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Acordo é "desculpa" para Ibama aprovar a reconstrução da BR-319, diz cientista

25/07/2025

Autor: Nicoly Ambrosio

Fonte: Amazonia Real - https://amazoniareal.com.br



Manaus (AM) - Um acordo para pavimentar a BR-319, que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO), realizado este mês entre o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e o Ministério dos Transportes, foi recebido com críticas e preocupação por especialistas que monitoram as ameaças à floresta amazônica e o aumento do desmatamento em territórios mais vulneráveis, com a presença de povos indígenas isolados, localizadas no entorno da rodovia federal. Já parlamentares amazonenses, que aprovaram o "PL da Devastação", comemoram o acordo.

No dia 15 de julho, como publicou o jornal Folha de S. Paulo, os titulares dos dois ministérios - Marina Silva e Renan Filho - firmaram um acordo com ações de governança, incluindo medidas de proteção ambiental, intitulado Plano BR-319.

O cientista Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e ganhador do Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), alerta para os inúmeros riscos da reconstrução da BR-319. Em entrevista à reportagem da Amazônia Real, o cientista observa que o acordo oferece uma "desculpa" para o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) aprovar a reconstrução da BR-319, apesar das enormes consequências desta obra, que vão muito além dos 50 km em cada lado da estrada, de acordo com o limite de atuação do novo plano.

"Mesmo se o controle ambiental previsto for 100% bem sucedido, o resultado total do acordo será fortemente negativo", afirma Fearnside.

Em coletiva de imprensa realizada em Manaus, na noite da última segunda-feira (21), durante o Congresso Internacional de Educação Ambiental dos Países e Comunidades de Língua Portuguesa, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva negou que se trate de um acordo político para viabilizar a obra.

"No caso da BR-319 não é um acordo, é um procedimento. Esses procedimentos existem no mundo todo. Todos os grandes empreendimentos no mundo todo fazem Avaliação Ambiental Estratégica (AAE). (...) Os estudos irão ser feitos e, obviamente, os estudos não são a licença, mas é o que já dizíamos há quase 20 anos que precisavam ser feitos", disse Marina Silva.

O plano prevê a contratação de uma empresa especializada para conduzir, ao longo de oito meses, a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) da obra. Ainda não se sabe como será feita essa contratação e o investimento, mas a consultoria ficará sob responsabilidade da Infra S.A., uma empresa pública de direito privado ligada ao Ministério dos Transportes. A implementação do plano será conduzida pela Casa Civil da Presidência da República.

O Observatório BR-319, uma rede comprometida com o desenvolvimento sustentável da região do interflúvio Purus-Madeira e, consequentemente, dos estados do Amazonas e de Rondônia, critica a ausência de participação dos povos indígenas e populações ribeirinhas nas decisões que envolvem a rodovia. Marcelo da Silveira Rodrigues, sociólogo e secretário executivo do Observatório BR-319, afirmou à Amazônia Real que o anúncio do Plano BR-319 pode até parecer positivo à primeira vista, mas ainda é apenas um conjunto de intenções sem prazos, metas, orçamento ou garantias reais de execução.

"Vemos que [o plano] encara a questão da BR-319 de forma ampla e respeitando sua complexidade, sem resumir seu foco às obras de engenharia em si. Porém, nos mantemos céticos quanto à efetividade destas propostas enquanto houver no território demandas tão básicas quanto a falta de profissionais nos órgãos estatais responsáveis pela governança do território. Por essa razão, acompanhamos o anúncio do Plano com preocupação, já que ele foi feito sem ações imediatas no território, pois sabemos que todo e qualquer anúncio feito sobre a estrada gera consequências sociais, ambientais e econômicas", disse Marcelo da Silveira Rodrigues.

Na coletiva, a ministra também defendeu o uso da Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) como metodologia adequada para o caso da rodovia e comemorou o acordo com Renan Filho, ex-senador pelo MDB de Alagoas. "Eu tenho a alegria de dizer que, nessa gestão, no terceiro mandato do presidente Lula, o ministro Renan Filho concordou em fazer esses estudos para [a BR]-319. Além disso, fazendo o processo de gestão de território, com a destinação correta das áreas que não foram destinadas para unidades de conservação, terras indígenas, florestas nacionais, assentamentos extrativistas. E nunca para corte raso, porque se trata de uma região do coração da Amazônia e que, se for desmatada, complicará significativamente o período de chuva da nossa região, do Sudeste e do Centro-Oeste. Portanto, os estudos deverão ser feitos. Obviamente não serão alicerces [para a obra], mas têm necessidade de ser feitos", explicou Marina Silva.

A Avaliação Ambiental Estratégica (AEE) é um documento que deverá recomendar políticas públicas de implementação de monitoramento, controle do desmatamento e fortalecimento de comunidades locais em um raio de 50 quilômetros de cada lado da estrada. Segundo o governo federal, o plano também promete regularização fundiária, proteção a terras indígenas, unidades de conservação, destinação e ocupação de glebas públicas e o fomento a atividades produtivas sustentáveis nesses locais. Além disso, o acordo propõe estudar um modelo de "gestão territorial compartilhada" entre setor público e privado. Não foi divulgado como será feito esse plano e quais são os órgãos federais que poderão participar.

Até o momento, não foi mencionado se a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) vai participar dos debates, já que a rodovia impacta diretamente seis terras indígenas: TI Apurinã do Igarapé São João e Apurinã do Igarapé Tauamirim, do povo Apurinã; TI Lago Capanã e TI Ariramba, do povo Mura; e TI Nove de Janeiro, do povo Parintintin.

O Plano BR-319 surgiu a partir de um grupo de trabalho criado em 2023 e composto pelos ministérios dos Transportes e MMA, Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e da Infra S.A. O objetivo foi estudar a viabilidade da rodovia e propor uma solução para sua pavimentação. No entanto, este plano foi duramente criticado por especialistas e por lideranças indígenas, que contestaram as soluções apresentadas pelo relatório.

Algozes festejam

O acordo dos ministérios do Meio Ambiente e dos Transportes para o Plano BR-319 veio no rastro de uma série de ataques que a ministra Marina Silva vem sofrendo em instâncias legislativas, como na audiência onde ela foi agredida verbalmente pelo senador do Amazonas Plínio Valério (PSDB). Ela também foi hostilizada pelo também senador do Amazonas, Omar Aziz (PSD), outro crítico ferrenho de Marina. Aziz acusa a ministra de atrasar a liberação do licenciamento da BR-319. Os dois são notórios defensores do enfraquecimento da legislação ambiental do país. Eles votaram a favor do PL 2.159/2021, conhecido como "PL da Devastação", no último dia 17.

As emendas inseridas no "PL da Devastação" pelo Senado tornaram-se importantes pontos de defesa para políticos alinhados à bancada anti ambientalista, tanto na Câmara quanto no Senado. O projeto de lei, por exemplo, elimina a exigência de licenciamento ambiental para estradas que já foram pavimentadas no passado, como é o caso da BR-319. Essa emenda foi proposta pelo senador Eduardo Braga (MDB), com apoio dos senadores Omar Aziz e Plínio Valério, além de deputados da bancada amazonense.

Além disso, o texto do projeto de lei institui uma "Licença Ambiental Especial" que obriga a aprovação de projetos considerados "estratégicos" pelo governo em até um ano, independentemente da gravidade dos seus impactos ambientais.

Nas redes sociais, Eduardo Braga afirmou que a aprovação da emenda é um "passo concreto" para asfaltar a BR-319. "Há anos, o asfaltamento da BR-319 é um sonho para o povo do Amazonas. E agora demos um passo concreto pra transformar esse sonho em realidade. Minha emenda foi aprovada na Câmara dentro do novo Marco do Licenciamento Ambiental. Com isso, vamos destravar de vez as obras dessa estrada tão importante", publicou.

A pavimentação da BR-319 também foi citada como principal justificativa por seis dos oito parlamentares do Amazonas que votaram a favor do "PL da Devastação", aprovado na Câmara dos Deputados no último dia 17 de julho. São eles: Átila Lins (PSD), Fausto Jr. (União), Adail Filho (Republicanos), Sidney Leite (PSD), Alberto Neto (PL) e Silas Câmara (Republicanos).

Em post nas redes sociais, o deputado Fausto Jr. comemorou a aprovação da proposta e defendeu que o país precisa de "mais segurança jurídica, prazos definidos e racionalidade para destravar obras estruturantes como a BR-319", segundo ele, paralisada há décadas por "entraves técnicos e ideológicos".

Mesmo ausente na votação, o deputado Pauderney Avelino (União) também defendeu o projeto de lei sob a alegação de que a BR-319 é um exemplo de como o licenciamento ambiental representa um entrave burocrático. "Por anos a fio está se buscando uma solução e não se consegue uma liberação ambiental para asfaltar e recapear essa rodovia, que é a única ligação que tem do Amazonas para o restante do país", declarou.

O governador do Amazonas, Wilson Lima (União), celebrou o anúncio do plano do Governo para pavimentar a estrada, como uma resposta direta às cobranças do estado. "Nossa demanda foi atendida e o clamor do povo do Amazonas está sendo ouvido. Depois de décadas de isolamento, foi dado um passo importante para acabar com esse isolamento, provando que desenvolvimento e preservação podem caminhar juntos em benefício de todos", declarou.

Em 2023, Wilson Lima se reuniu com o presidente em exercício, Geraldo Alckmin, e com o então ministro dos Transportes, Renan Filho, para cobrar medidas que garantissem a trafegabilidade da estrada, especialmente durante os "períodos críticos de abastecimento".

A repercussão do acordo do Governo Federal também chegou à Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam), onde deputados comemoraram a medida como uma oportunidade de finalmente tirar a obra do papel. O presidente da Casa, deputado Roberto Cidade (União Brasil), elogiou a decisão do governo federal de lançar o Plano BR-319 e disse que a medida "encheu de esperança" o estado. "Finalmente, o Governo Federal deu um passo concreto e responsável para tirar do papel a pavimentação da BR-319. Nossa preocupação é com o desenvolvimento e também com a preservação ambiental", afirmou.

A faixa de 50 km

Outro ponto questionado no acordo entre os ministérios do Meio Ambiente e dos Transportes, por ambientalistas e cientistas, é a proposta de proteção de faixa de 50 quilômetros de cada lado da rodovia, apresentada como medida de contenção do desmatamento. Para o Observatório da BR-319, a ideia pode ser positiva se houver presença efetiva do Estado, mas ainda é uma incógnita.

"Existem inúmeras pesquisas que demonstram que o desmatamento na Amazônia tende a se concentrar em um raio de menos de seis quilômetros dos eixos centrais das rodovias, o que indica que se houver, de fato, a proteção desses 50 km em cada lado da rodovia, o processo de desmatamento e ocupação tende a ser menor. No entanto, esta seria uma experiência piloto no Brasil que teremos que ver na prática seu funcionamento e efetividade", pontua Marcelo da Silveira Rodrigues, secretário executivo do Observatório da BR-319.

Em relação à viabilidade da fiscalização, o Observatório BR-319 afirma que, com equipes suficientes nos órgãos públicos, uso de tecnologias adequadas e melhorias concretas na governança e nas condições de vida da população local, o Estado teria sim capacidade de monitorar e proteger a área.

Exclusão de indígenas

De acordo com Marcelo Rodrigues, do Observatório da BR-319, o direito à consulta livre, prévia e informada previsto pela convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, não é plenamente respeitado pelo acordo entre os ministros do Meio Ambiente e dos Transportes.

Desde 2007, quando se discutia ainda a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental da BR-319, tenta-se definir quais seriam os povos e comunidades diretamente afetados pela obra e, portanto, passíveis de serem consultados. Como a definição destas comunidades se arrastou e ainda se arrasta em disputas jurídicas, em novembro de 2024 o Ministério Público do Amazonas moveu uma Ação Civil Pública para suspender as obras na BR-319 e exigiu que as licenças ambientais só sejam concedidas após a consulta livre, prévia e informada às populações diretamente impactadas pela pavimentação da rodovia.

"Este pequeno quadro demonstra como o direito à consulta é desrespeitado, não havendo, até o momento, maiores aberturas para o diálogo e a participação destas comunidades e populações afetadas", atestou Rodrigues.

O sociólogo defende que qualquer intervenção na região precisa partir da escuta ativa das populações diretamente afetadas e de um plano sólido, transparente e com garantias institucionais.

"De toda maneira, os princípios gerais do Plano BR-319 são válidos. Agora necessitamos vê-los em um plano propriamente dito, consolidado com prazos, metas, responsabilidades, orçamento e o que mais houver. Para podermos, de fato, avaliar se haverá reais condições de efetivação de suas propostas e a consequente melhoria da governança territorial da região".

Rodovia da destruição

A BR-319 atravessa uma das regiões mais sensíveis do ponto de vista socioambiental na Amazônia. Ao longo de seu trajeto, encontram-se terras indígenas, que correspondem a 19% da área de influência da rodovia, além de 32,8% ocupados por unidades de conservação, assentamentos rurais, glebas públicas sem destinação definida e propriedades privadas sem regularização fundiária. Caso seja reconstruída, a pavimentação poderá irradiar o desmatamento em um raio de até 150 quilômetros a partir de suas margens.

Para Philip Fearnside, as perspectivas para controlar a situação do desmatamento não são boas, como foi demonstrado pelo exemplo do plano análogo "BR-163 Sustentável" que, em 2005, foi a justificativa para aprovar a reconstrução da rodovia Santarém-Cuiabá. A BR-163 logo se tornou um dos maiores focos de desmatamento, grilagem e invasão de terras indígenas e unidades de conservação por garimpeiros e madeireiros ilegais.

"Mesmo se o plano para a BR-319 fosse um grande sucesso, só cobre 50 km. A planejada rodovia AM-366 ligada à BR-319 estenderia por 574 km ao oeste da rodovia. A noção de que o desmatamento lá seria controlado é pura ficção. Os esforços para controlar o desmatamento não são capazes de controlar isto, nem mesmo o aumento da pressão devido à estrada reconstruída. O plano não é só controle de desmatamento, também é para 'regularização' das posses ilegais nessa área. Isto leva a mais, não menos, desmatamento, tanto dentro das áreas legalizadas, como pelo estímulo de ainda mais invasão de terras públicas", ressaltou.

Fearnside apontou no recente artigo "Rodovia BR-319: o novo 'acordo' de licenciamento como porta de entrada para a destruição" o impacto da rodovia federal, que se estenderá muito mais graças às cinco estradas planejadas pelo estado do Amazonas para se conectar à ela: AM-356, AM-360, AM-464, AM-366 e AM-343.

A AM-366, conhecida também como Trans-Purus, se for construída, se estenderá 574 quilômetros a oeste da BR-319 e sua região fará parte de um projeto de petróleo e gás da chamada "Bacia Sedimentar do Solimões". O grupo de lobby "Amigos e Defensores da BR-319" chegou a reivindicar, em 2022, a construção da Trans-Purus.

A Rosneft, gigante petrolífera acusada pelo Greenpeace Rússia de ter causado mais de 10 mil derramamentos de petróleo ao redor do mundo, detém 13 licenças de exploração na bacia, com uma área total de cerca de 32.600 km2. Três desses blocos são atravessados pela rota da AM-366.

"A reconstrução do 'trecho do meio' levaria os desmatadores da região Amacro não só para a beira da BR-319 propriamente dita, mas para toda a área já conectada a Manaus por estradas, incluindo o estado de Roraima. As estradas estaduais planejadas para ligar à BR-319 abririam a imensa Região Trans-Purus à entrada de desmatadores. Esta região é crítica para a reciclagem de água que é transportada para São Paulo via os ventos conhecidos como 'rios voadores', e também contém um estoque de carbono mais do que suficiente para empurrar o clima global além de um ponto de não retorno se for emitido com gases de efeito estufa", explicou Fearnside.

O pesquisador Marcelo Rodrigues destaca que o histórico da rodovia mostra como a expectativa de asfaltamento já inicia processos de ocupação irregular, desmatamento e grilagem. A pressão atual sobre a BR-319 é evidente. Em 2023, apenas quatro municípios localizados ao sul da rodovia (Canutama, Humaitá, Manicoré e Tapauá) somavam cerca de seis mil quilômetros de ramais ilegais em seus territórios.

Marcelo Rodrigues adiantou que, de acordo com dados de um novo mapeamento produzido pelo Observatório BR-319, esse número já saltou para aproximadamente vinte mil quilômetros de ramais nos municípios situados no interflúvio entre os rios Madeira e Purus. O mapeamento ainda não foi divulgado oficialmente.

Esses ramais, responsáveis pelo chamado efeito "espinha de peixe", têm se expandido rapidamente nos últimos anos, especialmente no setor sul da estrada, que integra a região da Amacro (Amazonas, Acre e Rondônia). Com isso, a área se consolida como o principal foco de desmatamento no estado do Amazonas.

"Através de nossa estrutura de monitoramento de desmatamento, de focos de calor, de ampliação da rede de ramais e dos atos políticos, jurídicos e burocráticos relacionados à estrada, podemos afirmar que em todos os momentos em que ocorreram anúncios de políticos e órgãos públicos, ações jurídicas ou ações burocráticas que geraram expectativa positiva para a reabertura da estrada houve subsequentemente aumento de impactos relacionados a desmatamento, degradação e grilagem de terras", disse Rodrigues.

Construída durante a ditadura militar, em 1976, a BR-319 foi abandonada desde o final dos anos 1980. A estrada permanece em grande parte intrafegável, especialmente em seu "trecho do meio", um segmento de aproximadamente 400 quilômetros que ainda não possui licença definitiva para restauração. Parte do traçado foi tomado pela floresta na região do interflúvio entre os rios Purus e Madeira, na divisa dos estados do Amazonas e Rondônia.

O que dizem as autoridades

Em nota enviada por e-mail à reportagem da Amazônia Real, o Ministério do Meio Ambiente e da Mudança do Clima afirmou que o Plano BR-319 foi elaborado como premissa para retomada do debate sobre o licenciamento da pavimentação e restauração da rodovia.

A pasta reconhece que a BR-319 abrange um território "sensível e sujeito a pressões, e que, portanto, demanda planejamento, governança, articulação interfederativa e soluções de curto, médio e longo prazo". Essas vulnerabilidades, segundo o MMA, devem ser consideradas na discussão sobre a pavimentação para que a obra não "implique prejuízos socioambientais".

De acordo com o MMA, a proposta está em debate entre os Ministérios e alia a implementação efetiva e urgente de áreas protegidas a destinação de florestas públicas, o reconhecimento dos territórios de povos e comunidades tradicionais, estratégias de regularização ambiental e fundiária para a população rural local e a retomada de terras griladas para restauração florestal.

"Espera-se que a implementação do plano alcance resultados concretos na redução do desmatamento, grilagem e incêndios na região. A partir disso, o processo de licenciamento ambiental poderá ser retomado, tendo como foco a mitigação dos impactos diretos e indiretos dimensionados no plano de ação", declarou o MMA.

Até o fechamento desta reportagem, o Ministério dos Transportes não havia se manifestado sobre o assunto.

A Amazônia Real tentou entrevistar o superintendente do Ibama no Amazonas, Joel Araújo, mas ele não aceitou. Em artigo publicado no portal do Marcos Santos ele diz o seguinte: "Tenho certeza de que é possível, sim, reconstruir a BR-319, mas que isso só será viável com controle rigoroso, respeito às leis ambientais e compromisso com as futuras gerações. Não se trata de bloquear o progresso, mas de impedir que ele destrua o que não pode ser substituído: a floresta, os povos, a biodiversidade."

Resposta da Funai

Em resposta à reportagem, a Funai declarou que acompanha o componente indígena do licenciamento ambiental do trecho, mas não recebeu qualquer comunicado sobre o novo plano anunciado em 15 de julho.

O órgão ressaltou que seu posicionamento é pela realização responsável do processo do componente indígena do licenciamento ambiental do empreendimento, com correta identificação de impactos, elaboração de programas do ponto de vista dos territórios e povos indígenas e, principalmente, a garantia da consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas sempre que for identificado impacto direto.

"O referido plano deve atuar nesse sentido, especialmente garantido a governança interinstitucional necessária para proteção da diversidade socioambiental da região, para se favorecer a boa elaboração e execução do componente indígena do licenciamento ambiental", disse a instituição.

Segundo a Funai, para que seja feita uma análise técnica adequada do plano e de suas possíveis consequências, é necessário que a demanda seja enviada diretamente pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), órgão licenciador responsável.

Em relação à possibilidade de avanço das obras da BR-319 sobre áreas indígenas, a Funai afirmou que, segundo o Ibama, o traçado atual do empreendimento não incide sobre Terras Indígenas demarcadas, reservas indígenas ou áreas interditadas por presença de povos em isolamento voluntário.

No entanto, explicou que existem territorialidades que não são criadas pelo Estado, mas sim reconhecidas por meio de processos administrativos específicos, como os de demarcação. A entidade pública também apontou que o licenciamento do empreendimento já considera a existência desses territórios indígenas potencialmente impactados, cujos efeitos socioambientais devem ser identificados nos Estudos de Impacto do Componente Indígena (EICI) e tratados em Programas Ambientais específicos.

Por fim, a Funai confirmou que a Diretoria de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável do órgão, no que diz respeito a sua Coordenação-Geral de Licenciamento Ambiental, não tomou conhecimento dos termos do acordo firmado entre os ministérios do Meio Ambiente e dos Transportes.

Muitas tentativas para o asfalto

A rodovia BR-319 foi aberta no meio da floresta amazônica pelo governo da ditadura militar, em 1976. A estrada só operou por 12 anos com asfalto ao longo dos seus 877 quilômetros, que começam em Manaus e terminam em Porto Velho, região do arco do desmatamento, que compreende uma área geográfica de 13 municípios, 42 Unidades de Conservação e 69 Terras Indígenas. A rodovia foi parcialmente tomada pela floresta, ficando intransitável o conhecido trecho chamado de meião, com 405 quilômetros, em 1988. O restante da estrada é transitável nos períodos de seca dos rios, mas na cheia a situação é crítica.

Pérola nos debates eleitorais municipais, estaduais e até presidenciais, a rodovia BR-319 já passou por inúmeras tentativas de pavimentação do "trecho do meião", mas foram barradas ao longo dos anos e o processo de licenciamento ambiental da BR-319 está atualmente judicializado.

Em 2022, durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, o Ibama chegou a conceder uma licença prévia ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) para o asfaltamento desse trecho da rodovia. O órgão informou que o governo federal gastou R$ 572,9 milhões na manutenção e na conservação da estrada, entre 2016 e 2023.

Em julho de 2024, uma decisão liminar da 7ª Vara Ambiental e Agrária da Seção Judiciária do Amazonas suspendeu a licença. Na ocasião, a juíza Mara Elisa Andrade apontou que a autorização colocava a floresta amazônica sob risco de danos irreversíveis.

Em setembro do ano passado, o presidente Lula assinou uma ordem de serviço para início às obras de pavimentação de um trecho de 20 quilômetros da rodovia BR-319, no valor de R$ 157,5 milhões, e foi criticado pela medida.

Já o Ministério dos Transportes, anunciou no ano passado, que o investimento para a pavimentação da BR-319 era estimado em R$ 2 bilhões.

No último dia 2 de julho deste ano, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) restabeleceu os efeitos da liminar que suspendia a licença concedida pelo Ibama. A decisão contrariou o voto do relator, desembargador Flávio Jardim, que em outubro de 2024 havia aceitado recurso da União, do Ibama e do Dnit para derrubar a suspensão da Justiça.

A decisão, da 6ª Turma do TRF-1, atendeu a um recurso do Observatório do Clima (OC) em ação civil pública que pede a anulação da licença por apresentar, segundo a organização, uma série de inconsistências legais, técnicas e ambientais.

Mesmo com uma decisão favorável, segundo a manifestação do advogado OC, Paulo Busse, a concessão da licença prévia em 2022 já desencadeou uma escalada de 122% do desmatamento no entorno do trecho da rodovia.

Sobre a defesa de que a estrada é necessária para integrar Manaus ao restante do país, Philip Fearnside acredita que o argumento não se sustenta diante das evidências de desmatamento e ocupações descontroladas já provocadas pela simples expectativa da obra.

"Sem dúvida seria conveniente para pessoas em Manaus ter esta conexão, mas não é necessário. O transporte dos produtos da Zona Franca, que sustenta a economia da cidade, é mais barato por água do que pela rodovia. O custo ambiental e social dos impactos da rodovia são muito maiores do que os benefícios. Deve-se lembrar que, caso o aquecimento escapasse de controle, o que está muito perto de acontecer, teria mortalidade em massa em Manaus devido aos picos de temperatura", destacou Philip Fearnside, do Inpa.

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