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Brasil precisa agir e 'liderar pelo exemplo', diz cientista

21/03/2025

Autor: FEARNSIDE, Philip

Fonte: FSP - https://valor.globo.com/



Brasil precisa agir e 'liderar pelo exemplo', diz cientista
Biólogo Philip Fearnside critica opção do governo brasileiro de tentar explorar petróleo na região da Foz do Amazonas

Rafael Garcia

21/03/2025

O editorial da revista "Science" desta semana, a principal vitrine de opinião da ciência mundial, traz uma dura crítica ao governo brasileiro e diz que o país não está conseguindo "liderar pelo exemplo" na área ambiental. Coautor do texto, o cientista Philip Fearnside, biólogo do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), questiona não só a intenção brasileira de expandir a produção de petróleo, mas também a falta de medidas concretas para o país cumprir o compromisso de zerar a destruição de florestas.

O biólogo americano alerta que o objetivo do Acordo de Paris para o clima - manter o aquecimento global abaixo de 1,5oC - não comporta a abertura de novas frentes de exploração fóssil, como a Margem Equatorial. Membro da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS) e da Academia Brasileira de Ciências (ABC), ele diz ainda que mesmo o sucesso recente do governo em conter o desmatamento está ameaçado por projetos como a BR-319, que liga Manaus a Porto Velho.

Por isso, afirma, a conferência do clima de Belém (COP30), a ser realizada em novembro, pode marcar o momento em que o presidente Lula perderá o apoio que conquistou da comunidade acadêmica quando foi eleito para seu terceiro mandato, em 2022. "Ele não está escutando a ciência e está cercado de pessoas que o colocam dentro de um espaço de desinformação", diz. Leia a seguir os principais pontos da entrevista:

O Brasil está tentando colocar a floresta no foco de sua ação na COP30, porque tem bons resultados para mostrar, como a redução do desmatamento. O sr. critica, porém, os grandes projetos infraestrutura na Amazônia. Eles podem comprometer a política de clima do país?

Philip Fearnside: Sim, sem dúvida, porque eles levarão à emissão de gases de efeito estufa por décadas no futuro. Hoje está se abrindo uma fronteira para a parte oeste do Estado do Amazonas, e isso também está relacionado ao petróleo. Tem um grande projeto para a área sedimentar do Solimões, que seria acessado a partir da BR-319, uma obra que leva ao desmatamento e aos incêndios florestais. Além disso, a estrada traz exploração de madeira e degradação da floresta. Isso tudo emite gases efeito estufa, e aquela área tem um enorme estoque de carbono. Aquela é a parte da floresta mais crítica para a reciclagem de água no clima do Brasil, inclusive para abastecer a própria cidade de São Paulo. A situação de clima no centro-sul do Brasil já mudou. Temos grandes secas, como as de 2014 e 2021. Por causa de mudanças nas temperaturas dos oceanos, existe até previsão de que isso piore no futuro. Isso faz aumentar muito o valor de manter aquela área da Floresta Amazônica preservada, porque lá é o último lugar em que é reciclada a água antes de ser levada para São Paulo, pelos chamados rios voadores.

No editorial da "Science", o sr. também criticou a política fundiária do país. A situação da grilagem não está mais controlada agora?

Fearnside: Uma das coisas que o governo está fazendo é legalizar as reivindicações de ocupações nas terras públicas não destinadas, que são um dos grandes motores de desmatamento. Pelo menos metade do desmatamento recente tem sido nessas terras públicas, e legalizando isso estimula mais invasão, mais grilagem etc. Além disso, o Ministério da Agricultura está financiando e estimulando expansão de soja e gado não só na Amazônia, mas também no Cerrado. A transformação de pastagem em soja, inclusive no Cerrado, é um estímulo ao desmatamento na Amazônia. Os pecuaristas vendem a terra a um preço valorizado, compram grandes áreas de floresta baratas na Amazônia e desmatam a nova fazenda. Muito das áreas perto da BR-163, que corta Mato Grosso e o Pará, em São Félix do Xingu (PA), há esses grandes focos de desmatamento por pecuaristas que venderam as terras para plantadores de soja e se mudaram para lá.

Mas o trabalho de monitoramento e fiscalização não vai conter o desmatamento em torno dos novos empreendimentos? O governo, afinal, assumiu o compromisso de zerar o desmate até 2030.

Fearnside: Mas como o governo vai cumprir essa promessa? Ele precisa ter um plano para diminuir ainda mais o desmatamento. Hoje, só o Ministério do Meio Ambiente está tentando controlar a situação. Basicamente, os outros ministérios entregam o problema para ele. Quando fizerem a BR-319, o Ibama vai ter que se virar para controlar o desmatamento ali. Isso não resolve. Você tem que pensar no que vai acontecer antes de colocar esse processo em movimento. O Ibama não tem autoridade para mudar a política sobre financiamento e sobre legalização de terras. Além disso, o Congresso Nacional tirou do Ministério do Meio Ambiente o controle sobre o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e colocou na nas mãos dos ruralistas. Isso é uma coisa que também estimula o desmate. Essas reivindicações on-line no CAR levam à legalização de áreas desmatadas, e fica um fato consumado, para depois legalizarem ocupações ilegais.

O maior ponto de conflito do governo na COP30 é a iniciativa de exploração de petróleo na Margem Equatorial. O governo tem razão quando argumenta que o Brasil tem direito a explorar petróleo por mais tempo que os países industrializados? A lógica desse argumento é que nações pobres não usaram tanto combustível fóssil para se desenvolver no passado, como Europa e Estados Unidos.

Fearnside: Nós não podemos tomar os EUA como modelo e como padrão, especialmente com [o presidente americano Donald] Trump ali. Vamos destruir o clima porque os Estados Unidos estão destruindo também? Isso é uma fórmula para desastre, e o Brasil seria uma das grandes vítimas desse desastre. Para conseguir liderar, um país tem que sair na frente em termos de ação, não só de discurso.

Mas esse argumento de responsabilidade histórica tem sido usado para contestar o relatório da Agência Internacional de Energia (IEA), que o sr. cita no editorial. Ele não é válido?

Fearnside: A IEA reúne 123 países e não é um grupo ambientalista. Ela é uma organização que geralmente está do outro lado da discussão nos assuntos ambientais. Eles soltaram esse relatório dizendo que não se deve abrir nenhum novo campo de petróleo e gás no mundo. Se os campos atuais continuarem produzindo até se esgotarem, o petróleo produzido neles já compromete o clima global. E a IEA reconhece que as emissões têm que parar realmente muito cedo. No caso do petróleo na foz do Amazonas [que fica na região da Margem Equatorial], a previsão é de cinco anos para começar a produzir em escala comercial, depois mais cinco anos para pagar o investimento. E depois disso, claro, ninguém vai parar de produzir, ainda com zero de lucro. Isso vai consumir muito do pouco tempo que o mundo tem para parar de usar combustível fóssil.

A mudança climática global, de todo modo, não está em questão na análise do Ibama sobre a Margem Equatorial, que leva em conta só os impactos ambientais mais próximos. O potencial de impacto regional não é menos preocupante do que o global?

Fearnside: No caso da foz do Amazonas, pode ocorrer uma enorme catástrofe se houver vazamento de petróleo, por causa da profundidade da água e das correntes marinhas. Já temos exemplo do que aconteceu em 2010 com a Deepwater Horizon no golfo do México. Vazou petróleo por cinco meses sem controle. Aquela catástrofe mostrou que ninguém no mundo tinha a tecnologia para tapar um vazamento daqueles, a 1,5 km de profundidade. O primeiro poço na foz do Amazonas vai ficar a 2,8 km de profundidade, quase o dobro, e as correntes marinhas são bem mais complexas. A Petrobras argumenta, claro, que eles são muito experientes, mas o fato é que ninguém ali fez isso ainda. Não existe nenhum vazamento dessa profundidade e desse tipo que tenha sido tapado em lugar nenhum no mundo.

Mesmo com todas essas críticas, o sr. foi escolhido ao lado de Walter Leal Filho para representar o posicionamento da "Science" sobre a atuação do Brasil na COP30, e a revista é a maior vitrine da ciência global. É sinal de que o presidente Lula está perdendo a confiança da comunidade científica?

Fearnside: Sem dúvida. Mesmo antes de ele assumir, ele deu uma palestra na COP do Egito (em 2022), e todo mundo ficou encantado ali quando falou em zerar o desmatamento. Mas em setembro do ano passado ele se declarou a favor do BR-319. Ele não podia ter escolhido uma data mais irônica, quando o país estava coberto de fumaça das queimadas e estava com níveis recordes de seca na Amazônia, com os rios quase secando. E aí veio o apoio para explorar a foz do Amazonas. Então, obviamente, ele não está escutando a ciência e está cercado de pessoas que o colocam dentro de um espaço de desinformação. Esse é termo que o [presidente da Ucrânia, Volodymyr] Zelenski usou para falar do diálogo do Trump com o [presidente da Rússia, Vladimir] Putin sobre a guerra. É exatamente isso o que está acontecendo aqui. O presidente está cercado do ministro de Minas e Energia, da presidência de Petrobras, do ministro dos Transportes etc., que passam para ele o panorama deles. Ele só tem a [ministra do Meio Ambiente] Marina Silva, provavelmente, como fonte de informações confiáveis na área.

https://valor.globo.com/brasil/cop30-amazonia/noticia/2025/03/21/brasil-precisa-agir-e-liderar-pelo-exemplo-diz-cientista.ghtml
 

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