De Pueblos Indígenas en Brasil
The printable version is no longer supported and may have rendering errors. Please update your browser bookmarks and please use the default browser print function instead.

Notícias

Manter a floresta em pé é uma das armas na 'guerra' contra o aquecimento. É possível garantir isso?

16/08/2025

Fonte: OESP - https://www.estadao.com.br/



Manter a floresta em pé é uma das armas na 'guerra' contra o aquecimento. É possível garantir isso?
Um dos caminhos, o mercado global de bioeconomia deve atingir US$ 7,7 tri até 2030, segundo o BID; países amazônicos ainda recebem pequeno 'naco'

16/08/2025

Juliana Domingos de Lima


Os planos do Brasil para a Amazônia, do passado e para o futuro, passam por Medicilândia, no Pará. A pequena cidade na região de Altamira é hoje a capital nacional do cacau, mas já abrigou uma usina de cana-de-açúcar no meio da floresta.

A empreitada fez parte do Programa de Integração Nacional, do regime militar, que a partir de 1971 levou trabalhadores de vários cantos do País para colonizar a região, substituindo árvores por monoculturas.

O município surgiu às margens da Rodovia Transamazônica, uma das obras emblemáticas (e controversas) do período, e foi nomeado em homenagem ao general Emílio Garrastazu Médici (1905-1985), presidente na época e mentor do programa.

Hoje, sabe-se que o melhor para o desenvolvimento econômico da Amazônia e para combater a crise climática é manter a floresta em pé. Isso inclui incentivos para gerar renda de modo sustentável e pagar quem protege o verde.
"O Brasil é megabiodiverso, com potencial competitivo único. A gente precisa começar a olhar essa sociobiodiversidade de forma mais estratégica", diz Patrícia Cota, engenheira ambiental e diretora executiva adjunta no Imaflora, organização que tem o objetivo de fortalecer cadeias que ajudam na conservação.

O cacau é um cultivo tradicional no Pará que atravessa gerações. Agricultor medicilandense, João Batista cresceu ajudando a regar as mudas do pai, no sítio Baixão, renomeado como Viveiro Tabosa.

Batista viu o negócio dar um salto desde 2022: com o preço do cacau em alta por conta da mudança do clima, a demanda por mudas de qualidade cresceu, levando a família a aumentar exponencialmente a produção. "Hoje a gente tem mais possibilidades", conta.

Ele começou com duas mil mudas e deve chegar a 100 mil ainda em 2025, usando técnicas sustentáveis. O produtor emprega dez pessoas no ano, vende as mudas e as amêndoas - as áreas de plantio chegam a produzir 80 toneladas de cacau por safra.

A valorização do cacau, diz o produtor, deu uma "levantada" na cidade, com mais dinheiro para os produtores e para o comércio. "A gente não fica preso só em plantar, mas plantar para produzir com qualidade. Já está todo mundo se preparando para os novos tempos, que estão vindo com muito verão, estiagens muito grandes", diz.

O viveiro recebe apoio do projeto Sustenta e Inova, coordenado pelo Sebrae Pará, com financiamento da União Europeia e apoio do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e Embrapa.

"Muitas das vezes (produtores amazônidas) não se veem como empreendedores, mas simplesmente extrativistas", diz o diretor-superintendente do Sebrae Pará, Rubens Magno. A entidade investe na profissionalização de produtores para crescer com sustentabilidade e acessar novos mercados.

Relatório do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Instituto Igarapé, de 2024, aponta que o mercado global de bioeconomia deve atingir US$ 7,7 trilhões (cerca de R$ 41 trilhões) até 2030 e que países amazônicos têm posição privilegiada. Hoje, porém, podem receber só 0,17% desse potencial por falta de investimentos, assistência técnica e inovação.

O viveiro de Batista é uma engrenagem da máquina que precisa funcionar de forma mais eficiente e em maior escala para o Brasil não perder a Amazônia, que se aproxima do ponto de não retorno. A bioeconomia é uma das alternativas ao que impulsiona o desmatamento, como a agropecuária predatória e o garimpo ilegal.
Para Ima Vieira, pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi, também precisa operar de forma justa, sem exceder os limites da floresta e das pessoas que vivem lá. "Territórios sustentáveis são áreas em que tanto a integridade dos ecossistemas quanto a prosperidade e o bem-estar das populações estão preservadas ao longo das gerações", afirma.

Segundo ela, o País está atrasado na criação de programas de desenvolvimento social com base nos territórios sustentáveis. "É preciso criar um sistema de governança inovador, que trabalhe nas escalas territoriais maiores e não fique preso nos limites municipais."

Recuperar a floresta e pagar quem a protege
A bioeconomia e outras formas de rendimento sustentável são possíveis apenas se houver ecossistemas preservados.

Com meio bilhão de hectares, o Brasil é a segunda nação com maior cobertura florestal do mundo, mas tem uma das maiores taxas de desmate. A derrubada é o carro-chefe das emissões nacionais, sendo responsável por quase metade dos gases de efeito estufa lançados na atmosfera pelo País anualmente.

Além do balanço de carbono, a preservação é essencial para a segurança alimentar e a economia, regulando o regime de chuvas e mantendo a biodiversidade. São as florestas que sustentam a agricultura e as hidrelétricas, responsáveis por mais de 60% da energia elétrica produzida no País.

Segundo dados do MapBiomas, a superfície de água no País tem tendência de queda desde 2009. Oito dos dez últimos anos estão entre os mais secos da série histórica iniciada em 1985.

O engenheiro ambiental Tasso Azevedo, coordenador-geral do MapBiomas, não tem dúvidas de que a restauração de ecossistemas é uma das únicas soluções para evitar a estiagem generalizada. Só a Amazônia libera diariamente 20 bilhões de toneladas de água na atmosfera, formando os "rios voadores", cruciais para manter o regime de chuvas no Brasil.

Ima Vieira, do Museu Goeldi, diz que a regeneração natural é uma opção de baixo custo. Segundo ela, a Amazônia tem mais de oito milhões de hectares que podem ser restaurados dessa forma.

A ecóloga atua com comunidades do Tapajós, no Pará, na modelagem "restauração biocultural", combinando conhecimento científico sobre a capacidade de regeneração de florestas queimadas com o saber tradicional sobre quais espécies plantar e como.

Outra saída são parcerias e concessões com a iniciativa privada, de forma a gerar lucro com a preservação, financiar a recuperação de áreas protegidas e dar escala às ações. Especialistas, porém, defendem monitorar a execução dos planos.
"Esse modelo só se justifica quando respaldado por exigências ambientais rígidas, com fiscalização eficiente. Do contrário, se torna ferramenta de 'greenwashing' (marketing ambiental enganoso) e com aporte oficial", diz Ima.

O governo do Pará firmou em 2025 uma concessão, em modelo inédito, para recuperar parte de uma reserva estadual no Estado. A empresa vencedora, Systemica, diz adotar a coparticipação com as comunidades dos territórios onde desenvolve projetos de crédito de carbono. Isso significa fazer consulta prévia e planejar de modo conjunto onde serão feitos os investimentos, uma das contrapartidas previstas.

"Quando você traz Estado, setor privado, o ambiente e a dinâmica mudam. Já tem expectativa no território dos benefícios que um projeto como esse pode trazer, porque é uma oportunidade nova que surge", diz Munir Soares, presidente e fundador da Systemica.

Além de concessões e créditos de carbono, há mecanismos para remunerar florestas em pé que podem ser ampliados. Veja abaixo como cada um funciona:


Quais os mecanismos para gerar valor a partir da proteção do ambiente?


● Fundo Tropical das Florestas (TFFF)
Instrumento financeiro concebido pelo Brasil para tornar a conservação florestal economicamente vantajosa no mundo. Em fase de captação de recursos pelo governo federal, o fundo busca levantar no mercado internacional R$ 125 bilhões até 2027 para remunerar países que ainda têm florestas tropicais, devolvendo com lucro o dinheiro emprestado pelos investidores.


● Concessões florestais
Modelo existe há quase duas décadas no País, mas ganhou novo fôlego com uma mudança recente na lei, que passou a permitir a concessão de áreas degradadas para restauração. A empresa paga para recuperar uma floresta desmatada ou degradada, e pode lucrar com créditos de carbono e manejo sustentável de produtos como castanha e madeira. Como contrapartida, investe parte dos lucros no desenvolvimento da região.


● Créditos de carbono e de biodiversidade
São vendidos para empresas que precisam cumprir compromissos ambientais, como a compensação de uma área desmatada. Enquanto os de carbono são mais voltados para projetos que capturam CO2 da atmosfera, os de biodiversidade podem financiar iniciativas para proteger hábitats e reintroduzir espécies ameaçadas, por exemplo.


● Pagamento por serviços ambientais (PSA)
As terras indígenas são as áreas mais preservadas do Brasil. Dados do MapBiomas mostram que elas perderam menos de 1% da vegetação nativa nas últimas três décadas. Ainda assim, há pressões de atividades ilegais predatórias. O PSA é um mecanismo financeiro que remunera o trabalho de manutenção da floresta por essas populações, reconhecendo o valor dos serviços ecossistêmicos que garantem o abastecimento de água, agricultura, etc.

Como estão os investimentos?
Proteger as florestas inclui cortar incentivos e investimentos para cadeias que degradam o ambiente. Na esfera governamental, além da fiscalização, as estratégias para "secar a fonte" do crime ambiental têm sido cobrar multas altas dos principais desmatadores e restringir acesso ao crédito rural de propriedades com destruição da mata nativa.

Já no setor privado, a transição do mercado nacional para os investimentos verdes ainda tem sido lenta. É o que avalia Luciane Moessa, ex-procuradora do Banco Central e diretora executiva e fundadora da Associação Soluções Inclusivas Sustentáveis.

Segundo ela, há iniciativas no mercado de capitais que financiam restauração de pastagens degradadas e agricultura regenerativa, o que é um avanço, mas elas ainda representam porcentual muito pequeno.

Um dos desafios é que o setor financeiro deixe de olhar para dados de desempenho passado e comece a trabalhar com projeções dos setores que considerem o cenário climático. Com o aquecimento global, atividades que eram lucrativas no passado podem estar "com os dias contados".

"O capital é o mesmo. Ele pode estar indo para uma atividade que degrada o meio ambiente ou que traz benefício climático e socioambiental", afirma Luciane Moessa.

https://www.estadao.com.br/150-anos/terra-em-transformacao/manter-a-floresta-em-pe-e-uma-das-armas-na-guerra-contra-o-aquecimento-e-possivel-garantir-isso/
 

As notícias publicadas no site Povos Indígenas no Brasil são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos .Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.