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'Lavagem de madeira': entenda como autorizações oficiais são usadas para venda ilegal de material extraído na Amazônia
03/04/2025
Fonte: O Globo - https://oglobo.globo.com/
'Lavagem de madeira': entenda como autorizações oficiais são usadas para venda ilegal de material extraído na Amazônia
Relatório do Environmental Investigation Agency (EIA) revelou que 53 mil metros cúbicos do produto foram comercializados após graves evidências de atividade clandestina no Pará
Lucas Altino
03/04/2025
Nos últimos anos, milhares de árvores foram derrubadas em fazendas e sítios do Pará, vendidas a serrarias locais, depois para exportadoras brasileiras, até serem compradas por empresas dos Estados Unidos e da Europa. Esse comércio aconteceu de forma regularizada, com apresentação de documentos oficiais e autorizações das autoridades competentes. No entanto, uma investigação do Environmental Investigation Agency (EIA), grupo internacional que pesquisa crimes ambientais na Amazônia, revelou que 53 mil cúbicos de madeira, o suficiente para encher 1.828 contêineres marítimos, foram vendidos após graves evidências de extração ilegal, entre 2019 e 2024.
O relatório do EIA, publicado nesta quinta-feira, detalha o passo a passo dessa dinâmica e mostrou como madeireiros da Amazônia conseguem burlar as regras usando autorizações oficiais. A entidade cruzou dados públicos, das autorizações de extração de madeira concedidas pelo governo do Pará, com imagens aéreas das florestas onde houve, ou deveria haver, a extração. Assim, foram identificadas quatro áreas com evidências de ilegalidade.
Em dois casos, os pesquisadores descobriram que aconteceu a venda de madeiras registradas como oriundas de sítios onde as imagens aéreas mostram florestas intactas. As suspeitas são de que as madeiras vendidas vieram de outros locais, provavelmente de áreas de preservação onde a extração não é permitida, e a autorização oficial teria sido usada para "lavar" essas madeiras extraídas ilegalmente.
Nos outros dois casos, os sítios autorizados foram realmente desmatados, mas em desrespeito às regras que regulam a extração legal e sustentável. O Ibama chegou a embargar essas operações, por causa de desmatamento ilegal em uma situação e de garimpo ilegal em outra, mas nem assim as autorizações estaduais para extração foram suspensas.
Os casos identificados envolveram, além dos quatro sítios e fazendas, 19 serrarias, 16 exportadores e 30 empresas de EUA e Europa, como destinos finais. Essa rede precisa seguir leis, nacionais e internacionais, para atestar a origem legal das árvores. Mas as regras atuais parecem insuficientes. Das 19 serrarias e 16 exportadoras, 12 e 14, respectivamente, já foram multadas pelo Ibama, em investigações diferentes das analisadas pelo EIA.
A pesquisa denuncia o problema da falta de integração entre Ibama e órgãos estaduais no combate a crimes ambientais e o monitoramento precário sobre as atividades autorizadas, afirma Chris Moye, gerente do programa EIA América Latina e coautor do relatório. Como os documentos de comprovação da origem da árvore são autodeclaratórios, a "lavagem de madeira" se torna mais fácil, diz o especialista.
- O problema é que conseguem driblar o rastreio legal. O guia (que demonstra a origem da madeira) é declaratório, então pode mentir - afirma Moye, que suspeita que os pontos verdadeiros de extração ficam dentro de Terras Indígenas, perto das áreas autorizadas, onde há muita oferta de madeira de boa qualidade. - Se houvesse um aplicativo, com GPS, para identificar o local onde houve a extração, como obrigação para a declaração, seria muito mais difícil driblar isso. Percebemos que esse tipo de ferramenta está sendo discutida para a rede do gado, mas não da madeira. A COP30 pode ser um momento oportuno para esse debate.
Durante a pesquisa, o EIA entrevistou madeireiros e donos de serraria, anonimamente, que confirmaram a existência de uma cultura de corrupção e fraude. Uma das pessoas afirmou que "todo mundo" faria a lavagem das madeiras, e que é fácil usar documentos oficiais para ocultar a verdadeira origem da árvore. Em outros depoimentos, os pesquisadores ouviram sobre a ocorrência de corrupção para aprovação de planos de extração de madeira ou para evitar fiscalização.
Apesar de acreditar que os donos de serrarias e de exportadoras sabem que estão comprando madeira ilegal na maioria desses casos, e de frisar a facilidade que há para descobrir as ilegalidades, Moye explica que esses operadores podem apenas alegar que receberam a correta documentação do madeireiro, e, portanto, não cometeram crime. No Brasil, explica, a lei não obriga o comprador a realizar uma diligência própria para além do recebimento dos documentos com autorizações.
Já na Europa as regras são mais rígidas. A União Europeia, conta Moye, obriga os compradores a cobrar mais documentos, como o plano de manejo da área onde houve extração de madeira, além de todas as guias.
- A lei internacional hoje já força isso, mas não está sendo cumprido. Então os mercados internacionais também têm culpa - diz Chris Moye.
O relatório conclui que os governos estaduais e federal precisam "intensificar a fiscalização e implementar reformas sistêmicas nas políticas e procedimentos de emissão de autorizações de extração, rastreabilidade da cadeia de suprimentos e transparência dos dados". Já os governos dos EUA e da Europa precisam aplicar integralmente suas leis.
Procurada a Secretaria estadual de Meio Ambiente do Pará (Semas), respondeu que a Força Estadual de Combate ao Desmatamento apreendeu 12.335,16 metros cúbicos de madeira ilegal e embargou 521.436,04 hectares de áreas por garimpo e desmatamento, entre fevereiro de 2023 e janeiro de 2025.
Sobre as autorizações concedidas, a pasta disse que segue "rigorosamente a legislação vigente" e se baseia em laudos técnicos. Ano passado foi instituída uma comissão para analisar e orientar os processos. Os casos dessa pesquisa serão analisadas e os responsáveis serão punidas se forem "constatadas as irregularidades", concluiu.
Já o Ibama explicou que antecedentes de irregularidades de uma empresa podem ser considerados durante a fiscalização na aplicação de outras medidas, como suspensão de atividades e embargo.
Sítio Santo Antônio
Localizado na cidade de Anapu (PA), o Sítio Santo Antônio conseguiu, em 2021, autorização para explorar 1.042 m³ de madeira, o equivalente a cerca de 197 árvores, em uma área que supera um terço do total da propriedade. Em fevereiro de 2022, documentos indicaram o transporte de 1.039 m³ de madeira, quase o total aprovado, para uma serraria que já foi multada pelo Ibama em outro processo. Mas imagens de satélite indicaram que não houve extração no sítio. O projeto inclusive previa a construção de pátios para armazenamento temporário de toras, o que também não foi identificado no monitoramento aéreo do EIA.
A licença de extração também dizia que o Sítio Santo Antônio possuía um volume de 4.4 m³ de Ipês Amarelos por hectare, volume muito improvável considerando o padrão da floresta amazônica, que costuma ser de 0.2 a 0.5 m3 por hectare. Por isso, há a suspeita de que a informação foi inflada propositalmente, para possibilitar a extração da árvore em outras regiões.
Além disso, o volume transportado é quase o mesmo do volume de madeira que em tese existia na área autorizada para a exploração, outro ponto incomum na extração sustentável. Especialistas consultados pelo EIA explicaram que quando uma árvore é derrubada, é comum se perder de 10 a 20% do volume.
Depois da serraria, a madeira passou por uma exportadora que também já foi multada pelo Ibama e, ao final, foi comprada por empresas dos EUA e de Portugal.
O GLOBO procurou os responsáveis do Sítio Santo Antônio através do e-mail e telefones informados no processo de autorização de extração de madeira, no portal da Secretaria de Meio Ambiente do Pará, mas não houve retorno.
Fazenda Califórnia
Localizada na cidade de Uruará (PA), a Fazenda Califórnia obteve autorização para extrair 1.226,8 m³ de madeira em um período de dois anos, a partir de janeiro de 2024, em uma área de 41,6 hectares, o suficiente para encher 37 contêineres. Apenas um mês depois, em fevereiro de 2024, 1,225.4 m³ de madeira, quase a totalidade autorizada, foram levados a duas serrarias. Mas as imagens aéreas mostraram que não havia qualquer sinal de extração no local.
Assim como no primeiro caso, o volume autorizado e o volume transportado eram quase o mesmo. Nesse caso, a principal árvore era o ipê-roxo, com volume estimado de 27.81m3 na fazenda. E os documentos mostram transporte de 27.80 m3, uma "combinação improvável", segundo o relatório.
De acordo com os documentos, depois de passar pelas serrarias, o ipê roxo foi vendido para duas exportadoras, que já foram multadas pelo Ibama em diferentes processos, e comprado por uma empresa dos EUA.
O GLOBO procurou os responsáveis do Sítio Santo Antônio através do e-mail e telefones informados no processo de autorização de extração de madeira, no portal da Secretaria de Meio Ambiente do Pará, mas não houve retorno.
Apagrifort
Nesse caso, o EIA analisou duas autorizações diferentes, ambas com indícios de ilegalidade. A primeira foi para explorar 24.076 m³ de madeira em uma área de 881 hectares. Mas as imagens de satélite mostravam apenas 14% do local explorado, pouco para explicar os quase 23 mil m3 de madeira declarados e transportados entre julho de 2019 e junho de 2021, segundo o relatório.
Além disso, a Apagrifot foi multada pelo Ibama por desmatamento ilegal, detectado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) dentro da área autorizada logo após o início da operação. Mesmo tendo explorado uma área menor, a Apagrifort não seguiu as regras da extração sustentável e derrubou outras árvores de forma indevida. O embargo do Ibama foi notificado à Secretaria de Meio Ambiente do Pará, mas a autorização não foi suspensa, como deveria ter acontecido, destaca o relatório.
Assim, a operação continuou, e as madeiras foram levadas para sete serrarias, das quais seis já foram multadas pelo Ibama em outros processos. Esse lote foi vendido para dez empresas dos EUA e da Europa. Um desses compradores, do Alabama (EUA), publicou em seu site que contrata "agentes locais ilibados que realizam a devida diligência no país de origem e contratam empresas de verificação terceirizadas para inspecionar nossa cadeia de custódia em cada remessa."
Mesmo depois desse caso, a Apagrifort conseguiu uma nova autorização para extração de madeiras, em 2022. E assim mais 17 mil m³ de madeira foram vendidos para seis serrarias, quatro com histórico de multas no Ibama. O relatório do EIA explica que outra autorização não poderia ter sido concedida devido ao embargo anterior.
Essa madeira chegou a seis empresas europeias. Uma dessas compradoras, da Inglaterra, declara publicamente que possui um "sistema de diligência abrangente e robusto", por meio do qual coleta "informações sobre cada fornecedor e cada remessa realizada, a fim de avaliar o risco da presença de madeira extraída ilegalmente e tomar as medidas mitigadoras apropriadas caso qualquer risco seja identificado".
O GLOBO procurou os responsáveis do Sítio Santo Antônio através do e-mail e telefones informados no processo de autorização de extração de madeira, no portal da Secretaria de Meio Ambiente do Pará, mas não houve retorno.
Fazenda Pinheiro
A Fazenda Pinheiro, de 540 hectares, fica em Itaituba (PA), conhecida como a "cidade pepita" e uma das principais capitais do ouro na Amazônia. A fazenda, que fica em área protegida, mas com permissão de exploração sustentável autorizada, teve autorização para extração de 16.144 m³ de madeira entre novembro de 2021 e novembro de 2023.
Mas, em junho de 2022, o Inpe identificou exploração de garimpo ilegal no local. No entanto, a exploração madeireira continuou, sem impedimentos. O Ibama só embargou a área em agosto de 2024, e anulou o plano de manejo florestal. Os proprietários da fazenda recorreram na justiça.
Antes do embargo, até fevereiro de 2024, foram vendidos 11 mil m³ de Ipê-Roxo para quatro serrarias: três delas já foram multadas pelo Ibama por outras infrações. Depois a madeira foi vendida para cinco exportadoras: quatro com histórico de multas. A madeira, ao final do processo, foi vendida para 15 empresas estrangeiras, de Canadá, Itália, Holanda, França e EUA.
Procurada, a Fazenda Pinheiro respondeu que "a extração de madeira foi realizada conforme o Projeto de Manejo, aprovado nos termos da legislação ambiental vigente". "Não é possível responder sobre eventuais invasões e garimpagem ilegal praticadas por terceiros", concluiu.
https://oglobo.globo.com/brasil/meio-ambiente/noticia/2025/04/03/lavagem-de-madeira-entenda-como-autorizacoes-oficiais-sao-usadas-para-venda-ilegal-de-material-extraido-na-amazonia.ghtml
Relatório do Environmental Investigation Agency (EIA) revelou que 53 mil metros cúbicos do produto foram comercializados após graves evidências de atividade clandestina no Pará
Lucas Altino
03/04/2025
Nos últimos anos, milhares de árvores foram derrubadas em fazendas e sítios do Pará, vendidas a serrarias locais, depois para exportadoras brasileiras, até serem compradas por empresas dos Estados Unidos e da Europa. Esse comércio aconteceu de forma regularizada, com apresentação de documentos oficiais e autorizações das autoridades competentes. No entanto, uma investigação do Environmental Investigation Agency (EIA), grupo internacional que pesquisa crimes ambientais na Amazônia, revelou que 53 mil cúbicos de madeira, o suficiente para encher 1.828 contêineres marítimos, foram vendidos após graves evidências de extração ilegal, entre 2019 e 2024.
O relatório do EIA, publicado nesta quinta-feira, detalha o passo a passo dessa dinâmica e mostrou como madeireiros da Amazônia conseguem burlar as regras usando autorizações oficiais. A entidade cruzou dados públicos, das autorizações de extração de madeira concedidas pelo governo do Pará, com imagens aéreas das florestas onde houve, ou deveria haver, a extração. Assim, foram identificadas quatro áreas com evidências de ilegalidade.
Em dois casos, os pesquisadores descobriram que aconteceu a venda de madeiras registradas como oriundas de sítios onde as imagens aéreas mostram florestas intactas. As suspeitas são de que as madeiras vendidas vieram de outros locais, provavelmente de áreas de preservação onde a extração não é permitida, e a autorização oficial teria sido usada para "lavar" essas madeiras extraídas ilegalmente.
Nos outros dois casos, os sítios autorizados foram realmente desmatados, mas em desrespeito às regras que regulam a extração legal e sustentável. O Ibama chegou a embargar essas operações, por causa de desmatamento ilegal em uma situação e de garimpo ilegal em outra, mas nem assim as autorizações estaduais para extração foram suspensas.
Os casos identificados envolveram, além dos quatro sítios e fazendas, 19 serrarias, 16 exportadores e 30 empresas de EUA e Europa, como destinos finais. Essa rede precisa seguir leis, nacionais e internacionais, para atestar a origem legal das árvores. Mas as regras atuais parecem insuficientes. Das 19 serrarias e 16 exportadoras, 12 e 14, respectivamente, já foram multadas pelo Ibama, em investigações diferentes das analisadas pelo EIA.
A pesquisa denuncia o problema da falta de integração entre Ibama e órgãos estaduais no combate a crimes ambientais e o monitoramento precário sobre as atividades autorizadas, afirma Chris Moye, gerente do programa EIA América Latina e coautor do relatório. Como os documentos de comprovação da origem da árvore são autodeclaratórios, a "lavagem de madeira" se torna mais fácil, diz o especialista.
- O problema é que conseguem driblar o rastreio legal. O guia (que demonstra a origem da madeira) é declaratório, então pode mentir - afirma Moye, que suspeita que os pontos verdadeiros de extração ficam dentro de Terras Indígenas, perto das áreas autorizadas, onde há muita oferta de madeira de boa qualidade. - Se houvesse um aplicativo, com GPS, para identificar o local onde houve a extração, como obrigação para a declaração, seria muito mais difícil driblar isso. Percebemos que esse tipo de ferramenta está sendo discutida para a rede do gado, mas não da madeira. A COP30 pode ser um momento oportuno para esse debate.
Durante a pesquisa, o EIA entrevistou madeireiros e donos de serraria, anonimamente, que confirmaram a existência de uma cultura de corrupção e fraude. Uma das pessoas afirmou que "todo mundo" faria a lavagem das madeiras, e que é fácil usar documentos oficiais para ocultar a verdadeira origem da árvore. Em outros depoimentos, os pesquisadores ouviram sobre a ocorrência de corrupção para aprovação de planos de extração de madeira ou para evitar fiscalização.
Apesar de acreditar que os donos de serrarias e de exportadoras sabem que estão comprando madeira ilegal na maioria desses casos, e de frisar a facilidade que há para descobrir as ilegalidades, Moye explica que esses operadores podem apenas alegar que receberam a correta documentação do madeireiro, e, portanto, não cometeram crime. No Brasil, explica, a lei não obriga o comprador a realizar uma diligência própria para além do recebimento dos documentos com autorizações.
Já na Europa as regras são mais rígidas. A União Europeia, conta Moye, obriga os compradores a cobrar mais documentos, como o plano de manejo da área onde houve extração de madeira, além de todas as guias.
- A lei internacional hoje já força isso, mas não está sendo cumprido. Então os mercados internacionais também têm culpa - diz Chris Moye.
O relatório conclui que os governos estaduais e federal precisam "intensificar a fiscalização e implementar reformas sistêmicas nas políticas e procedimentos de emissão de autorizações de extração, rastreabilidade da cadeia de suprimentos e transparência dos dados". Já os governos dos EUA e da Europa precisam aplicar integralmente suas leis.
Procurada a Secretaria estadual de Meio Ambiente do Pará (Semas), respondeu que a Força Estadual de Combate ao Desmatamento apreendeu 12.335,16 metros cúbicos de madeira ilegal e embargou 521.436,04 hectares de áreas por garimpo e desmatamento, entre fevereiro de 2023 e janeiro de 2025.
Sobre as autorizações concedidas, a pasta disse que segue "rigorosamente a legislação vigente" e se baseia em laudos técnicos. Ano passado foi instituída uma comissão para analisar e orientar os processos. Os casos dessa pesquisa serão analisadas e os responsáveis serão punidas se forem "constatadas as irregularidades", concluiu.
Já o Ibama explicou que antecedentes de irregularidades de uma empresa podem ser considerados durante a fiscalização na aplicação de outras medidas, como suspensão de atividades e embargo.
Sítio Santo Antônio
Localizado na cidade de Anapu (PA), o Sítio Santo Antônio conseguiu, em 2021, autorização para explorar 1.042 m³ de madeira, o equivalente a cerca de 197 árvores, em uma área que supera um terço do total da propriedade. Em fevereiro de 2022, documentos indicaram o transporte de 1.039 m³ de madeira, quase o total aprovado, para uma serraria que já foi multada pelo Ibama em outro processo. Mas imagens de satélite indicaram que não houve extração no sítio. O projeto inclusive previa a construção de pátios para armazenamento temporário de toras, o que também não foi identificado no monitoramento aéreo do EIA.
A licença de extração também dizia que o Sítio Santo Antônio possuía um volume de 4.4 m³ de Ipês Amarelos por hectare, volume muito improvável considerando o padrão da floresta amazônica, que costuma ser de 0.2 a 0.5 m3 por hectare. Por isso, há a suspeita de que a informação foi inflada propositalmente, para possibilitar a extração da árvore em outras regiões.
Além disso, o volume transportado é quase o mesmo do volume de madeira que em tese existia na área autorizada para a exploração, outro ponto incomum na extração sustentável. Especialistas consultados pelo EIA explicaram que quando uma árvore é derrubada, é comum se perder de 10 a 20% do volume.
Depois da serraria, a madeira passou por uma exportadora que também já foi multada pelo Ibama e, ao final, foi comprada por empresas dos EUA e de Portugal.
O GLOBO procurou os responsáveis do Sítio Santo Antônio através do e-mail e telefones informados no processo de autorização de extração de madeira, no portal da Secretaria de Meio Ambiente do Pará, mas não houve retorno.
Fazenda Califórnia
Localizada na cidade de Uruará (PA), a Fazenda Califórnia obteve autorização para extrair 1.226,8 m³ de madeira em um período de dois anos, a partir de janeiro de 2024, em uma área de 41,6 hectares, o suficiente para encher 37 contêineres. Apenas um mês depois, em fevereiro de 2024, 1,225.4 m³ de madeira, quase a totalidade autorizada, foram levados a duas serrarias. Mas as imagens aéreas mostraram que não havia qualquer sinal de extração no local.
Assim como no primeiro caso, o volume autorizado e o volume transportado eram quase o mesmo. Nesse caso, a principal árvore era o ipê-roxo, com volume estimado de 27.81m3 na fazenda. E os documentos mostram transporte de 27.80 m3, uma "combinação improvável", segundo o relatório.
De acordo com os documentos, depois de passar pelas serrarias, o ipê roxo foi vendido para duas exportadoras, que já foram multadas pelo Ibama em diferentes processos, e comprado por uma empresa dos EUA.
O GLOBO procurou os responsáveis do Sítio Santo Antônio através do e-mail e telefones informados no processo de autorização de extração de madeira, no portal da Secretaria de Meio Ambiente do Pará, mas não houve retorno.
Apagrifort
Nesse caso, o EIA analisou duas autorizações diferentes, ambas com indícios de ilegalidade. A primeira foi para explorar 24.076 m³ de madeira em uma área de 881 hectares. Mas as imagens de satélite mostravam apenas 14% do local explorado, pouco para explicar os quase 23 mil m3 de madeira declarados e transportados entre julho de 2019 e junho de 2021, segundo o relatório.
Além disso, a Apagrifot foi multada pelo Ibama por desmatamento ilegal, detectado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) dentro da área autorizada logo após o início da operação. Mesmo tendo explorado uma área menor, a Apagrifort não seguiu as regras da extração sustentável e derrubou outras árvores de forma indevida. O embargo do Ibama foi notificado à Secretaria de Meio Ambiente do Pará, mas a autorização não foi suspensa, como deveria ter acontecido, destaca o relatório.
Assim, a operação continuou, e as madeiras foram levadas para sete serrarias, das quais seis já foram multadas pelo Ibama em outros processos. Esse lote foi vendido para dez empresas dos EUA e da Europa. Um desses compradores, do Alabama (EUA), publicou em seu site que contrata "agentes locais ilibados que realizam a devida diligência no país de origem e contratam empresas de verificação terceirizadas para inspecionar nossa cadeia de custódia em cada remessa."
Mesmo depois desse caso, a Apagrifort conseguiu uma nova autorização para extração de madeiras, em 2022. E assim mais 17 mil m³ de madeira foram vendidos para seis serrarias, quatro com histórico de multas no Ibama. O relatório do EIA explica que outra autorização não poderia ter sido concedida devido ao embargo anterior.
Essa madeira chegou a seis empresas europeias. Uma dessas compradoras, da Inglaterra, declara publicamente que possui um "sistema de diligência abrangente e robusto", por meio do qual coleta "informações sobre cada fornecedor e cada remessa realizada, a fim de avaliar o risco da presença de madeira extraída ilegalmente e tomar as medidas mitigadoras apropriadas caso qualquer risco seja identificado".
O GLOBO procurou os responsáveis do Sítio Santo Antônio através do e-mail e telefones informados no processo de autorização de extração de madeira, no portal da Secretaria de Meio Ambiente do Pará, mas não houve retorno.
Fazenda Pinheiro
A Fazenda Pinheiro, de 540 hectares, fica em Itaituba (PA), conhecida como a "cidade pepita" e uma das principais capitais do ouro na Amazônia. A fazenda, que fica em área protegida, mas com permissão de exploração sustentável autorizada, teve autorização para extração de 16.144 m³ de madeira entre novembro de 2021 e novembro de 2023.
Mas, em junho de 2022, o Inpe identificou exploração de garimpo ilegal no local. No entanto, a exploração madeireira continuou, sem impedimentos. O Ibama só embargou a área em agosto de 2024, e anulou o plano de manejo florestal. Os proprietários da fazenda recorreram na justiça.
Antes do embargo, até fevereiro de 2024, foram vendidos 11 mil m³ de Ipê-Roxo para quatro serrarias: três delas já foram multadas pelo Ibama por outras infrações. Depois a madeira foi vendida para cinco exportadoras: quatro com histórico de multas. A madeira, ao final do processo, foi vendida para 15 empresas estrangeiras, de Canadá, Itália, Holanda, França e EUA.
Procurada, a Fazenda Pinheiro respondeu que "a extração de madeira foi realizada conforme o Projeto de Manejo, aprovado nos termos da legislação ambiental vigente". "Não é possível responder sobre eventuais invasões e garimpagem ilegal praticadas por terceiros", concluiu.
https://oglobo.globo.com/brasil/meio-ambiente/noticia/2025/04/03/lavagem-de-madeira-entenda-como-autorizacoes-oficiais-sao-usadas-para-venda-ilegal-de-material-extraido-na-amazonia.ghtml
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