De Pueblos Indígenas en Brasil
The printable version is no longer supported and may have rendering errors. Please update your browser bookmarks and please use the default browser print function instead.

Noticias

Como o governo do Pará lida com os povos indígenas

21/01/2025

Autor: Mariana Vick

Fonte: Nexo - https://www.nexojornal.com.br



Manifestantes ocupam sede da Secretaria da Educação contra lei que pode afetar educação de povos tradicionais. Lideranças criticam discurso e prática contraditórios da gestão de Helder Barbalho (MDB)

Manifestantes indígenas ocupam desde o dia 14 de janeiro a sede da Secretaria Estadual de Educação do Pará contra uma lei aprovada em 2024 que pode afetar a educação de povos originários. Lideranças também fazem protestos em diversas cidades paraenses. O Sindicato dos Trabalhadores de Educação Pública do estado decidiu entrar em greve a partir de quinta-feira (23) em apoio ao grupo.

A ocupação foi marcada por repressão policial nos seus primeiros dias e pela ausência de acordo com representantes do governo do Pará. Os manifestantes pedem ao governador Helder Barbalho (MDB) que revogue a lei aprovada no fim de dezembro. Para eles, o episódio faz parte de um contexto amplo de esvaziamento de territórios indígenas no estado - que, às vésperas da COP30, em Belém, registra altos índices de desmatamento e avanço de mineradoras e do agronegócio.

Neste texto, o Nexo explica o que motivou a ocupação na Secretaria Estadual de Educação, em que contexto o episódio se insere e como o governo do Pará tem lidado com a política ambiental e indigenista nos últimos anos. Mostra também o que diz o governo sobre as críticas que tem recebido.

O que motivou a ocupação

Os manifestantes que ocupam a Secretaria Estadual de Educação do Pará pedem a revogação da Lei no 10.820/2024, aprovada em dezembro de 2024. O texto faz alterações no chamado Sistema de Organização Modular de Ensino - também conhecido pela sigla Some -, que inclui a educação indígena. O sistema busca garantir o acesso ao ensino básico em áreas remotas do estado.

A lei aprovada altera o plano de gratificações para professores no sistema, reduzindo valores fixos de R$ 7.000 para números que variam de R$ 1.000 a R$ 7.000. A mudança, na prática, pode inviabilizar a educação em locais mais remotos, segundo indígenas. Hoje, as gratificações servem para que os docentes paguem deslocamento, hospedagem e alimentação nas aldeias.

As lideranças também criticam a implementação na rede de ensino do chamado Centro de Mídias da Educação Paraense. A modalidade de ensino à distância substitui professores presenciais por aulas gravadas e transmitidas em TVs. Para os indígenas, o modelo não leva em conta sua diversidade cultural, além de ignorar as dificuldades de acesso à tecnologia e à internet em áreas remotas.

77,6%

dos domicílios do Pará têm acesso à internet; índice é o terceiro menor do Brasil, superando apenas Maranhão (77%) e Acre (74,8%), segundo dados do Censo de 2022 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)

Além da revogação da lei no 10.820/2024, os manifestantes pedem melhorias na educação indígena - eles falam que há escolas sem estrutura adequada - e a saída do secretário de Educação do Pará, Rossieli Soares da Silva. O grupo relata que, desde a ocupação da sede do órgão, foi alvo de repressão policial, intimidações e restrição a comida, água e acesso a banheiros do prédio.

Em qual contexto o episódio ocorre

Lideranças indígenas afirmam que as mudanças que podem atingir o Sistema de Organização Modular de Ensino fazem parte de uma estratégia política de esvaziamento dos territórios do Pará, segundo reportagem do site Amazônia Real. A medida condiz com outras ações que têm tornado esses espaços mais vulneráveis. Estão entre elas o avanço da agropecuária e de mineradoras sobre florestas nativas e a poluição de rios com mercúrio.

"Essa lei tem um pouco desse contexto, porque se não há instrução num local, o que se vai buscar é um novo espaço onde se encontre essa instrução. Na prática o que vai ocorrer é que muitos dos jovens indígenas saiam de sua comunidade e busquem as cidades. Isso vai enfraquecendo o território. Já tiraram as terras, a mata, os rios estão contaminados. A educação entra neste mesmo contexto"

Kauacy Wajãpi

conselheira de Cultura Indígena do Estado do Pará, em entrevista ao site Amazônia Real

O Pará tem uma das maiores diversidades étnicas do Brasil. Dados do Censo Demográfico de 2022 mostram que há 80.974 indígenas no estado - o que corresponde a 1% da população local, de 8,1 milhões de habitantes. Metade deles (51,64%) vivia em alguma das 49 terras indígenas do território paraense em 2022.



é a posição do Pará entre os estados com mais indígenas do Brasil, atrás de Amazonas, Bahia, Mato Grosso do Sul, Pernambuco e Roraima

39.081

no Pará se autodeclaravam indígenas em 2010; número mais que dobrou do Censo de então para o de 2022

16.955

indígenas viviam em 2022 em Santarém (PA), cidade paraense com maior número absoluto de indígenas

Essas populações convivem com uma série de problemas ambientais. O Pará foi o estado com a maior taxa de desmatamento na Amazônia em 2024 - apesar de o número ter caído em relação ao ano anterior -, segundo dados do sistema Prodes, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Também foi o estado com o maior número de queimadas no Brasil no segundo semestre, considerando os meses de julho a dezembro.

QUEIMADAS

Junto com esses desafios, há problemas sociais que atingem especificamente os indígenas. A terra indígena Munduruku, por exemplo, é a segunda maior área de garimpo ilegal em terra indígena no Brasil - o governo federal iniciou em 2024 uma operação de desintrusão de garimpeiros na região. Estudos mostram que, por conta da atividade, a população que vive no entorno do rio Tapajós está exposta à contaminação por metilmercúrio, metal não radioativo mais tóxico para o ser humano.

4 indígenas foram assassinados no Pará em 2023, segundo relatório mais recente do Cimi (Conselho Indigenista Missionário); em todo o Brasil, foram 208, com os maiores números em Roraima, Mato Grosso do Sul e Amazonas

Qual a posição do governo do estado

A gestão de Helder Barbalho (MDB) apresenta um comportamento contraditório em relação aos problemas socioambientais do estado. Herdeiro da família Barbalho - que inclui o senador e ex-governador Jader Barbalho (MDB-PA), seu pai -, o governador, por um lado, é dono de milhares de cabeças de gado e apoia atividades como a agropecuária e a mineração. As ações do governo desde seu primeiro mandato, em 2019, incluem:


o apoio à Ferrogrão, ferrovia que pretende ligar Sinop (MT) a Itaituba (PA), criticada por ambientalistas

o apoio à extensão da Ferrovia Norte-Sul, para ligar a Estrada de Ferro Carajás, em Marabá (PA), a Barcarena (PA), num projeto também criticado

o apoio à criação de uma termelétrica também em Barcarena

o apoio a projetos de grandes mineradoras para extração de metais como ouro

a criação do Dia do Garimpeiro no estado

a sanção da Lei de Terras do Pará, que ambientalistas acusam de poder favorecer a grilagem

a formalização de acordos para venda de créditos de carbono sem consulta a comunidades indígenas


Ao mesmo tempo, o governo do estado tem adotado um discurso cada vez mais pró-meio ambiente. Helder foi um dos políticos que trabalharam para que Belém fosse eleita a sede da COP30 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas) em 2025. Também busca associar sua imagem à defesa da "sustentabilidade", da "bioeconomia" e da "floresta em pé" - vista por ele como um "ativo econômico" do estado, como descreve uma reportagem do site Sumaúma.

"A COP é a oportunidade de ter a floresta no centro das discussões e de que o Brasil garanta que povos tradicionais participem, com a sociedade brasileira e global, [do debate] da justiça social e climática"

Helder Barbalho

governador do Pará, em evento do jornal Folha de S.Paulo em 2024

Esse discurso ganhou força no governo paraense ainda quando Jair Bolsonaro estava na Presidência da República - na época, por causa dos altos índices de desmatamento na Amazônia, o Pará correu risco de ser alvo de um embargo europeu na importação de carne e commodities agrícolas, segundo reportagem do site Repórter Brasil.

Com a posse de Luiz Inácio Lula da Silva, de quem Barbalho é aliado, a "guinada verde" se aprofundou. Seguindo o governo federal, que em 2023 criou o Ministério dos Povos Indígenas, o estado criou uma secretaria sobre o tema.

A iniciativa é vista com ceticismo por lideranças indígenas paraenses. Para elas, a secretaria não tem autonomia suficiente para lidar com suas demandas. As populações afirmam que o governo usa os povos indígenas e o discurso pró-meio ambiente para chamar atenção internacional e maquiar os problemas socioambientais do estado.

"Como o governador tem coragem de chegar em eventos internacionais e falar que o estado do Pará é exemplo de políticas ambientais, se o Pará continua sendo o campeão de desmatamento e queimadas florestais? Esse Pará que o Helder descreve para o mundo não existe"

Auricélia Arapium
liderança do povo Arapium e coordenadora do Conselho Indígena Tapajós e Arapiuns, em declaração na COP28, em Dubai, em 2023

"A secretaria dos povos indígenas [do Pará] foi criada só para ser usada nos discursos, porque o governador não senta conosco, serve só para pegar a liderança lá do território para chegar em Belém para tirar foto e usar a nossa imagem para benefício do estado, para nós não serve"

Alessandra Korap Munduruku
liderança do Médio Tapajós, em entrevista ao site Amazônia Real

O que diz o governo sobre a acusações

A Secretaria Estadual de Educação do Pará afirmou que as áreas que contam com o Sistema de Organização Modular de Ensino "continuarão a ser atendidas por ele, no mesmo formato", segundo reportagem da Agência Pública. Também disse que "não é verdade que o ensino médio presencial será substituído por educação à distância". O órgão diz estar em negociação com os indígenas.

O secretário de Educação, Rossieli Soares, disse em entrevista ao programa JL2, da Rede Liberal (filiada da TV Globo no Pará), que não há possibilidade de revogação da lei no 10.820/2024. "Não existe revogação; seria alteração de legislação. Mas nós estamos, sim, abertos a sentar [com os indígenas]." Também afirmou que a regulamentação da legislação está sendo construída com a participação indígena.


O Nexo entrou em contato por email com a assessoria de imprensa do governo do Pará para fazer perguntas sobre as críticas que lideranças indígenas fazem às políticas ambientais e indigenistas estaduais. O governo não havia respondido às questões até a publicação deste texto.

Em respostas escritas a uma reportagem do site Sumaúma de 2023, Helder Barbalho afirmou que a economia do Pará "está baseada em dois pilares: mineração e agro", mas disse que é preciso ter alternativas econômicas "sustentáveis". Quanto ao desmatamento, o governador afirmou que "setenta por cento das áreas do estado são de responsabilidade da União, e sem uma cooperação forte não conseguiremos atingir esse objetivo [de zerar o desmatamento]".

https://www.nexojornal.com.br/expresso/2025/01/21/ocupacao-indigena-secretaria-educacao-governo-para
 

Las noticias publicadas en el sitio Povos Indígenas do Brasil (Pueblos Indígenas del Brasil) son investigadas en forma diaria a partir de fuentes diferentes y transcriptas tal cual se presentan en su canal de origen. El Instituto Socioambiental no se responsabiliza por las opiniones o errores publicados en esos textos. En el caso en el que Usted encuentre alguna inconsistencia en las noticias, por favor, póngase en contacto en forma directa con la fuente mencionada.