De Pueblos Indígenas en Brasil

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Os 'índios' que não tinham nome

05/09/2025

Autor: Énh Xym Akroá Gamella

Fonte: Sumauma - https://sumauma.com



Ainda é noite quando os primeiros passos tateiam a terra. O barulho do desarme das redes de dormir anuncia que a caçada vai começar. A mata está molhada de sereno, e a visão, turva, tenta se adaptar ao escuro. O Sol vai surgindo, e uma névoa se mistura à fumaça que sobe das brasas acesas da noite anterior. Corpos se movem, e os cantos e rugidos das Cachorras e dos Cachorros se intensificam. Bilibeu chegou. É o chamado da Encantaria. Hoje é dia dos Akroá Gamella. Hoje é dia de Bilibeu na Terra Indígena Taquaritiua, em Viana, no Maranhão, e tudo o que se vive e se sente até a noite vem da memória de um povo que teima, resiste e vive.

"É um tempo de expressão da abundância, contra aqueles que sempre falaram de nós como pessoas pobres, como quem não tem nada. O ritual é o tempo de demonstrar que nós temos muito", diz Kum'tum Akroá Gamella, do Conselho de Lideranças Akroá Gamella.

No Maranhão existem vidas que o Brasil das caravelas nunca quis registrar. Vidas que resistiram a repetidas tentativas de aniquilação com sangue ou papéis forjados em cartórios. Os Akroá Gamella, como tantos outros povos, foram considerados "extintos" pelo Estado brasileiro. Essa palavra - extintos - carrega uma tentativa violenta de apagar existências e encerrar histórias que seguem vivas, apesar de tudo.

No Bilibeu, as Cachorras e os Cachorros não são só bichos. Eles são presença e parte de um mundo encantado, que se revela por meio dos corpos dos Akroá Gamella. O corpo humano se deixa atravessar pelos espíritos de bichos, transformando-se em corpos que abrigam outros seres. Tornam-se presenças híbridas, ao mesmo tempo humanas e animais, materiais e espirituais. São corpo-espírito em ação.

O Sol vai surgindo, mas quem guia o dia não é o relógio. É o som do maracá e suas sementes, junto com os gritos dos Cachorros ("ur ur ur"), que vão abrindo caminho, chamando os encantados e anunciando que os Akroá Gamella estão vivos. No centro do pátio, a fogueira se desvanece aos poucos. Crianças, jovens e adultos, homens e mulheres, cada um sabe o que fazer, sem precisar que alguém o diga.

Para nós, os Akroá Gamella, o Bilibeu não começa. Ele se revela. Se manifesta.

Bilibeu, também conhecido como Bilibreu ou Oracio, é um nome que vem de tempos antigos. É um ritual que entrelaça festividade a espiritualidade, com passos que convidam tanto os encantados quanto os vivos a correrem juntos. É uma caçada, mas também uma oferenda. É preparação do corpo e da fertilidade, mas também celebração. E é nesse movimento que o Bilibeu se sustenta. Uma forma de retomar a memória, a vida em comunidade e sua tessitura com a roça, os rios, as pajelanças e a terra.

O Sol já se despiu. Bilibeu nomeia seus Cachorros. É hora da caçada. Água fria é derramada sobre a cabeça dos Akroá Gamella, em sinal de nascimento e fertilidade. Quem sai à frente são os predadores, já incorporados nos Akroá Gamella: a Onça e o Gato-maracajá. Estão sedentos. A primeira caça precisa ser certeira. Logo se vê: 14 Galinhas e dois Patos, corpos ofertados pelas aldeias mais distantes, entregues no dia anterior. As caças são lançadas ao alto, e um punhado de Cachorros avança. É matança. Sangue jorra. Correm com a presa na boca em direção a uma árvore. Um caçador ergue o braço e atira para o alto. É o sinal: a presa foi pega. O território está alimentado. O ritual continua.

Seguem.

Nas pisadas de gente pintada de preto-Jenipapo, vermelho-Urucum e preto-carvão, nos risos das crianças correndo com cabeças de Galinha no pescoço, nos olhares dos mais Velhos que nunca deixaram de ensinar seus filhos a lutar mesmo quando os chamaram de "pseudoindígenas" se reafirma e se reescreve a história de um povo.

"Nós [os Akroá Gamella] não perdemos. Eles [os colonizadores] não venceram tudo. A vitória deles seria o [nosso] extermínio completo, o que eles não conseguiram até hoje.[...] Apesar da proibição da nossa língua no século 18, apesar de toda a opressão. A gente foi reinventando a vida, reinventando a cultura, como processo dinâmico, permanente. [...] É como uma brasa sob as cinzas. De repente a gente nem sempre consegue compreender como é que, onde não parece ter vento, essa brasa que parecia estar morta ganha vida, consegue formar labaredas. Eu penso sempre nisso, a colonização não venceu, e a prova disso é que nós estamos aqui", continua Kum'tum Akroá Gamella.

As palavras de Kum'tum falam de um povo que resistiu à guerra, à cruz, à proibição da língua, aos cercamentos da terra e do espírito. Essa resistência, tecida por gerações, é relembrada nas palavras de Pjic're Akroá Gamella, antiga representante do Conselho de Lideranças Akroá Gamella e neta de Leocádia, uma das mulheres que deram os primeiros passos na luta pela retomada. Ela lembra que as cercas chegaram aos poucos, cortando o mato e empurrando o povo para um pedaço cada vez menor do território.

"Foi quando os homens [os grileiros] começaram o recorte da terra. Cortavam aqui, cortavam ali. E os Akroá Gamella tentavam, de todo jeito, segurar as pontas do pouco mato que ainda restava: os lugares onde se podia fazer roça, os poucos pontos de pesca que ainda existiam, e que precisavam ser preservados para continuar dando vida ao povo que estava aqui. Porque os arames estavam chegando... cada vez mais perto, cada vez mais perto do povo", relembra Pijc're (lê-se Picrê).

A memória da avó, Leocádia, segue viva no corpo e na fala de Pijc're: "Quando ela levava a gente para campo, colocava a gente na frente e dizia: 'O rumo da nossa terra passa por aqui'.

Ela sempre repetia: 'Eu não sei se vou chegar a ver, mas vocês ainda vão ver onde ficam as Três Marias da nossa terra, as pedras que marcam cada canto desse território'".

Não há registro exato da gênese de Bilibeu. Ele sempre esteve entre nós. Mas nem sempre foi celebrado no dia 30 de abril, como aconteceu neste ano. Em 2016, o ritual foi evocado numa quarta-feira de Carnaval, como em anos anteriores. Um ano e 79 dias depois, era domingo. Os bares do território tocavam reggae e seresta, como de costume. Mas o som que rasgou o fim do dia não foi de música, e sim de tiros.

O 30 de abril de 2017 ficou marcado como o dia que tentaram calar a bala a luta e a vida dos Akroá Gamella. Um ataque violento e sangrento à re-existência de um povo que voltava a se nomear, a juntar os cacos do silêncio, a anunciar: "sempre estivemos aqui".

"O silêncio calou por muitos anos o povo Akroá Gamella. Não era o povo Akroá Gamella, eram 'os índios'. Os índios que não tinham nome", diz Pijc're Akroá Gamella.

Eu, que agora narro este ritual, sou uma pequena rama do povo Akroá Gamella. Somos originários do tronco linguístico Macro-Jê e habitamos o território Taquaritiua, no Maranhão, que se estende por áreas dos municípios de Viana, Matinha, Penalva, Pedro do Rosário, Cajari e Monção. Nossas casas e corpos se espalham pelas aldeias Cajueiro Piraí, Taquaritiua, Centro do Antero, Barreiro II, Tabocal, Claras, Tabarelzinho, Pucú, Prequeú, Ricôa, Porto Grande, Ribeirão, Curva da Formiga, Santeiro, Santa Luzia I, Capoeira, Meia Légua, Carpina, Laranjal, Aquiri, Carneiro, Nova Vila, Estrela Dalva, Estrela de Santana, Estrela do Norte, Piraí, Estrada de Rafael, Piçarreira, Tarumã, Conceição,, Santa Cruz, Pimenta, Macaxeira, Santa Luzia II e Santa Maria dos Tejus. E porque somos um povo em retomada, outras aldeias seguem sendo formadas ao ritmo das nossas decisões coletivas.

A retomada é da terra, da identidade, da espiritualidade, da educação feita por nós e para nós, da saúde que respeita nossos corpos, da língua que resistiu no fundo da garganta dos mais Velhos. Plantamos nossa autonomia alimentar e devolvemos às crianças seus nomes originários no registro civil. Tudo isso é feito com os pés fincados no esteio da memória dos nossos Velhos.

Bilibeu ganha corpo à medida que atravessa o território. No início, eram cerca de 50 Cachorros à frente, abrindo caminho. Agora, o corpo se expande, ganha forma e se afirma: somos muitos. Somos Akroá Gamella em movimento. Cerca de 300 pessoas seguem unidas, o território está vivo e ele tem dono. E quando o pescoço da Galinha gira, não gira só o corpo. Gira o tempo. Gira a narrativa. É como se a teia que interliga vida e história fosse tecida de novo. Cada movimento, cada presença costura o ontem, o amanhã e o agora no Bilibeu.

Quem olha de fora talvez enxergue apenas um ritual. Mas quem vive Bilibeu sabe que ele é uma reescrita. Uma reescrita do ser Akroá Gamella.

E reescrever essa história também tem sido um ato coletivo. Além das pisadas dos nossos, há pegadas de aliados que caminham juntos. Entre eles, o Conselho Indigenista Missionário. Rosimeire Diniz Santos, do Cimi no Maranhão, tem acompanhado essa caminhada: "No processo [de retomada] com o povo Krenyê a gente foi reencontrando o povo Akroá Gamella. Em 2013, esse acompanhamento ficou mais forte, visitando o território, algumas comunidades, pesquisando, compreendendo a história. Em 2014, a gente contribui já com esse povo a fazer uma ata de autodeclaração, falando para o Estado da sua existência, da necessidade de demarcação de um território", recorda Meire.

Meire lembra que retomar a terra é também retomar a cultura, a história e o próprio tempo: "Esse bem viver, esse tecer de territórios, passa por um processo de descolonização: descolonizar-se, desconstruir marcas coloniais, para reconstruir o bem viver a partir da própria organização, da memória, da história e da relação com a Natureza e consigo mesmo".

E Bilibeu segue. Cada ano mais forte, mais firme. Como diz Kum'tum Akroá Gamella: "Ele tem ganhado mais vida, mais energia, à medida que retoma também uma dimensão importante do ritual, que é da demarcação do território, da construção de uma territorialidade. A gente se entende como um povo, o povo Akroá Gamella, que vive num território em disputa há muito tempo, com um projeto de morte, de colonização. Mas, da nossa parte, existe uma convicção profunda de que este é o nosso lugar e que tem que ser defendido".

As aldeias Taquaritiua, Cajueiro Piraí e Nova Vila já estão demarcadas pelas pisadas. Os Cachorros já mataram 39 caças. O corpo físico segue em jejum, mas ainda com fome de carne. Pelo caminho à frente, estreito, só passa um por vez. É o caminho do Tronco Velho. E nesse caminho o corpo presente está ligado à ponta da rama de um tronco antigo. A rama somos nós, Akroá Gamella, que seguimos vivos hoje. O tronco são os mais Velhos, que vieram antes de nós e que sustentam a nossa história. Por isso, cada passo nesse caminho é também andar com quem veio antes. Com os nossos ancestrais.

Mas não é só pela raiz que o caminho do Tronco Velho é lembrado. Em 30 de abril de 2017, ele foi também rota de fuga. Naquele dia, os Akroá Gamella tentavam retomar uma nova porção do território. Mas a resposta veio com chumbo, com facão, com gritos de ódio de grileiros, políticos, pastores e comerciantes da região. Eles não estavam sós. Tinham ao lado a conivência do Estado, que, em vez de proteger, questionou nossa identidade e legitimidade, reproduzindo o discurso dos agressores ao falar em "supostos Indígenas" e "supostas Terras Indígenas".

A emboscada foi covarde e calculada. Vieram em dezenas, armados. Cercaram, atacaram, mutilaram. As mãos de Aldeli Akroá Gamella e Zé Canário Akroá Gamella foram decepadas, não por acaso, mas por método. Os joelhos, golpeados como se seus corpos fossem pragas a serem punidas por não aceitarem as cercas de arame farpado da grilagem da Terra Indígena Taquaritiua. A mensagem era clara: estancar o avanço das retomadas territoriais. Mas erraram na medida. Porque mesmo com a dor que ficou no corpo, na memória e na política, mesmo sem justiça ou reparação, seguimos. Seguimos com os pés feridos, mas firmes, guiados por algo mais antigo do que o medo.

Os Cachorros chegam à Aldeia Santeiro. Os passos são firmes no asfalto quente. Braços dados, corrente humana. E as bocas se abrem: "Oê João Piraí, tu é brabo, eu sou maroto, quem manda nesse território é tu, não é outro".

Avançam então pela mata, agora na Aldeia Centro do Antero. Percorrem mais alguns quilômetros. Os pés começam a pesar. Com mais algumas caçadas, o ritmo diminui. A saída é na Aldeia Porto Grande. Cachaça, conhaque na boca. A fome aperta. Que gente é esta? Que povo é este?

É quarta-feira. As pessoas não Indígenas, muitas das quais já negaram nossa identidade ou ensinaram seus filhos a nos repelir, espiam pelas janelas. Algumas pegam os celulares para filmar "os índios". E é aqui que o povo se junta. Se junta para mostrar que está vivo, fincado, em pé. E que seguirá lutando. Lutando pelo bem viver, pela Floresta em pé, pelos encantados que caminham juntos e pelos netos dos netos dos que ainda virão.

Em tempos em que o Brasil insiste em destruir povos-floresta, Bilibeu é ato de subversão. "O Bilibeu traz pra nós essa memória ancestral, ao mesmo tempo que nos coloca com o olhar pra frente, na perspectiva de defender este lugar como o lugar da nossa existência, o lugar onde a nossa existência se faz e se refaz. O Bilibeu é uma síntese de toda a vida neste território de troca, de compartilhamento, de passagem, de demarcação, de construção do futuro, sobretudo num tempo em que nós estamos e também os não Indígenas estão preocupados com o que chamam de mudança climática, por conta da destruição da terra, da destruição das águas. Então para nós é um tempo de olhar pra frente e dizer que nós continuaremos lutando por nós e por todos aqueles que nos dão as mãos", diz Kum'tum.

Olhar para a frente é também lutar pela punição dos que deceparam corpos. A investigação do ataque de 30 de abril de 2017 contra os Akroá Gamella foi arquivada sem sentença. O processo de número 1005665-06.2019.4.01.3700 não gerou responsabilização criminal. A Defensoria Pública da União, o Cimi, a Comissão da Pastoral da Terra e a Associação do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu reivindicaram o desarquivamento do inquérito policial para que as autoridades federais comprovassem o cumprimento das ordens judiciais fixadas.

A Justiça Federal havia determinado que todas as investigações sobre o ataque fossem conduzidas com base no reconhecimento do povo Akroá Gamella como comunidade indígena, contrariando os documentos das investigações policiais que negavam nossa existência. A decisão ordenou ainda o desentranhamento, a retirada dos autos de todos os relatórios e informações que propagavam discursos discriminatórios e preconceituosos contra nós, além de fixar um prazo de 90 dias para que a Polícia Federal concluísse o inquérito com base nessa premissa. Mas a Defensoria Pública da União apontou que o cumprimento dessas ordens nunca foi comprovado, e então pediu o desarquivamento do caso. A Justiça negou o pedido alegando falta "de utilidade processual".

O inquérito foi arquivado em maio de 2024, sem denúncias nem julgamento. Ninguém foi acusado, ninguém foi punido. O caso, embora registrado como o segundo episódio mais violento de luta por terra no Maranhão, foi empurrado para as gavetas dos arquivos judiciais, e as mãos decepadas, os corpos feridos e os direitos violados dos Akroá Gamella foram reduzidos a estatísticas.

Mas retomamos. E mesmo em jejum, mesmo com a fome crescendo, os passos seguem firmes sob o Sol do meio-dia, por horas.

São 2 da tarde, cerca de 25 quilômetros já foram percorridos pela Terra Indígena Taquaritiua. As Cachorras e os Cachorros comem pela primeira vez.

Pés na piçarra, gente mancando. O céu anuncia chuva. Ela vem. Os pingos correm pelos corpos, aumentam, doem na pele. A água se junta à terra. Formam-se poças. A demarcação com os pés avança, agora passando pela região conhecida como São Miguel, onde estavam muitos dos que, no dia 30 de abril de 2017, ficaram do outro lado, ficaram contra. De um lado, os Akroá Gamella, retomando parte do território de onde foram expulsos no passado. Do outro, agricultores, alguns com poucas cabeças de gado, pequenos roçados, gente que conhecia os Akroá Gamella e que viu a luta desde o começo. Muitos moram ali há décadas. Mas, quando a retomada começou, foram puxados para o outro lado por influência de gente graúda, políticos locais, empresários, os donos de fazenda com título suspeito dentro da Terra Indígena. Foram usados como linha de frente de um conflito que não começou com eles, e entre eles também houve feridos. Gente com pouco sendo jogada contra quem só quer existir.

Retornamos à Aldeia Santeiro. Aqui, a caçada termina. Esta é a entrada principal da Terra Indígena Taquaritiua. A estrada que antes era terra agora é asfalto. É a corrida grande, a corrida final. O território está quase todo percorrido.

Bilibeu não é fixo. A cada ano, ele conflui para outras matas, asfaltos, outras aldeias, outros territórios.

Os braços seguem entrelaçados como cipós, vozes firmes entoam cantos que reafirmam: este é o nosso lugar, nossa morada. Chegamos à retomada. Antes, era fazenda, fruto da grilagem que tentou arrancar a terra e a história de nosso povo. Mas os mais Velhos contam que muito antes das cercas e da posse ilegal, ali era território de encontro dos Velhos Akroá Gamella. Lugar onde se construía vida coletiva e de partilha. Antes da violência, do gado, do latifúndio e dos fazendeiros, ali era morada de um povo. A retomada é a afirmação de que, apesar da grilagem, da exclusão e do apagamento, os Akroá Gamella não se extinguiram.

Na mão do grileiro, papel virou arma. A sesmaria virou cerca, virou escritura falsa, virou portão com tranca. Tentaram carimbar o esquecimento de um povo. Mas esqueceram que a terra não obedece ao papel. O encantado, então, muito menos.

Em conversa, Maria Janete Albuquerque de Carvalho, diretora de proteção territorial da Fundação Nacional dos Povos Indígenas, a Funai, desenhou o caminho que a demarcação da Terra Indígena Taquaritiua ainda precisa trilhar. O trabalho de campo já foi concluído. Agora, as informações vão virar relatório feito por um grupo de trabalho da Funai. E a primeira versão desse documento chegará às mãos do órgão em breve. E é aí que começa outro tipo de vigília: a análise técnica. "A gente lê querendo derrubar o relatório. Por quê? Porque quando [a Funai] publicar, ninguém derruba. Então a gente tem um olhar muito crítico", explica Janete.

Passada essa etapa, o processo entra para uma fase mais sensível: a identificação dos ocupantes não Indígenas que hoje estão sobre o território reivindicado, para entender os desafios fundiários. Só então será possível delimitar onde começa e onde termina a Terra Indígena Taquaritiua.

A terra que foi aldeia, que virou fazenda, é aldeia de novo. Mas não como era. Porque retomada não é volta. É torção do tempo. Não se trata de recuperar por completo o passado, mas de reativar a existência. Reencantar o que parecia seco. Romper o silêncio imposto e fazer da memória movimento. É quando o corpo volta a andar onde os pés haviam sido proibidos.

Bilibeu é capturado. Ele (Bilibeu) é personificado numa escultura de madeira. Seu corpo talhado tem a pele escura e os olhos pequenos que parecem vigiar quem o observa. O Gato-maracajá e a Onça são abatidos, carregados em um tronco de Juçara. São levados ao centro onde está Bilibeu. É ali que começa o engano. Fingem-se de mortos. Imóveis, como se a caçada tivesse terminado. Mas logo o engano se revela. Eles escapam de novo, correm pelo pátio até serem capturados outra vez, e a perseguição recomeça.

Bacia na cabeça com a comida dos Cachorros, folhas de Bananeira dobradas sobre os ombros. Ao chegar ao pátio da aldeia, não há pratos: a comida é posta direto no chão, sobre as folhas de Banana. Os Cachorros vêm em bando. Se rastejam, se empurram, se mordem. A comida, aos poucos, se mistura à terra. E, nessa mistura, até o osso é um pedaço do território.

Partem para o corte da cabeça do Galo. Uma venda cobre os olhos. Quem vai acertar?

Na segunda tentativa, Cohtap dá um passo.

Dois passos.

Os Akroá Gamella em volta gritam em sinal de proximidade da cabeça do Galo.

Três passos.

O facão afiado acerta em cheio a cabeça do Galo. É Bilibeu outra vez.

Não é o fim do ritual e da caçada. É o meio da história dos Akroá Gamella. Uma história que se refaz com os pés, com o grito. E nessa história, o gado já não pasta. O papel já não manda.

Enquanto houver Bilibeu, haverá Akroá Gamella. Enquanto houver Akroá Gamella, Bilibeu seguirá vivo.

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