria Petrobras, em seu plano estratégico para os anos de 2025 a 2029, prevê aumentar os investimentos no pré-sal e na recuperação de campos no litoral norte do estado do Rio de Janeiro.

A questão não é, portanto, a segurança energética dos brasileiros, mas a dependência cada vez maior que o país e o governo têm da renda do petróleo. Em 2024, os dividendos pagos pela Petrobras a seus acionistas - entre eles o Estado brasileiro - corresponderam a mais de 40% dos repasses das empresas estatais à União. O governo federal tem, ainda, participação nos royalties e nas participações especiais pagas pelas empresas do setor. Os acionistas privados da companhia, em sua maioria estrangeiros, também pressionam pelo aumento da produção, por causa dos dividendos que recebem. É o mesmo interesse dos acionistas das petrolíferas estrangeiras que operam no Brasil. Além disso, as reservas de petróleo das companhias do setor têm grande peso no estabelecimento do seu valor de mercado - mais um paradoxo em meio ao colapso climático.

Uma demonstração de que o petróleo produzido no Brasil hoje vai além de suas necessidades internas é sua exportação crescente. Em 2024, mais de 50% do petróleo produzido no país foi exportado, e o produto superou a soja no valor de venda ao exterior. Do ponto de vista climático, o país está exportando poluição. E, no caso do litoral amazônico, correndo graves riscos ambientais. Do ponto de vista econômico, o problema é que não se sabe por quanto tempo as compras externas se sustentarão. A Agência Internacional de Energia prevê que a demanda mundial por petróleo chegará ao pico em 2030, o que significa que depois disso começará a cair. Por isso, a exploração na Foz do Amazonas seria, além de ambientalmente desastrosa, uma aposta financeiramente errada. Se for encontrado petróleo no litoral do Amapá, o que não é uma certeza, a perspectiva é de que o auge de sua produção aconteceria em 20 anos: tarde demais para financiar a urgente transição energética e já com o consumo global de fósseis em declínio.

Contar com a renda incerta do petróleo ainda traz a consequência de atrasar os planos de mudar a economia brasileira para um padrão compatível com a conservação da Natureza. Hoje, o gasto público do Brasil ainda incentiva principalmente as fontes de energia fósseis em comparação com as renováveis, o que é um suicídio por qualquer ângulo. O Instituto de Estudos Socioeconômicos, que todo ano faz essa conta, calculou que quase 82% dos incentivos financeiros do governo federal para fontes de energia em 2023 - incluindo renúncias tributárias e subsídios - foram destinados a empresas que atuam na produção de combustíveis fósseis.

Um governo e um presidente não são feitos apenas de objetividades. As subjetividades jogam fortemente com todas as decisões humanas, das pessoais às profissionais. Lula, como uma parte infelizmente ainda significativa da esquerda brasileira e global, especialmente aquela nascida nos grandes sindicatos operários, tem no petróleo um fetiche. Vale lembrar que no final do seu segundo mandato um Lula consagrado por uma popularidade recorde de quase 90% de aprovação posou com as mãos sujas de petróleo sem que isso causasse nenhum questionamento do ponto de vista climático. Ao contrário. A descoberta do pré-sal (reservas de petróleo abaixo de uma profunda camada de sal) foi apresentada e festejada como garantia de riqueza para o Brasil.

Mais de uma década depois, a opinião pública é outra. A população global testemunha eventos climáticos cada vez mais graves e numerosos, as ondas de calor têm sido vividas literalmente na pele e a consciência sobre o colapso aumenta, apesar de ainda não conseguir que a maioria se mova. Neste contexto, a conservação da Amazônia se tornou bandeira no senso comum. Lula, porém, parece não perceber que o Brasil do seu terceiro mandato é diferente dos dois primeiros. Em tempos de aceleração, uma década é muito.

Quando Belo Monte foi leiloada e construída, apontar suas contradições era a certeza de ser massacrado nas redes sociais mesmo e muito por parte daqueles que se diziam progressistas. O governo vendia as grandes hidrelétricas na Amazônia como "energia limpa" e grande parte da população só queria que não houvesse apagões e a conta ficasse mais baixa. Hoje, o cenário é outro. A mais recente pesquisa da Confederação Nacional do Transporte (CNT) mostrou que quase metade da população (49,7%) é contra a exploração de petróleo na Foz do Amazonas e apenas 20,8% são a favor. Outros 16,5% são indiferentes e 13% não sabem ou não responderam. Entre os que são contra, a principal razão apontada em ambos os gêneros, em todas as faixas de idade, de renda e de escolaridade, assim como em todo o espectro político, da esquerda à direita, é a mesma: "A região é de grande importância ambiental e deve ser preservada a todo custo".

Se Lula pretende recuperar a popularidade em queda, portanto, defender a abertura de mais uma frente de exploração de petróleo na Amazônia é uma escolha equivocada. O preço ecológico a pagar por esse erro é incalculável e avançará muito além do tempo de vida de Lula e da maioria de nós. Mas desde o dia zero, como já ficou explícito, cada movimento será muito bem coberto e acompanhado pelo que resta de imprensa responsável no Brasil e no mundo. Ao contrário do que aconteceu com Belo Monte, que foi festejada pela maioria da imprensa do Sudeste como magistral obra de engenharia, com escassa investigação e crítica, desta vez cada erro estará na vitrine - e nas redes sociais.

É o que SUMAÚMA faz desde seu primeiro dia, fiscalizando os atos dos governos e instituições públicas, independentemente do partido no poder, assim como de corporações privadas, como cabe à imprensa realmente independente. Em 10 de março, por exemplo, publicamos uma reportagem especial de Catarina Barbosa, jornalista de Belém do Pará, descendente de família Ribeirinha, mostrando como bancos e dinheiro público têm financiado a destruição da Floresta Amazônica. Catarina mergulhou por um ano nos dados do Banco Central sobre crédito rural, empréstimos subsidiados por recursos públicos que têm colaborado para aumentar a pressão sobre a Amacro, uma nova fronteira de desmatamento impulsionada pelo extremista de direita Jair Bolsonaro quando era presidente do Brasil. Depois de analisar 65.315 empréstimos, cruzados com informações detalhadas que permitiram traçar o perfil de seus beneficiários, a repórter prova que o dinheiro chegou às mãos de pessoas punidas por destruir a Floresta, ainda que os bancos, publicamente, afirmem estar aumentando suas barreiras aos criminosos ambientais.

O Brasil comemora o Oscar de melhor filme internacional para Ainda Estou Aqui, que conta a história real de Eunice Paiva e sua família. Seu marido, o deputado cassado pela ditadura Rubens Paiva, foi tirado de casa, torturado e morto nas dependências do Exército em 1971, mas a família só conseguiu um atestado de óbito 25 anos de muita luta depois. Como disse seu diretor, Walter Salles, após a cerimônia de premiação, "vivemos um momento em que a memória está sendo apagada como um projeto de poder, então criar memória é extremamente importante".

Criar memória é também uma das responsabilidades do jornalismo. Neste sentido, é necessário assinalar qual foi a escolha de Eunice Paiva, uma dona de casa dedicada à vida doméstica e social da família até a ditadura entrar pela sua porta e tirar de lá seu marido e pai de seus filhos para nunca mais devolver. Essa é a história real a que mais de 5 milhões de brasileiros já assistiram nos cinemas.

O que o filme conta apenas como epílogo é o que Eunice Paiva fez depois. Ela tornou-se advogada e passou a defender os direitos dos povos Indígenas e de seus territórios na Amazônia. A Comissão Nacional da Verdade revelou 434 pessoas mortas e desaparecidas na ditadura, a maioria delas branca como Rubens Paiva. É importante lembrar que pelo menos 8.350 pessoas Indígenas foram exterminadas pela ditadura - e este é só um número inicial, já que ainda há muito a investigar.

Diante da violência, Eunice Paiva escolheu viver. Este é o maior legado da mulher que o Brasil e o mundo acabaram de conhecer pelo cinema. Nada é mais poderoso do que a vida, nenhum movimento é mais poderoso do que desejar viver. Neste momento em que a extrema direita avança e o planeta colapsa, para termos coragem para a luta precisamos fazer a escolha de Eunice Paiva. Parafraseando sua frase emblemática, nós de SUMAÚMA dizemos: "Nós vamos viver. Vivam!".

https://sumauma.com/lula-vai-mesmo-trair-as-novas-geracoes-e-repetir-o-erro-de-belo-monte/
 

As notícias publicadas no site Povos Indígenas no Brasil são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos .Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.