De Pueblos Indígenas en Brasil
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Noticias
Economias da sociobiodiversidade
01/08/2025
Autor: LUNA D'ALAMA
Fonte: SESC - https://www.sescsp.org.br/editorial/economias-da-sociobiodiversidade/#agosto25-integra
Documentos anexos
Economias da sociobiodiversidade
POR LUNA D'ALAMA
01/08/2025
Leia a edição de AGOSTO/25 da Revista E na íntegra
O povo indígena Baniwa habita a região amazônica do Brasil, da Colômbia e da Venezuela, somando mais de 17 mil indivíduos - desses, cerca de sete mil vivem no território brasileiro. Esse é uma das 27 etnias que vivem na região do noroeste amazônico, um sistema regional multilinguístico marcado por uma extensa rede de trocas, envolvendo práticas agrícolas, pesqueiras, artesanais e rituais. Segundo André Baniwa, líder e empreendedor social nascido na Terra Indígena Alto Rio Negro, não há uma palavra em sua língua para designar a biodiversidade, mas que o termo kaawiperi hiemakape nainaawaka nomeia "os diferentes seres vivos que convivem entre si", incluindo humanos, animais, árvores, rios e montanhas, entre outros. "Os territórios dos povos originários sempre foram soberanos, prósperos e fartos em termos de sustentabilidade, alimentação, manejo, conhecimentos e tecnologias ancestrais. A escassez veio por fatores externos", explica.
Para o líder indígena, seu povo entende que é possível viver com aquilo que é suficiente, sem ganância, nem monoculturas. "Muitas técnicas e tecnologias consideradas 'primitivas' são avançadas justamente porque não desmatam nem poluem. Hoje, tecnologias ditas 'modernas' têm impactado negativamente o meio ambiente, com alto consumo de água, uso exaustivo do solo e de outros recursos naturais", destaca. Ex-vice-presidente da Organização Indígena da Bacia do Içana (Oibi) e ex-vice-prefeito de São Gabriel da Cachoeira (AM), ele acredita que os indígenas têm muito a ensinar, se a sociedade quiser aprender. "Não estamos preocupados em dominar o mundo nem pressionamos a floresta. É preciso mudar a forma de produzir conhecimento e mercadorias, abandonar práticas e heranças coloniais", reforça.
DA DIVERSIDADE À ECONOMIA
Em junho de 2024, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva publicou o decreto no 12.044 para instituir a Estratégia Nacional de Bioeconomia, modelo de desenvolvimento econômico e produtivo baseado em valores como ética, justiça, inclusão e sustentabilidade ambiental, que busca promover economias de povos indígenas, agricultores familiares e comunidades tradicionais (ribeirinhos, seringueiros, quilombolas, caiçaras, ciganos etc.).
Para entender a bioeconomia - ou melhor, a sociobioeconomia -, é preciso compreender, primeiro, o que é a sociobiodiversidade. De acordo com Jeferson "Camarão" Straatmann, doutor em engenharia de produção pela Universidade de São Paulo (USP), e analista sênior em economias da sociobiodiversidade do Instituto Socioambiental (ISA), o termo "sócio" foi acrescido por instituições, organizações e especialistas porque a diversidade biológica do planeta está intimamente ligada à intervenção e à domesticação feitas pela espécie humana.
"Hoje, nada se desenvolve sozinho, de forma desagregada do ser humano, mas como consequência do nosso manejo. Seja no caso do pinhão (araucária), da erva-mate, do pequi, da castanha-do-pará ou do açaí, há uma relação que envolve a seleção de variedades de plantas, algo que passa pelas propriedades e pela utilidade delas - seja para alimentação, medicina ou construção", detalha Straatmann. As florestas, segundo o especialista, são uma grande "roça" dos povos indígenas, que adotam sistemas rotativos de culturas, com possibilidade de recuperação das regiões após o uso - e, consequentemente, a existência de solos mais férteis. "Uma floresta intocada é um mito. Todo espaço no Brasil já foi ocupado e usado em algum momento, seja para caça, pesca ou coleta. Todas essas variedades formam, portanto, o nosso patrimônio genético", acrescenta.
É a partir desse pensamento e desses conceitos que surgiu a sociobioeconomia, o que o analista do ISA diferencia da bioeconomia, que contempla biocombustíveis, plantações em larga escala de eucalipto, monoculturas de cacau e açaí, por exemplo. "Na sociobioeconomia, que os povos indígenas e 28 comunidades tradicionais reconhecidas oficialmente no país desenvolvem, valorizamos escalas de produção menores, sistemas agrícolas tradicionais, a diversidade de espécies, as sazonalidades (estações do ano e períodos de seca ou cheia dos rios), a ética, a cultura, os conhecimentos ancestrais e as relações sociais", elenca Straatmann. Segundo o especialista, este ano completa uma década da promulgação da Lei da Biodiversidade (no 13.123/2015), que prevê que todo acesso ao patrimônio genético do país e o desenvolvimento tecnológico decorrente dele tenham repartição justa de valores e retorno às comunidades de origem.
A sociobioeconomia está presente em uma ampla gama de atividades produtivas, que vai de alimentos a fármacos, passando por cosméticos, moda e vestuário, utensílios de borracha, tintas e restauração de áreas degradadas. "Economia não é matemática, uma ciência exata. Trata-se de uma ciência social, baseando-se em culturas e políticas. Na sociobioeconomia, corpos e natureza estão interconectados, atualizam-se e se modificam", analisa o paraense Straatmann, que mora no Recife (PE) e atua na "Terra do Meio", região localizada entre os rios Xingu e Iriri, em Altamira (PA).
Na lógica desse modelo, nenhuma espécie é pressionada ou destruída. "A consequência dessa interação é mais floresta, com maior biodiversidade. O que a região Norte precisa para desenvolver melhor sua sociobioeconomia são políticas públicas de proteção e demarcação de terras indígenas e territórios tradicionais, seguro-safra [ação do governo federal para garantir renda mínima aos agricultores familiares em caso de perda da safra devido a condições climáticas], mais acesso a crédito, água, transporte etc.", ressalta Straatmann. O analista do ISA pontua, ainda, que produtos da sociobiodiversidade têm como característica a produção em baixo volume e a alta variedade; por isso, podem ser menos competitivos no mercado. Porém, não é possível olhar para as economias da floresta apenas sob a perspectiva de produtos e preços, mas também de serviços, conhecimentos e inovação. "A sociobioeconomia é a economia da fartura, da existência, da resistência, e não da subsistência. Como dizia Nêgo Bispo (1959-2023), é a economia do envolvimento. Porque, se o desenvolvimento, com a partícula 'des', tira o envolvimento das pessoas entre si e com a natureza, a alternativa é o envolvimento, a conexão, de forma respeitosa e com marcos legais", pondera.
PONTAS CONECTADAS
Todos os biomas podem ter sua própria sociobioeconomia, no entanto, a Amazônia e o ecossistema da floresta são especialmente favoráveis à diversidade de modos de vida e de produção. Para a bióloga Patrícia Andrade Machado, coordenadora de articulação territorial da organização não governamental Imaflora, as economias da floresta abrangem inúmeras possibilidades de relações e maneiras de fazer. "Passam muito pela cultura oral, pelo ensino familiar, pela transmissão de conhecimentos. Um estudo do MapBiomas Brasil, iniciativa que reúne universidades, ONGs e empresas de tecnologia, mostra a perda de apenas 1% de vegetação nativa dentro de terras indígenas nos últimos 38 anos, contra 17% em propriedades privadas", diz.
Criado em 1995, no contexto da Rio-92, o Imaflora alia produção com conservação em cadeias agropecuárias, florestais e da sociobioeconomia. Há dez anos, em parceria com o ISA, idealizou a rede Origens Brasil, que conecta povos indígenas e populações tradicionais com empresas de todo o país, fomentando diálogos em rede para questões complexas. Hoje, já são mais de 4.500 pessoas produtoras, 79 etnias indígenas e 41 empresas cadastradas.
A rede Origens Brasil garante a rastreabilidade dos produtos e insumos provenientes das comunidades e, por meio de um selo, o consumidor pode conhecer a história dos produtores e comprovar que determinado item respeita a sociobiodiversidade da sua região de origem. Cerca de cem produtos (como castanhas, pimenta, cumaru, babaçu, pirarucu, óleos, manteigas vegetais e artesanatos) têm esse selo hoje. "Analisamos o nível de organização das comunidades, sua capacidade produtiva, e conferimos visibilidade a elas para que possam manter relações éticas de longo prazo. Por outro lado, as empresas obtêm garantia de origem, rastreabilidade, e contribuem para a conservação da Amazônia", explica. Entre os critérios de comércio ético, Machado cita o preço justo, a transparência e a equidade nas negociações, o respeito ao modo de vida tradicional, a formalização e o diálogo permanente.
Os principais desafios da sociobioeconomia são: a logística das imensas distâncias amazônicas, que precisam ser percorridas de barco ou avião; a falta de políticas públicas e de assistência técnica às comunidades e associações para garantia de direitos (como emissão de nota fiscal e questões contábeis); e a necessidade de fortalecimento institucional das organizações (como capacitações e obtenção de capital de giro). "Os povos indígenas e as populações tradicionais não estão no passado. Inclusive, seus modos de vida e de produção - pautados em um conhecimento profundo dos ciclos naturais, da biodiversidade e da interdependência entre os seres humanos e a natureza - são a chave para o nosso futuro. Podemos aprender com eles e pôr isso em prática, inclusive nas grandes cidades, seja fazendo uso responsável da água e de outros recursos naturais, ou consumindo produtos que tenham origem na natureza e valorizem os guardiões e as guardiãs da floresta", enfatiza Machado.
CONCEITOS ANCESTRAIS
Na visão da artesã indígena, agricultora e socióloga pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM) Elizângela Baré, doutoranda em saúde pública na Universidade de São Paulo (USP), conceitos "modernos" (como sociobiodiversidade, sociobioeconomia, agroecologia, rotação de culturas, sustentabilidade e geração de renda) sempre existiram entre os povos da Terra Indígena Cué-Cué/Marabitanas, no noroeste amazônico, onde ela nasceu e cresceu. "Vivemos com essas concepções no dia a dia, pois elas fazem parte das nossas tradições e preocupações, apenas não as denominamos assim. Buscamos o desenvolvimento, mas não de qualquer jeito, a qualquer custo. A sociobioeconomia, para nós, envolve o saber fazer e a organização coletiva, sempre respeitando a natureza acima de tudo", conta [leia artigo escrito por Elizângela Baré na seção Em Pauta desta edição].
Filha do pajé Laurindo Baré e ex-coordenadora do Departamento de Mulheres Indígenas da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro, a socióloga e agricultora afirma que é preciso "reflorestar" nosso modo de pensar e agir em relação aos hábitos de cultivo. "A produção indígena pode parecer pequena, mas é diversa: tem açaí, cupuaçu, pupunha, tucumã, guaraná, andiroba, buriti etc. Respeitamos os ciclos e as demandas de cada planta. O homem branco quer manejar tudo o tempo todo", compara. A socióloga indígena se prepara para lançar um livro - intitulado Saberes da sociobio - durante a COP30, em novembro, em Belém (PA). Em coautoria com outras mulheres do Amazonas e do Pará, Elizângela Baré assina um capítulo sobre a contribuição das indígenas do povo Baré para a sociobioeconomia. "Agora estou morando na capital paulista, para fazer o doutorado, e trouxe meu filho mais novo. Dia desses, caiu um galho em um carro e mandaram cortar a árvore inteira. Quando um galho cai na canoa de uma pessoa indígena, entendemos que ocupamos um lugar que não deveríamos, um espaço que não é nosso. Jamais um indígena derrubaria uma árvore por causa de um único galho que se desprendeu", salienta.
Para a artesã indígena, agricultora e socióloga Elizângela Baré, é preciso reflorestar o modo de pensar e agir em relação aos hábitos de cultivo (foto: Carol Quintanilha/ ISA)
PIRARUCU A SALVO
Diretora de manejo e desenvolvimento social do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), a socióloga Dávila Corrêa mora em Tefé (AM) e trabalha com povos e comunidades tradicionais da região. Ela lembra que, nos anos 1980, o pirarucu - um dos maiores peixes de água doce do mundo, capaz de atingir três metros de comprimento e pesar até 200 quilos - esteve em risco de extinção por conta da pesca predatória. Com a regulamentação da atividade pesqueira e a introdução de um manejo sustentável, houve a recuperação de 600% do estoque da população de pirarucu na Amazônia.
"Hoje, a captura desse peixe é autorizada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) entre agosto e novembro, em quantidades consideradas adequadas para garantir a continuidade da espécie. Esse ciclo de boas práticas envolve organização comunitária, interesse coletivo, proteção de lagos e territórios, monitoramento participativo (para contagem do estoque em vida livre) etc.", destaca Corrêa. De acordo com a especialista, as comunidades devem ser ouvidas, em primeiro lugar. "Precisamos trabalhar junto delas, a partir dos modos de vida locais, com processos e práticas que respeitem a natureza, a cultura e os saberes tradicionais. Os modelos devem ser viáveis e autônomos, e os planos de manejo precisam partir de quem vive nos territórios, sem perder o vínculo com a identidade local e o protagonismo social", conclui.
Após a regulamentação da atividade pesqueira e a introdução de um manejo sustentável, foi garantida a captura de pirarucu em quantidades adequadas para a conservação da espécie (foto: Miguel Monteiro)
Rumo à COP30
A cem dias da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, em Belém, o Sesc Pinheiros realiza o Fórum Movimentos pela Regeneração
A sociobioeconomia está presente em uma ampla gama de atividades produtivas, que vai de alimentos (como a castanha-do-pará, na foto) a fármacos, incluindo cosméticos, moda e vestuário, utensílios de borracha, tintas e restauração de áreas degradadas (foto: Rogério Assis/ ISA).
Entre 7 e 10 de agosto, o Sesc Pinheiros promove o Fórum Movimentos pela Regeneração - Em direção à COP30 que antecede a 30ª edição da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), prevista para ocorrer em Belém (PA), de 10 a 21 de novembro, com a participação de representantes de 198 países. O evento, na capital paulista, também marca o Dia Internacional dos Povos Indígenas (9/8).
Mais informações em sescsp.org.br/forumprecop
Confira alguns dos destaques da programação:
PINHEIROS
Fórum Movimentos pela Regeneração - Em direção à COP30
Conferência de Abertura: Esperançar diante da emergência climática
Resultantes das intervenções humanas sobre os ecossistemas da Terra, as mudanças climáticas afetam diretamente o equilíbrio da vida no planeta em várias dimensões. Como esperançar diante dessas urgências? Com Márcio Astrini (Secretário-executivo do Observatório do Clima) e Susana Muhamad (cientista política colombiana, ambientalista, ex-Ministra do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Colômbia e ex-Presidenta da COP16, a Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica). Com a debatedora Cristina Serra (jornalista, escritora e pesquisadora).
Dia 7/8. Quinta, das 16h30 às 17h30. Teatro Paulo Autran.
Mesa 1 - Resiliência nas cidades: desafios urbanos contemporâneos
Com participação de Guilherme Simões (Secretário Nacional de Periferias no Ministério das Cidades), Sílvia Marcuzzo (jornalista e consultora em comunicação), Ana Catalina Suárez Peña (diretora sênior de estratégia e inovação da The Global FoodBanking Network). Mediação da jornalista Cristina Serra.
Dia 7/8. Quinta, das 18h às 20h. Teatro Paulo Autran.
Mesa 4 - A COP na Amazônia e os desafios diante da crise climática mundial
Com presença de Nilson Gabas Júnior, diretor do Museu Paraense Emílio Goeldi; da jornalista Kátia Brasil, cofundadora e editora-executiva da agência Amazônia Real; e da ambientalista e ativista Paloma Costa, advogada e ativista climática, assessora no Instituto Socioambiental e cofundadora do coletivo Ciclimáticos. Mediação: Janaína Pochapski, assessora de Sustentabilidade do Departamento Nacional do Sesc.
Dia 8/8. Sexta, das 16h30 às 18h30. Teatro Paulo Autran.
Mesa 5 - Sociobioeconomia e Povos Indígenas
Com André Baniwa (Secretaria de Saúde Indígena do Ministério da Saúde), Jeferson "Camarão" Straatmann (Instituto Socioambiental) e Kinyapiler Johnson González (poeta, artista e ativista cultural da etnia Gunadule, do Panamá). Mediação da arte-educadora, doutora em educação e professora Naine Terena.
Dia 9/8. Sábado, das 10h às 11h30. Teatro Paulo Autran.
Mesa 6 - Que mundo está por vir?
Com Amanda Costa (internacionalista e ativista climática), Miguel de Barros (sociólogo guineense e diretor da ONG Tiniguena) e Paulo Artaxo (físico, pesquisador do IPCC e professor da USP). Mediação da jornalista Maria Zulmira de Souza. Dia 9/8. Sábado, das 12h às 13h30. Teatro Paulo Autran.
A EDIÇÃO DE AGOSTO DE 2025 DA REVISTA E ESTÁ NO AR!
https://www.sescsp.org.br/editorial/economias-da-sociobiodiversidade/#agosto25-integra
POR LUNA D'ALAMA
01/08/2025
Leia a edição de AGOSTO/25 da Revista E na íntegra
O povo indígena Baniwa habita a região amazônica do Brasil, da Colômbia e da Venezuela, somando mais de 17 mil indivíduos - desses, cerca de sete mil vivem no território brasileiro. Esse é uma das 27 etnias que vivem na região do noroeste amazônico, um sistema regional multilinguístico marcado por uma extensa rede de trocas, envolvendo práticas agrícolas, pesqueiras, artesanais e rituais. Segundo André Baniwa, líder e empreendedor social nascido na Terra Indígena Alto Rio Negro, não há uma palavra em sua língua para designar a biodiversidade, mas que o termo kaawiperi hiemakape nainaawaka nomeia "os diferentes seres vivos que convivem entre si", incluindo humanos, animais, árvores, rios e montanhas, entre outros. "Os territórios dos povos originários sempre foram soberanos, prósperos e fartos em termos de sustentabilidade, alimentação, manejo, conhecimentos e tecnologias ancestrais. A escassez veio por fatores externos", explica.
Para o líder indígena, seu povo entende que é possível viver com aquilo que é suficiente, sem ganância, nem monoculturas. "Muitas técnicas e tecnologias consideradas 'primitivas' são avançadas justamente porque não desmatam nem poluem. Hoje, tecnologias ditas 'modernas' têm impactado negativamente o meio ambiente, com alto consumo de água, uso exaustivo do solo e de outros recursos naturais", destaca. Ex-vice-presidente da Organização Indígena da Bacia do Içana (Oibi) e ex-vice-prefeito de São Gabriel da Cachoeira (AM), ele acredita que os indígenas têm muito a ensinar, se a sociedade quiser aprender. "Não estamos preocupados em dominar o mundo nem pressionamos a floresta. É preciso mudar a forma de produzir conhecimento e mercadorias, abandonar práticas e heranças coloniais", reforça.
DA DIVERSIDADE À ECONOMIA
Em junho de 2024, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva publicou o decreto no 12.044 para instituir a Estratégia Nacional de Bioeconomia, modelo de desenvolvimento econômico e produtivo baseado em valores como ética, justiça, inclusão e sustentabilidade ambiental, que busca promover economias de povos indígenas, agricultores familiares e comunidades tradicionais (ribeirinhos, seringueiros, quilombolas, caiçaras, ciganos etc.).
Para entender a bioeconomia - ou melhor, a sociobioeconomia -, é preciso compreender, primeiro, o que é a sociobiodiversidade. De acordo com Jeferson "Camarão" Straatmann, doutor em engenharia de produção pela Universidade de São Paulo (USP), e analista sênior em economias da sociobiodiversidade do Instituto Socioambiental (ISA), o termo "sócio" foi acrescido por instituições, organizações e especialistas porque a diversidade biológica do planeta está intimamente ligada à intervenção e à domesticação feitas pela espécie humana.
"Hoje, nada se desenvolve sozinho, de forma desagregada do ser humano, mas como consequência do nosso manejo. Seja no caso do pinhão (araucária), da erva-mate, do pequi, da castanha-do-pará ou do açaí, há uma relação que envolve a seleção de variedades de plantas, algo que passa pelas propriedades e pela utilidade delas - seja para alimentação, medicina ou construção", detalha Straatmann. As florestas, segundo o especialista, são uma grande "roça" dos povos indígenas, que adotam sistemas rotativos de culturas, com possibilidade de recuperação das regiões após o uso - e, consequentemente, a existência de solos mais férteis. "Uma floresta intocada é um mito. Todo espaço no Brasil já foi ocupado e usado em algum momento, seja para caça, pesca ou coleta. Todas essas variedades formam, portanto, o nosso patrimônio genético", acrescenta.
É a partir desse pensamento e desses conceitos que surgiu a sociobioeconomia, o que o analista do ISA diferencia da bioeconomia, que contempla biocombustíveis, plantações em larga escala de eucalipto, monoculturas de cacau e açaí, por exemplo. "Na sociobioeconomia, que os povos indígenas e 28 comunidades tradicionais reconhecidas oficialmente no país desenvolvem, valorizamos escalas de produção menores, sistemas agrícolas tradicionais, a diversidade de espécies, as sazonalidades (estações do ano e períodos de seca ou cheia dos rios), a ética, a cultura, os conhecimentos ancestrais e as relações sociais", elenca Straatmann. Segundo o especialista, este ano completa uma década da promulgação da Lei da Biodiversidade (no 13.123/2015), que prevê que todo acesso ao patrimônio genético do país e o desenvolvimento tecnológico decorrente dele tenham repartição justa de valores e retorno às comunidades de origem.
A sociobioeconomia está presente em uma ampla gama de atividades produtivas, que vai de alimentos a fármacos, passando por cosméticos, moda e vestuário, utensílios de borracha, tintas e restauração de áreas degradadas. "Economia não é matemática, uma ciência exata. Trata-se de uma ciência social, baseando-se em culturas e políticas. Na sociobioeconomia, corpos e natureza estão interconectados, atualizam-se e se modificam", analisa o paraense Straatmann, que mora no Recife (PE) e atua na "Terra do Meio", região localizada entre os rios Xingu e Iriri, em Altamira (PA).
Na lógica desse modelo, nenhuma espécie é pressionada ou destruída. "A consequência dessa interação é mais floresta, com maior biodiversidade. O que a região Norte precisa para desenvolver melhor sua sociobioeconomia são políticas públicas de proteção e demarcação de terras indígenas e territórios tradicionais, seguro-safra [ação do governo federal para garantir renda mínima aos agricultores familiares em caso de perda da safra devido a condições climáticas], mais acesso a crédito, água, transporte etc.", ressalta Straatmann. O analista do ISA pontua, ainda, que produtos da sociobiodiversidade têm como característica a produção em baixo volume e a alta variedade; por isso, podem ser menos competitivos no mercado. Porém, não é possível olhar para as economias da floresta apenas sob a perspectiva de produtos e preços, mas também de serviços, conhecimentos e inovação. "A sociobioeconomia é a economia da fartura, da existência, da resistência, e não da subsistência. Como dizia Nêgo Bispo (1959-2023), é a economia do envolvimento. Porque, se o desenvolvimento, com a partícula 'des', tira o envolvimento das pessoas entre si e com a natureza, a alternativa é o envolvimento, a conexão, de forma respeitosa e com marcos legais", pondera.
PONTAS CONECTADAS
Todos os biomas podem ter sua própria sociobioeconomia, no entanto, a Amazônia e o ecossistema da floresta são especialmente favoráveis à diversidade de modos de vida e de produção. Para a bióloga Patrícia Andrade Machado, coordenadora de articulação territorial da organização não governamental Imaflora, as economias da floresta abrangem inúmeras possibilidades de relações e maneiras de fazer. "Passam muito pela cultura oral, pelo ensino familiar, pela transmissão de conhecimentos. Um estudo do MapBiomas Brasil, iniciativa que reúne universidades, ONGs e empresas de tecnologia, mostra a perda de apenas 1% de vegetação nativa dentro de terras indígenas nos últimos 38 anos, contra 17% em propriedades privadas", diz.
Criado em 1995, no contexto da Rio-92, o Imaflora alia produção com conservação em cadeias agropecuárias, florestais e da sociobioeconomia. Há dez anos, em parceria com o ISA, idealizou a rede Origens Brasil, que conecta povos indígenas e populações tradicionais com empresas de todo o país, fomentando diálogos em rede para questões complexas. Hoje, já são mais de 4.500 pessoas produtoras, 79 etnias indígenas e 41 empresas cadastradas.
A rede Origens Brasil garante a rastreabilidade dos produtos e insumos provenientes das comunidades e, por meio de um selo, o consumidor pode conhecer a história dos produtores e comprovar que determinado item respeita a sociobiodiversidade da sua região de origem. Cerca de cem produtos (como castanhas, pimenta, cumaru, babaçu, pirarucu, óleos, manteigas vegetais e artesanatos) têm esse selo hoje. "Analisamos o nível de organização das comunidades, sua capacidade produtiva, e conferimos visibilidade a elas para que possam manter relações éticas de longo prazo. Por outro lado, as empresas obtêm garantia de origem, rastreabilidade, e contribuem para a conservação da Amazônia", explica. Entre os critérios de comércio ético, Machado cita o preço justo, a transparência e a equidade nas negociações, o respeito ao modo de vida tradicional, a formalização e o diálogo permanente.
Os principais desafios da sociobioeconomia são: a logística das imensas distâncias amazônicas, que precisam ser percorridas de barco ou avião; a falta de políticas públicas e de assistência técnica às comunidades e associações para garantia de direitos (como emissão de nota fiscal e questões contábeis); e a necessidade de fortalecimento institucional das organizações (como capacitações e obtenção de capital de giro). "Os povos indígenas e as populações tradicionais não estão no passado. Inclusive, seus modos de vida e de produção - pautados em um conhecimento profundo dos ciclos naturais, da biodiversidade e da interdependência entre os seres humanos e a natureza - são a chave para o nosso futuro. Podemos aprender com eles e pôr isso em prática, inclusive nas grandes cidades, seja fazendo uso responsável da água e de outros recursos naturais, ou consumindo produtos que tenham origem na natureza e valorizem os guardiões e as guardiãs da floresta", enfatiza Machado.
CONCEITOS ANCESTRAIS
Na visão da artesã indígena, agricultora e socióloga pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM) Elizângela Baré, doutoranda em saúde pública na Universidade de São Paulo (USP), conceitos "modernos" (como sociobiodiversidade, sociobioeconomia, agroecologia, rotação de culturas, sustentabilidade e geração de renda) sempre existiram entre os povos da Terra Indígena Cué-Cué/Marabitanas, no noroeste amazônico, onde ela nasceu e cresceu. "Vivemos com essas concepções no dia a dia, pois elas fazem parte das nossas tradições e preocupações, apenas não as denominamos assim. Buscamos o desenvolvimento, mas não de qualquer jeito, a qualquer custo. A sociobioeconomia, para nós, envolve o saber fazer e a organização coletiva, sempre respeitando a natureza acima de tudo", conta [leia artigo escrito por Elizângela Baré na seção Em Pauta desta edição].
Filha do pajé Laurindo Baré e ex-coordenadora do Departamento de Mulheres Indígenas da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro, a socióloga e agricultora afirma que é preciso "reflorestar" nosso modo de pensar e agir em relação aos hábitos de cultivo. "A produção indígena pode parecer pequena, mas é diversa: tem açaí, cupuaçu, pupunha, tucumã, guaraná, andiroba, buriti etc. Respeitamos os ciclos e as demandas de cada planta. O homem branco quer manejar tudo o tempo todo", compara. A socióloga indígena se prepara para lançar um livro - intitulado Saberes da sociobio - durante a COP30, em novembro, em Belém (PA). Em coautoria com outras mulheres do Amazonas e do Pará, Elizângela Baré assina um capítulo sobre a contribuição das indígenas do povo Baré para a sociobioeconomia. "Agora estou morando na capital paulista, para fazer o doutorado, e trouxe meu filho mais novo. Dia desses, caiu um galho em um carro e mandaram cortar a árvore inteira. Quando um galho cai na canoa de uma pessoa indígena, entendemos que ocupamos um lugar que não deveríamos, um espaço que não é nosso. Jamais um indígena derrubaria uma árvore por causa de um único galho que se desprendeu", salienta.
Para a artesã indígena, agricultora e socióloga Elizângela Baré, é preciso reflorestar o modo de pensar e agir em relação aos hábitos de cultivo (foto: Carol Quintanilha/ ISA)
PIRARUCU A SALVO
Diretora de manejo e desenvolvimento social do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), a socióloga Dávila Corrêa mora em Tefé (AM) e trabalha com povos e comunidades tradicionais da região. Ela lembra que, nos anos 1980, o pirarucu - um dos maiores peixes de água doce do mundo, capaz de atingir três metros de comprimento e pesar até 200 quilos - esteve em risco de extinção por conta da pesca predatória. Com a regulamentação da atividade pesqueira e a introdução de um manejo sustentável, houve a recuperação de 600% do estoque da população de pirarucu na Amazônia.
"Hoje, a captura desse peixe é autorizada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) entre agosto e novembro, em quantidades consideradas adequadas para garantir a continuidade da espécie. Esse ciclo de boas práticas envolve organização comunitária, interesse coletivo, proteção de lagos e territórios, monitoramento participativo (para contagem do estoque em vida livre) etc.", destaca Corrêa. De acordo com a especialista, as comunidades devem ser ouvidas, em primeiro lugar. "Precisamos trabalhar junto delas, a partir dos modos de vida locais, com processos e práticas que respeitem a natureza, a cultura e os saberes tradicionais. Os modelos devem ser viáveis e autônomos, e os planos de manejo precisam partir de quem vive nos territórios, sem perder o vínculo com a identidade local e o protagonismo social", conclui.
Após a regulamentação da atividade pesqueira e a introdução de um manejo sustentável, foi garantida a captura de pirarucu em quantidades adequadas para a conservação da espécie (foto: Miguel Monteiro)
Rumo à COP30
A cem dias da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, em Belém, o Sesc Pinheiros realiza o Fórum Movimentos pela Regeneração
A sociobioeconomia está presente em uma ampla gama de atividades produtivas, que vai de alimentos (como a castanha-do-pará, na foto) a fármacos, incluindo cosméticos, moda e vestuário, utensílios de borracha, tintas e restauração de áreas degradadas (foto: Rogério Assis/ ISA).
Entre 7 e 10 de agosto, o Sesc Pinheiros promove o Fórum Movimentos pela Regeneração - Em direção à COP30 que antecede a 30ª edição da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), prevista para ocorrer em Belém (PA), de 10 a 21 de novembro, com a participação de representantes de 198 países. O evento, na capital paulista, também marca o Dia Internacional dos Povos Indígenas (9/8).
Mais informações em sescsp.org.br/forumprecop
Confira alguns dos destaques da programação:
PINHEIROS
Fórum Movimentos pela Regeneração - Em direção à COP30
Conferência de Abertura: Esperançar diante da emergência climática
Resultantes das intervenções humanas sobre os ecossistemas da Terra, as mudanças climáticas afetam diretamente o equilíbrio da vida no planeta em várias dimensões. Como esperançar diante dessas urgências? Com Márcio Astrini (Secretário-executivo do Observatório do Clima) e Susana Muhamad (cientista política colombiana, ambientalista, ex-Ministra do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Colômbia e ex-Presidenta da COP16, a Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica). Com a debatedora Cristina Serra (jornalista, escritora e pesquisadora).
Dia 7/8. Quinta, das 16h30 às 17h30. Teatro Paulo Autran.
Mesa 1 - Resiliência nas cidades: desafios urbanos contemporâneos
Com participação de Guilherme Simões (Secretário Nacional de Periferias no Ministério das Cidades), Sílvia Marcuzzo (jornalista e consultora em comunicação), Ana Catalina Suárez Peña (diretora sênior de estratégia e inovação da The Global FoodBanking Network). Mediação da jornalista Cristina Serra.
Dia 7/8. Quinta, das 18h às 20h. Teatro Paulo Autran.
Mesa 4 - A COP na Amazônia e os desafios diante da crise climática mundial
Com presença de Nilson Gabas Júnior, diretor do Museu Paraense Emílio Goeldi; da jornalista Kátia Brasil, cofundadora e editora-executiva da agência Amazônia Real; e da ambientalista e ativista Paloma Costa, advogada e ativista climática, assessora no Instituto Socioambiental e cofundadora do coletivo Ciclimáticos. Mediação: Janaína Pochapski, assessora de Sustentabilidade do Departamento Nacional do Sesc.
Dia 8/8. Sexta, das 16h30 às 18h30. Teatro Paulo Autran.
Mesa 5 - Sociobioeconomia e Povos Indígenas
Com André Baniwa (Secretaria de Saúde Indígena do Ministério da Saúde), Jeferson "Camarão" Straatmann (Instituto Socioambiental) e Kinyapiler Johnson González (poeta, artista e ativista cultural da etnia Gunadule, do Panamá). Mediação da arte-educadora, doutora em educação e professora Naine Terena.
Dia 9/8. Sábado, das 10h às 11h30. Teatro Paulo Autran.
Mesa 6 - Que mundo está por vir?
Com Amanda Costa (internacionalista e ativista climática), Miguel de Barros (sociólogo guineense e diretor da ONG Tiniguena) e Paulo Artaxo (físico, pesquisador do IPCC e professor da USP). Mediação da jornalista Maria Zulmira de Souza. Dia 9/8. Sábado, das 12h às 13h30. Teatro Paulo Autran.
A EDIÇÃO DE AGOSTO DE 2025 DA REVISTA E ESTÁ NO AR!
https://www.sescsp.org.br/editorial/economias-da-sociobiodiversidade/#agosto25-integra
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