De Pueblos Indígenas en Brasil

Noticias

Povos continuam invisibilizados

25/07/2025

Fonte: Tyrannus Melancholicus - https://www.tyrannusmelancholicus.com.br/outras-palavras/povos-continuam-in



"Povos continuam invisibilizados"

25/07/2025
Redação*

Povo Tapayuna acompanhou a audiência temática realizada virtualmente

Envenenamentos em massa, deslocamentos forçados, atividades culturais apagadas, estupros de mulheres, assassinatos e torturas foram algumas das violências enfrentadas pelos povos indígenas durante a Ditadura Militar (1964-1985) no Brasil e relatadas por lideranças durante a audiência temática na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), na segunda-feira (21). Confira a audiência na íntegra em link ao final da matéria.

A advogada Maíra Pankaraku, representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) na audiência, afirmou que a "ditadura não acabou para os povos indígenas", pois os crimes do passado continuam vivos, uma vez que não há justiça, memória, reparação ou garantia de que os horrores vivenciados naquele período não vão se repetir.

"Nossos anciões guardam essas memórias vivas. Falar do passado é falar do presente e do futuro, por isso estamos aqui hoje, porque sabemos que não há democracia verdadeira onde a impunidade reina, onde os povos continuam invisibilizados, onde a terra, a vida e a espiritualidade são tratados como obstáculos ao progresso. Onde está o Estado que dizia nos proteger? Onde está hoje o Estado que deve reparar?", questionou Maíra, ao cobrar a criação da Comissão Nacional Indígena da Verdade.

A representante da APIB ressaltou que comissões como a da Anistia e a de Mortos e Desaparecidos Políticos não reconheciam os povos indígenas como vítimas da ditadura, o que inviabilizou as políticas de memória e reparação. Contudo, essa exclusão começou a ser enfrentada com a divulgação do Relatório Figueiredo. Produzido pelo procurador Jader de Figueiredo Correia entre 1967 e 1968, o documento de mais de 7 mil páginas detalha as crueldades cometidas contra indígenas em todo o Brasil.

O relatório, dado como perdido por mais de 40 anos - acreditava-se que havia sido destruído em um incêndio no Ministério da Agricultura -, foi encontrado pelo pesquisador Marcelo Zelic em abril de 2013, no Museu do Índio, no Rio de Janeiro.

"A Comissão Nacional da Verdade analisou apenas 10 povos e estimou 8.350 indígenas mortos no período. O próprio relatório afirma que esse número deve ser muito maior, considerando os mais de 300 povos existentes no país. A Comissão Nacional da Verdade deixou 13 recomendações ao Estado brasileiro voltadas aos povos indígenas, entre elas: a reparação territorial e a criação da Comissão Nacional Indígena da Verdade, e esse é o nosso pedido hoje", afirmou Maíra à Comissão.

O advogado Dinamam Tuxá, também presente na audiência, lembrou que entre os crimes da ditadura também esteve a chamada "assimilação", imposta aos povos indígenas com um 'gesto' de inclusão.

"Foi uma estratégia de destruição e extermínio, uma política de morte. Não estamos falando de séculos atrás, mas de uma ditadura ocorrida há 40 anos. Estamos falando de um Estado que envenenou rios, espalhou sarampo e varíola em comunidades inteiras. E até hoje não houve reparação alguma", denunciou a liderança.

A advogada Bruna Medeiros Bolzani, da Operação Amazônia Nativa (OPAN), que representou a sociedade civil na audiência, solicitou que a CIDH emita recomendações em relação à falta de políticas de memória, verdade e justiça para os povos indígenas do Brasil. Além disso, que o órgão provoque o Estado brasileiro a reconhecer publicamente as graves violações infligidas, a investigar e responsabilizar os autores dessas violações, conceder reparações integrais, garantir a demarcação de terras, combater o racismo estrutural, e instalar a Comissão Nacional Indígena da Verdade com a participação efetiva das comunidades afetadas.

"O Estado brasileiro criou a Comissão Nacional da Verdade para investigar e esclarecer graves violações de direitos humanos ocorridas na Ditadura Militar. Em relatório produzido por essa Comissão, consta a recomendação de uma Comissão Nacional Indígena da Verdade para estudo e aprofundamento das graves violações de direitos humanos dos povos indígenas. No entanto, o Estado brasileiro se omitiu acerca da criação da Comissão Nacional Indígena da Verdade impedindo a criação de políticas públicas de memória, verdade e justiça", ressaltou.

A advogada também lembrou que, em Mato Grosso, a Assembleia Legislativa (AL-MT) aprovou a criação de uma Comissão da Verdade para investigar violações de direitos humanos no estado, mas ela nunca foi implementada. "É muito importante a criação da Comissão Indígena da Verdade em Mato Grosso para fins de consecução da memória, verdade e justiça em razão das graves violações de direitos humanos ocorridas no estado contra os povos", enfatizou.

Casos em Mato Grosso e a urgência da responsabilização

Bolzani destacou casos emblemáticos que exigem responsabilização, reparação e garantia de não repetição, como os dos povos Kajkwakhratxi-Tapayuna, Kayabi, Manoki e Myky. Eles sofreram remoções forçadas, perda de territórios e impactos de obras de infraestrutura durante a Ditadura Militar.

Os Kajkwakhratxi-Tapayuna, por exemplo, perderam quase toda sua população devido a envenenamento em massa e disseminação de doenças. Na década de 1970, foram transferidos compulsoriamente para o Parque Indígena do Xingu, e sua reserva foi extinta pelo Estado em 1976. Quase 95% do povo desapareceu, e até hoje suas terras não foram demarcadas pelo Estado brasileiro. A mesma situação de violações e falta de reparação ocorre com os povos Manoki e Myky, que lutam pela garantia de suas terras.

Ela também ressaltou que as violências sexuais contra mulheres indígenas eram frequentemente acompanhadas de outras formas de violência. O Relatório Figueiredo revela que o Estado adotou uma "lógica de guerra" contra os povos indígenas, utilizando estupros como mecanismos de dominação racial e colonial durante a Ditadura Militar.

kátkrytxi tapayuna
opan 2.jpg
Kajkwakhratxi-Tapayuna acompanharam audiência pública
Posicionamento de membros da CIDH

A primeira vice-presidente da CIDH, Andrea Pochak, relatora de memória e justiça, destacou a importância da proposta de uma Comissão Nacional Indígena da Verdade. Segundo Pochak, a nova comissão complementaria o trabalho da Comissão Nacional da Verdade já existente, que, apesar de incluir um capítulo sobre violações contra povos indígenas em um anexo, precisa de mais aprofundamento. Para ela, o silenciamento e a ocultação das violações específicas sofridas pelos indígenas são problemas centrais que explicam a continuidade dessas violações até hoje.

"As violações, obviamente, não começaram durante a ditadura, mas sem dúvida exacerbaram-se no período contra os povos indígenas, com a invisibilização da verdade e a impunidade dos crimes cometidos. Essa falta de reparação dos crimes é o que explica que essas violações contra os povos indígenas continuem até o presente. Portanto, é muito importante que o Estado fortaleça seu compromisso para visibilizar os fatos ocorridos durante a ditadura com relação aos povos indígenas".

A CIDH, por meio de sua relatoria de memória, verdade e justiça, ofereceu cooperação e assistência técnica ao Estado brasileiro para avançar nessa proposta. Essa iniciativa visa não apenas fortalecer a verdade e a memória, mas também garantir reparações e a não repetição das violações contra os povos indígenas.

Andrea Pochak ainda questionou se houve sanções penais por crimes cometidos contra os povos indígenas durante a ditadura, reforçando que, passados mais de 60 anos do golpe, é fundamental que essas questões sejam abordadas.

Faltam ações do Estado
Deborah Duprat, Subprocuradora-Geral da República aposentada e representante do Fórum Memória, Verdade e Reparação Integral, Não Repetição e Justiça para os Povos Indígenas (criado em setembro de 2024), enfatizou a urgência de criar a Comissão Nacional Indígena da Verdade. O principal motivo, segundo ela, é a completa ausência de um espaço institucional no Estado brasileiro dedicado à memória, verdade e reparação dos povos indígenas.

Ela destacou que, embora esses povos enfrentam uma violência histórica que remonta à colonização, ela foi intensificada drasticamente a partir de 1964, durante o período da Ditadura Militar, que coincidiu com a fase de "desenvolvimento" do país, caracterizada por intensa desterritorialização, deslocamentos forçados e perda de direitos culturais.

Duprat apontou que os espaços de memória e verdade existentes no Brasil nunca incluíram a perspectiva indígena, falhando em considerar a memória e a verdade construídas territorialmente e a partir de cosmovisões distintas.

Além disso, esses espaços não priorizaram a oralidade, que é a principal forma pela qual os povos indígenas vêm construindo e protegendo suas histórias e verdades. Ressaltando Duprat, há necessidade de uma metodologia própria para recuperar essas narrativas. Ela também argumentou sobre a importância das comissões focarem em documentos específicos, como o Relatório Figueiredo, que revelou como certos episódios da ditadura foram intencionalmente ocultados pelos próprios agentes do Estado.

Por fim, a jurista enfatizou que, mesmo com a Comissão Nacional da Verdade reconhecendo a necessidade de um espaço específico para a memória e verdade indígena, não há atualmente iniciativas concretas em nenhum dos poderes. "Não existem projetos de lei no Legislativo, espaços institucionais no Executivo, nem mesmo uma única ação judicial no Judiciário voltada à responsabilização dos agentes da ditadura por violações de direitos indígenas ou ações de reparação com foco em memória e verdade. Essa lacuna institucional reforça a necessidade premente de uma Comissão Nacional Indígena da Verdade para garantir que a justiça seja feita", disse Duprat.

Representando o Estado brasileiro, Pedro Montenegro, diretor substituto do Departamento de Direitos Humanos e Temas Sociais do Ministério das Relações Exteriores, afirmou que o governo recebe as sugestões e recomendações com abertura para o diálogo. Montenegro reconheceu que algumas questões, como a criação da Comissão Nacional Indígena da Verdade, ainda estão em debate e não estão "maduras" para o Estado, mas reiterou a disposição para o diálogo sobre esses pontos.

A audiência temática na CIDH é fruto da unificação de diversos pedidos apresentados por diferentes organizações: OPAN, Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul (DPE-RS), a Associação das Defensoras e Defensores pela Democracia, Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH-RS), Serviço de Assistência Jurídica Universitária (SAJU) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Fórum Justiça, Justiça Global, Conselho Nacional de Ouvidorias de Defensorias Públicas do Brasil (CNODP), Centro de Trabalho Indigenista (CTI), Associação de Estudos e Projetos com Povos Indígenas e Minoritários (AEPIM), Fundação Luterana de Diaconia (FLD), Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (ArpinSul), Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap), Defensoria Pública da União (DPU), Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Conselho Indigenista Missionário (CIMI-SUL), Instituto Socioambiental (ISA), Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), e de parlamentares como Célia Xakriabá (PSOL/MG), Matheus Gomes (PSOL/RS), Daiana Santos (PCdoB/RS), Renato Roseno (PSOL/CE) e Sofia Cavedon (PT/RS).

CONFIRA A AUDIÊNCIA NA ÍNTEGRA EM...
https://www.youtube.com/watch?v=kehFauVoZq0&ab_channel=Comisi%C3%B3nInteramericanadeDerechosHumanos

*texto enviado pela Opan - Operação Amazônia Nativa

https://www.tyrannusmelancholicus.com.br/outras-palavras/povos-continuam-invisibilizados/16221
 

Las noticias publicadas en el sitio Povos Indígenas do Brasil (Pueblos Indígenas del Brasil) son investigadas en forma diaria a partir de fuentes diferentes y transcriptas tal cual se presentan en su canal de origen. El Instituto Socioambiental no se responsabiliza por las opiniones o errores publicados en esos textos. En el caso en el que Usted encuentre alguna inconsistencia en las noticias, por favor, póngase en contacto en forma directa con la fuente mencionada.