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Relatório analisa avanços e retrocessos da situação dos povos indígenas no Brasil a partir de recomendações da ONUteste rpu
07/10/2025
Fonte: Iepé - https://institutoiepe.org.br/2025/10/relatorio-analisa-avancos-e-retrocessos-da-situacao-dos-
Relatório analisa avanços e retrocessos da situação dos povos indígenas no Brasil a partir de recomendações da ONUteste rpu
Coletivo formado pela sociedade civil concluiu que, de todos os compromissos assumidos diante da ONU para melhorar a situação dos povos indígenas, apenas 5 foram plenamente cumpridos
data 07.10.25
Texto: Iepé
O Coletivo RPU Brasil, publicou recentemente o informe "4o Ciclo da RPU - Relatório de Meio Período", documento que analisa a situação dos direitos humanos no país, a partir das recomendações que o Brasil recebeu nas Nações Unidas durante sua passagem pelo 4o Ciclo da Revisão Periódica Universal (RPU). A RPU é um mecanismo periódico e permanente das Nações Unidas, pela qual passam todos os 193 países da ONU a cada quatro anos. O objetivo é verificar o cumprimento das obrigações e compromissos de direitos humanos de cada país.
O relatório do Coletivo RPU analisa a situação de implementação e promoção dos direitos humanos a partir das recomendações recebidas pelo Brasil, em 2022, quando o país foi avaliado no Conselho de Direitos Humanos. O relatório traz análises sobre a situação da saúde, educação, racismo, igualdade de gênero e diversos outros aspectos dos direitos humanos no Brasil. O capítulo sobre povos indígenas foi coordenado pelo Instituto Iepé.
Fundado em 2017, o Coletivo RPU Brasil congrega 39 organizações, associações e redes da sociedade civil brasileira, incluindo o Instituto Iepé e a RCA. Seu objetivo é monitorar os direitos humanos no país sob a ótica dos compromissos assumidos diante da ONU (Organização das Nações Unidas). O Coletivo tem, ao longo destes anos, elaborado relatórios em que se analisam o cumprimento das recomendações dos diferentes ciclos de avaliação que o Brasil passou na ONU. O relatório publicado em setembro corresponde ao relatório de meio período do 4o ciclo e evidencia que, apesar de alguns avanços, o país está longe de cumprir com as recomendações recebidas.
O documento analisou 245 recomendações de um total de 306 recomendações recebidas pelo país em 2022 - deste total, apenas 2,8% foram plenamente cumpridas. A análise ainda revelou que 3,2% das recomendações sofreram um retrocesso, 53,8% foram parcialmente cumpridas e 40% delas não foram cumpridas.
O Relatório dedica 23 páginas à situação dos povos indígenas. Eis o saldo final das 38 recomendações analisadas:
5 cumpridas
12 parcialmente cumpridas
17 não cumpridas
4 não cumpridas e em retrocesso
Ao fim desse texto você encontra o detalhamento das 38 recomendações e seus respectivos status.
"Eu diria que, de modo geral, as recomendações que o Brasil recebeu voltadas à proteção dos povos indígenas e de seus territórios seguem sem implementação efetiva e são motivo de preocupação", afirma o antropólogo Luis Donisete Benzi Grupioni, coordenador executivo do Iepé e que coordenou o grupo de organizações que elaborou a avaliação das recomendações indígenas.
"As políticas públicas voltadas a sua proteção e de assistência seguem com sérias deficiências. Há um aumento na violência contra os povos indígenas e, apesar de ter sido retomada, há lentidão nos processos de reconhecimento territorial, o que contribui para o aumento da violência contra lideranças indígenas em vários lugares do país", conclui Luis. Além do Instituto Iepé, também contribuíram COIAB, Instituto Socioambiental, RCA, CIMI e o Observatório dos Protocolos de Consulta.
Confira o relatório completo - o capítulo sobre os povos indígenas está entre as páginas 69 e 92.
Entre os principais avanços alcançados a partir de 2022, o Relatório destaca "a criação do Ministério dos Povos Indígenas, a recomposição do orçamento para as ações de proteção aos povos indígenas e ao meio ambiente e a retomada dos procedimentos de regularização dos territórios indígenas".
A maioria das pautas analisadas, porém, retrocedeu ou estagnou. A exemplo da própria demarcação de territórios: é positivo que esses processos estejam sendo retomados, mas a lentidão com que as novas demarcações estão sendo conduzidas é considerada problemática.
O relatório demonstra que, sem maioria parlamentar, o executivo assiste o desmonte do arcabouço jurídico de proteção aos povos indígenas e meio ambiente, em troca de uma suposta governabilidade e de pautas macroeconômicas. O atual Congresso Nacional é apontado como protagonista do maior enfraquecimento na legislação ambiental e indigenista dos últimos anos.
Abaixo, um breve resumo dos principais ameaças aos povos indígenas apontados pelo Relatório:
Marco temporal
"O Congresso Nacional aprovou, em 2023, a Lei 14.701/2023, impondo algumas teses como critérios para demarcação de terras indígenas, a exemplo do marco temporal, o qual torna nula todas as demarcações que não atendam aos preceitos nela estabelecidos e veda o reestudo de terras já demarcadas. Deste modo, a lei causa um impacto desastroso aos povos
indígenas que aguardam há mais de 36 anos a demarcação de seus territórios pelo estado brasileiro. Percebe-se, então, que atualmente temos o paradoxo de uma decisão do STF declarando a inconstitucionalidade do marco temporal e, por outro lado, uma Lei emanada do Poder Legislativo que firma exatamente o contrário."
Mineração
"O PL 191/2020207, o qual foi expressamente recomendado que não fosse aprovado, por ser de autoria do governo federal brasileiro, foi retirado com a nova gestão assumida pelo presidente Lula. Entretanto, o presidente do Senado Federal, senador Davi Alcolumbre, criou um Grupo de Trabalho com o objetivo de elaborar um projeto de lei para regulamentar a atividade de mineração em terras indígenas. A tentativa de liberação de mineração nos territórios indígenas representa o avanço desenfreado da sobreposição dos interesses privados sobre os interesses públicos, e em nenhuma hipótese há priorização dos interesses indígenas. A própria composição do GT revela esse fato, já que o grupo é presidido pela senadora Tereza Cristina, uma das líderes da bancada ruralistas e defensora de interesses flagrantemente opostos à defesa dos direitos indígenas."
PL da Devastação
"Para além dos ataques aos direitos dos povos indígenas, o Senado Federal também aprovou o PL 2.159/2021211, conhecido por "PL da Devastação", configurando o maior ataque à legislação ambiental das últimas quatro décadas. A nova Lei Geral do Licenciamento tende, segundo especialistas, a agravar a degradação ambiental e pode resultar em desastres e riscos à saúde e à vida da população."
Demarcação de Terras Indígenas
"No Brasil, mais de um terço das Terras Indígenas não têm a segurança jurídica, que a finalização do processo de demarcação garante, para a posse plena das comunidades indígenas. Durante seu terceiro mandato à frente da presidência da República, Lula retomou a agenda da demarcação de Terras Indígenas, após quatro anos de paralisação durante o governo Bolsonaro. No total, até o momento foram homologadas 13 áreas e outras 10 foram declaradas pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP)214. A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) aprovou os estudos de identificação de três Terras Indígenas e constituiu 32 Grupos Técnicos para estudos de identificação e delimitação. No que se refere à proteção de áreas para povos indígenas isolados, duas áreas tiveram o acesso restrito pela Funai. Ainda durante o trabalho da equipe de transição entre governos, foram listadas 14 Terras Indígenas sem nenhuma pendência para homologação, que deveriam ser homologadas nos primeiros 100 dias de governo. No entanto, neste período, apenas seis Terras Indígenas foram homologadas.
A Constituição Federal do Brasil de 1988 reconheceu aos povos indígenas o 'direito originário às terras que tradicionalmente ocupam', responsabilizando à União pela demarcação e proteção
das terras indígenas. No entanto, segundo os dados oficiais do Estado Brasileiro, em 2024 existem 291 Terras Indígenas com alguma pendência no procedimento administrativo de demarcação."
Violência contra povos indígenas
"A violência contra os povos indígenas, dentro e fora de seus territórios, persistiu durante o período 2023-2024 no Brasil. A demora no processo de demarcação e regularização das terras indígenas sustenta um ambiente de insegurança física e jurídica, que é aproveitado por grupos organizados para manter a pressão e as ameaças sobre as comunidades. De forma particular, as iniciativas comunitárias de retomadas de seus territórios tradicionais, diante da lentidão dos procedimentos administrativos de demarcação, tiveram como resposta frequentes ataques armados de milícias auto-organizadas. Em muitos destes casos destacou-se a participação de Forças de Segurança Pública, seja por ação ou omissão, seja em operações de serviço ou infiltrados nos grupos armados."
Desmatamento
"O governo retomou o Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM), lançando sua 5ª edição, com o objetivo principal de zerar o desmatamento da Amazônia até 2030. O PPCDAM teve quatro edições anteriores e foi interrompido em 2019 pelo governo, quando o desmatamento atingiu patamares escandalosos, representando o maior retrocesso ambiental da história do país. No caso das áreas protegidas, houve um aumento de 94% no desmatamento, comparado com os anos anteriores. E isso teve relação direta com o desmonte dos órgãos de gestão ambiental, não reconhecimento de terras indígenas e quilombolas, enfraquecimento da gestão das unidades de conservação e paralisação das ações de comando, controle e fiscalização de crimes no interior das áreas protegidas. Após esse esforço persistente do governo Bolsonaro com o desmonte das políticas de gestão ambiental e de combate ao desmatamento, verifica-se um movimento consistente na atual gestão para retomar a governança ambiental no país e enfrentar o problema do desmatamento. Além da 5ª. edição do PPCDAM, houve a criação da Secretaria Extraordinária de Controle do Desmatamento e Queimadas, articulando as ações dentro do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças do Clima. Ainda no que se refere ao combate ao desmatamento, houve a retomada das atividades do Fundo Amazônia, permitindo destravar mais de R$ 3 bilhões para ações contra o desmatamento e apoio financeiro às atividades sustentáveis na região."
O relatório de meio período elaborado pelo Coletivo RPU foi lançado em Genebra, em setembro, em evento paralelo à reunião do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.
Confira as recomendações analisadas e seus respectivos status:
CUMPRIDAS PARCIALMENTE CUMPRIDAS NÃO CUMPRIDAS NÃO CUMPRIDAS E EM RETROCESSO
149.264 Fortalecer as agências indígenas e ambientais através de recursos adequados e proteção contra interferências
149.257 Proteger os povos indígenas contra ameaças e ataques e garantir seu direito à terra, em particular retomando e completando os processos de demarcação de terras, fornecendo recursos adequados para a Fundação Nacional do Índio, reconhecendo plenamente as Consultas Autônomas e Protocolos de onsentimento, e fortalecendo Ordens de Proteção da Terra
149.69 Estabelecer diálogos, programas e medidas em consulta aos povos indígenas e população afro-brasileiras, que combatam o racismo, previnam a discriminação e a violência e promovam a igualdade étnica e racial
149.34 Reforçar a proteção legislativa das terras indígenas e dos ecossistemas florestais na Amazônia em conformidade com as leis e normas internacionais de direitos humanos, e aumentar a presença da polícia para abordar as atividades prejudiciais ao meio ambiente
149.266 Fortalecer as agências brasileiras encarregadas da proteção do meio ambiente e dos direitos de povos indígenas
149.258 Acelerar a implementação da demarcação de terras em
conformidade com a Constituição de 1988 e proteger as terras demarcadas contra invasões e degradação, especialmente o desmatamento
149.77 Implementar as recomendações anteriores com vistas a reduzir o
nível de violência e discriminação contra pessoas pertencentes a povos indígenas, comunidades tradicionais e pessoas em situações de
vulnerabilidade, incluindo crianças, mulheres e pessoas com deficiência
149.35 Abster-se de aprovar legislação que enfraqueçam a proteção legal de terras indígenas e quilombolas, reservas ambientais e outras áreas ambientalmente protegidas
149.268 Garantir recursos adequados às instituições responsáveis pelos assuntos indígenas, particularmente a Funai
149.259 Retomar imediatamente a demarcação de terras indígenas conforme prescrito pela Constituição brasileira, sem impedimentos legislativos, e garantir a proteção dos territórios demarcados contra invasões, mineração ilegal e grilagem de terras
149.78 Continuar a implementar programas e esforços visando a proteção de pessoas de origem africana, indígenas, pessoas com deficiência, mulheres e crianças, a fim de garantir a igualdade de oportunidades para todos os segmentos da população
149.36 Retirar as sete propostas legislativas processadas dentro do
Congresso Nacional brasileiro que arriscam causar danos irreversíveis ao ecossistema brasileiro e às pessoas pertencentes a povos indígenas
149.273 Promover os direitos constitucionais dos povos indígenas,
retomando sem demora o processo de demarcação de suas terras alocando recursos financeiros e humanos suficientes para protegêlos, bem como fortalecendo de forma sustentável instituições-chave como a FUNAI
149.263 Implementar e fortalecer mecanismos de proteção para os povos indígenas e seus territórios, com atenção especial aos grupos em isolamento voluntário
149.79 Continuar os esforços para garantir os direitos fundamentais e
fornecer assistência a mulheres, crianças e adolescentes, pessoas idosas, comunidades e povos indígenas, assim como pessoas com deficiência
149.37 Garantir o direito à terra e aos recursos naturais de povos indígenas, não aprovando os projetos de lei 2159/2021, 510/2021, 2633/2020, 490/2007 e 191/2020 atualmente tramitando no Congresso Nacional
149.274 Promover os direitos dos povos indígenas, inclusive reforçando
a aplicação das leis em terras indígenas demarcadas de acordo com as obrigações constitucionais; assegurando que as agências de política
públicas para povos indígenas tenham recursos adequados; e continuando a avançar na implementação da Declaração das Nações
Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
149.270 Tomar medidas decisivas para acabar com a invasão das terras indígenas e garantir o exercício dos direitos coletivos dos povos indígenas a suas terras, assim como todos os outros direitos dos povos indígenas
149.81 Reforçar as medidas de proteção para a população afrodescendente e povos indígenas
149.271 Adotar medidas para garantir aos povos indígenas o direito de
propriedade e posse sobre terras e territórios, incluindo a implementação de um programa de demarcação e regularização
149.96 Assegurar investigações rápidas, independentes e imparciais de todos os casos de violência, ameaças, assédio e assassinatos de jornalistas, pessoas defensoras de direitos humanos, povos indígenas e atores da sociedade civil, e responsabilizar todas/os as/os perpetradores
149.272 Redobrar os esforços no âmbito do processo de demarcação de
terras indígenas
149.267 Reforçar os mecanismos de proteção dos direitos humanos dos
povos indígenas
149.275 Fortalecer o processo de demarcação das terras de povos indígenas e comunidades quilombolas e garantir a plena participação
de povos indígenas nas medidas legislativas e administrativas que os
afetam
149.211 Aumentar a participação significativa da sociedade civil nos assuntos públicos, especialmente para a inclusão de povos indígenas e das mulheres nos processos de tomada de decisão
150.17 Concluir os processos pendentes de demarcação de terras,
rejeitar a tese do "marco temporal" e garantir que os Povos Indígenas sejam protegidos de ameaças, ataques e despejos forçados
149.260 Respeitar o direito dos povos indígenas ao consentimento prévio, livre e informado, estabelecendo procedimentos formais e
inclusivo
149.195 Tomar medidas abrangentes para deter o desmatamento e proteger os povos indígenas, e garantir sanções criminais para os
grileiros de terra e poluidores
149.261 Garantir que os povos indígenas sejam consultados sobre as
decisões que os afetam e que seu direito ao consentimento prévio, livre
e informado seja respeitado
149.200 Intensificar esforços, em cooperação com a comunidade
internacional, para deter o desmatamento, impedir a extração de recursos nacionais em terras de povos indígenas sem seu consentimento, bem como a invasão de territórios indígenas
149.262 Melhorar a participação dos povos indígenas nas decisões que
os afetam e fortalecer ainda mais os esforços para garantir sua
segurança
149.265 Adotar um plano com passos concretos e metas mensuráveis
para reduzir o desmatamento, levando plenamente em conta os direitos dos povos indígenas e o meio ambiente
149.269 Garantir o direito ao consentimento prévio, livre e informado dos
povos indígenas sobre políticas públicas, projetos e legislação que possam afetá-los
149.107 Aumentar o envolvimento da sociedade civil, ONGs, especialmente de grupos vulneráveis e povos indígenas nas consultas relacionadas à RPU e seus processos
149.276 Reforçar a proteção dos direitos humanos dos povos indígenas, na legislação e na prática, inclusive o direito à saúde, alimentação e água, no contexto de atividades que afetam o meio ambiente, tais como mineração ou desmatamento
149.277 Melhorar os mecanismos para proteger a vida e os territórios dos povos indígenas, garantindo seus direitos à água e a um ambiente saudável
149.278 Continuar a tomar medidas abrangentes para respeitar e proteger os direitos de grupos minoritários, inclusive de povos indígenas
149.287 Fortalecer ainda mais as políticas públicas em benefício de pessoas refugiadas, migrantes e comunidades indígenas
https://institutoiepe.org.br/2025/10/relatorio-analisa-avancos-e-retrocessos-da-situacao-dos-povos-indigenas-no-brasil-a-partir-de-recomendacoes-da-onuteste-rpu/
Coletivo formado pela sociedade civil concluiu que, de todos os compromissos assumidos diante da ONU para melhorar a situação dos povos indígenas, apenas 5 foram plenamente cumpridos
data 07.10.25
Texto: Iepé
O Coletivo RPU Brasil, publicou recentemente o informe "4o Ciclo da RPU - Relatório de Meio Período", documento que analisa a situação dos direitos humanos no país, a partir das recomendações que o Brasil recebeu nas Nações Unidas durante sua passagem pelo 4o Ciclo da Revisão Periódica Universal (RPU). A RPU é um mecanismo periódico e permanente das Nações Unidas, pela qual passam todos os 193 países da ONU a cada quatro anos. O objetivo é verificar o cumprimento das obrigações e compromissos de direitos humanos de cada país.
O relatório do Coletivo RPU analisa a situação de implementação e promoção dos direitos humanos a partir das recomendações recebidas pelo Brasil, em 2022, quando o país foi avaliado no Conselho de Direitos Humanos. O relatório traz análises sobre a situação da saúde, educação, racismo, igualdade de gênero e diversos outros aspectos dos direitos humanos no Brasil. O capítulo sobre povos indígenas foi coordenado pelo Instituto Iepé.
Fundado em 2017, o Coletivo RPU Brasil congrega 39 organizações, associações e redes da sociedade civil brasileira, incluindo o Instituto Iepé e a RCA. Seu objetivo é monitorar os direitos humanos no país sob a ótica dos compromissos assumidos diante da ONU (Organização das Nações Unidas). O Coletivo tem, ao longo destes anos, elaborado relatórios em que se analisam o cumprimento das recomendações dos diferentes ciclos de avaliação que o Brasil passou na ONU. O relatório publicado em setembro corresponde ao relatório de meio período do 4o ciclo e evidencia que, apesar de alguns avanços, o país está longe de cumprir com as recomendações recebidas.
O documento analisou 245 recomendações de um total de 306 recomendações recebidas pelo país em 2022 - deste total, apenas 2,8% foram plenamente cumpridas. A análise ainda revelou que 3,2% das recomendações sofreram um retrocesso, 53,8% foram parcialmente cumpridas e 40% delas não foram cumpridas.
O Relatório dedica 23 páginas à situação dos povos indígenas. Eis o saldo final das 38 recomendações analisadas:
5 cumpridas
12 parcialmente cumpridas
17 não cumpridas
4 não cumpridas e em retrocesso
Ao fim desse texto você encontra o detalhamento das 38 recomendações e seus respectivos status.
"Eu diria que, de modo geral, as recomendações que o Brasil recebeu voltadas à proteção dos povos indígenas e de seus territórios seguem sem implementação efetiva e são motivo de preocupação", afirma o antropólogo Luis Donisete Benzi Grupioni, coordenador executivo do Iepé e que coordenou o grupo de organizações que elaborou a avaliação das recomendações indígenas.
"As políticas públicas voltadas a sua proteção e de assistência seguem com sérias deficiências. Há um aumento na violência contra os povos indígenas e, apesar de ter sido retomada, há lentidão nos processos de reconhecimento territorial, o que contribui para o aumento da violência contra lideranças indígenas em vários lugares do país", conclui Luis. Além do Instituto Iepé, também contribuíram COIAB, Instituto Socioambiental, RCA, CIMI e o Observatório dos Protocolos de Consulta.
Confira o relatório completo - o capítulo sobre os povos indígenas está entre as páginas 69 e 92.
Entre os principais avanços alcançados a partir de 2022, o Relatório destaca "a criação do Ministério dos Povos Indígenas, a recomposição do orçamento para as ações de proteção aos povos indígenas e ao meio ambiente e a retomada dos procedimentos de regularização dos territórios indígenas".
A maioria das pautas analisadas, porém, retrocedeu ou estagnou. A exemplo da própria demarcação de territórios: é positivo que esses processos estejam sendo retomados, mas a lentidão com que as novas demarcações estão sendo conduzidas é considerada problemática.
O relatório demonstra que, sem maioria parlamentar, o executivo assiste o desmonte do arcabouço jurídico de proteção aos povos indígenas e meio ambiente, em troca de uma suposta governabilidade e de pautas macroeconômicas. O atual Congresso Nacional é apontado como protagonista do maior enfraquecimento na legislação ambiental e indigenista dos últimos anos.
Abaixo, um breve resumo dos principais ameaças aos povos indígenas apontados pelo Relatório:
Marco temporal
"O Congresso Nacional aprovou, em 2023, a Lei 14.701/2023, impondo algumas teses como critérios para demarcação de terras indígenas, a exemplo do marco temporal, o qual torna nula todas as demarcações que não atendam aos preceitos nela estabelecidos e veda o reestudo de terras já demarcadas. Deste modo, a lei causa um impacto desastroso aos povos
indígenas que aguardam há mais de 36 anos a demarcação de seus territórios pelo estado brasileiro. Percebe-se, então, que atualmente temos o paradoxo de uma decisão do STF declarando a inconstitucionalidade do marco temporal e, por outro lado, uma Lei emanada do Poder Legislativo que firma exatamente o contrário."
Mineração
"O PL 191/2020207, o qual foi expressamente recomendado que não fosse aprovado, por ser de autoria do governo federal brasileiro, foi retirado com a nova gestão assumida pelo presidente Lula. Entretanto, o presidente do Senado Federal, senador Davi Alcolumbre, criou um Grupo de Trabalho com o objetivo de elaborar um projeto de lei para regulamentar a atividade de mineração em terras indígenas. A tentativa de liberação de mineração nos territórios indígenas representa o avanço desenfreado da sobreposição dos interesses privados sobre os interesses públicos, e em nenhuma hipótese há priorização dos interesses indígenas. A própria composição do GT revela esse fato, já que o grupo é presidido pela senadora Tereza Cristina, uma das líderes da bancada ruralistas e defensora de interesses flagrantemente opostos à defesa dos direitos indígenas."
PL da Devastação
"Para além dos ataques aos direitos dos povos indígenas, o Senado Federal também aprovou o PL 2.159/2021211, conhecido por "PL da Devastação", configurando o maior ataque à legislação ambiental das últimas quatro décadas. A nova Lei Geral do Licenciamento tende, segundo especialistas, a agravar a degradação ambiental e pode resultar em desastres e riscos à saúde e à vida da população."
Demarcação de Terras Indígenas
"No Brasil, mais de um terço das Terras Indígenas não têm a segurança jurídica, que a finalização do processo de demarcação garante, para a posse plena das comunidades indígenas. Durante seu terceiro mandato à frente da presidência da República, Lula retomou a agenda da demarcação de Terras Indígenas, após quatro anos de paralisação durante o governo Bolsonaro. No total, até o momento foram homologadas 13 áreas e outras 10 foram declaradas pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP)214. A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) aprovou os estudos de identificação de três Terras Indígenas e constituiu 32 Grupos Técnicos para estudos de identificação e delimitação. No que se refere à proteção de áreas para povos indígenas isolados, duas áreas tiveram o acesso restrito pela Funai. Ainda durante o trabalho da equipe de transição entre governos, foram listadas 14 Terras Indígenas sem nenhuma pendência para homologação, que deveriam ser homologadas nos primeiros 100 dias de governo. No entanto, neste período, apenas seis Terras Indígenas foram homologadas.
A Constituição Federal do Brasil de 1988 reconheceu aos povos indígenas o 'direito originário às terras que tradicionalmente ocupam', responsabilizando à União pela demarcação e proteção
das terras indígenas. No entanto, segundo os dados oficiais do Estado Brasileiro, em 2024 existem 291 Terras Indígenas com alguma pendência no procedimento administrativo de demarcação."
Violência contra povos indígenas
"A violência contra os povos indígenas, dentro e fora de seus territórios, persistiu durante o período 2023-2024 no Brasil. A demora no processo de demarcação e regularização das terras indígenas sustenta um ambiente de insegurança física e jurídica, que é aproveitado por grupos organizados para manter a pressão e as ameaças sobre as comunidades. De forma particular, as iniciativas comunitárias de retomadas de seus territórios tradicionais, diante da lentidão dos procedimentos administrativos de demarcação, tiveram como resposta frequentes ataques armados de milícias auto-organizadas. Em muitos destes casos destacou-se a participação de Forças de Segurança Pública, seja por ação ou omissão, seja em operações de serviço ou infiltrados nos grupos armados."
Desmatamento
"O governo retomou o Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM), lançando sua 5ª edição, com o objetivo principal de zerar o desmatamento da Amazônia até 2030. O PPCDAM teve quatro edições anteriores e foi interrompido em 2019 pelo governo, quando o desmatamento atingiu patamares escandalosos, representando o maior retrocesso ambiental da história do país. No caso das áreas protegidas, houve um aumento de 94% no desmatamento, comparado com os anos anteriores. E isso teve relação direta com o desmonte dos órgãos de gestão ambiental, não reconhecimento de terras indígenas e quilombolas, enfraquecimento da gestão das unidades de conservação e paralisação das ações de comando, controle e fiscalização de crimes no interior das áreas protegidas. Após esse esforço persistente do governo Bolsonaro com o desmonte das políticas de gestão ambiental e de combate ao desmatamento, verifica-se um movimento consistente na atual gestão para retomar a governança ambiental no país e enfrentar o problema do desmatamento. Além da 5ª. edição do PPCDAM, houve a criação da Secretaria Extraordinária de Controle do Desmatamento e Queimadas, articulando as ações dentro do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças do Clima. Ainda no que se refere ao combate ao desmatamento, houve a retomada das atividades do Fundo Amazônia, permitindo destravar mais de R$ 3 bilhões para ações contra o desmatamento e apoio financeiro às atividades sustentáveis na região."
O relatório de meio período elaborado pelo Coletivo RPU foi lançado em Genebra, em setembro, em evento paralelo à reunião do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.
Confira as recomendações analisadas e seus respectivos status:
CUMPRIDAS PARCIALMENTE CUMPRIDAS NÃO CUMPRIDAS NÃO CUMPRIDAS E EM RETROCESSO
149.264 Fortalecer as agências indígenas e ambientais através de recursos adequados e proteção contra interferências
149.257 Proteger os povos indígenas contra ameaças e ataques e garantir seu direito à terra, em particular retomando e completando os processos de demarcação de terras, fornecendo recursos adequados para a Fundação Nacional do Índio, reconhecendo plenamente as Consultas Autônomas e Protocolos de onsentimento, e fortalecendo Ordens de Proteção da Terra
149.69 Estabelecer diálogos, programas e medidas em consulta aos povos indígenas e população afro-brasileiras, que combatam o racismo, previnam a discriminação e a violência e promovam a igualdade étnica e racial
149.34 Reforçar a proteção legislativa das terras indígenas e dos ecossistemas florestais na Amazônia em conformidade com as leis e normas internacionais de direitos humanos, e aumentar a presença da polícia para abordar as atividades prejudiciais ao meio ambiente
149.266 Fortalecer as agências brasileiras encarregadas da proteção do meio ambiente e dos direitos de povos indígenas
149.258 Acelerar a implementação da demarcação de terras em
conformidade com a Constituição de 1988 e proteger as terras demarcadas contra invasões e degradação, especialmente o desmatamento
149.77 Implementar as recomendações anteriores com vistas a reduzir o
nível de violência e discriminação contra pessoas pertencentes a povos indígenas, comunidades tradicionais e pessoas em situações de
vulnerabilidade, incluindo crianças, mulheres e pessoas com deficiência
149.35 Abster-se de aprovar legislação que enfraqueçam a proteção legal de terras indígenas e quilombolas, reservas ambientais e outras áreas ambientalmente protegidas
149.268 Garantir recursos adequados às instituições responsáveis pelos assuntos indígenas, particularmente a Funai
149.259 Retomar imediatamente a demarcação de terras indígenas conforme prescrito pela Constituição brasileira, sem impedimentos legislativos, e garantir a proteção dos territórios demarcados contra invasões, mineração ilegal e grilagem de terras
149.78 Continuar a implementar programas e esforços visando a proteção de pessoas de origem africana, indígenas, pessoas com deficiência, mulheres e crianças, a fim de garantir a igualdade de oportunidades para todos os segmentos da população
149.36 Retirar as sete propostas legislativas processadas dentro do
Congresso Nacional brasileiro que arriscam causar danos irreversíveis ao ecossistema brasileiro e às pessoas pertencentes a povos indígenas
149.273 Promover os direitos constitucionais dos povos indígenas,
retomando sem demora o processo de demarcação de suas terras alocando recursos financeiros e humanos suficientes para protegêlos, bem como fortalecendo de forma sustentável instituições-chave como a FUNAI
149.263 Implementar e fortalecer mecanismos de proteção para os povos indígenas e seus territórios, com atenção especial aos grupos em isolamento voluntário
149.79 Continuar os esforços para garantir os direitos fundamentais e
fornecer assistência a mulheres, crianças e adolescentes, pessoas idosas, comunidades e povos indígenas, assim como pessoas com deficiência
149.37 Garantir o direito à terra e aos recursos naturais de povos indígenas, não aprovando os projetos de lei 2159/2021, 510/2021, 2633/2020, 490/2007 e 191/2020 atualmente tramitando no Congresso Nacional
149.274 Promover os direitos dos povos indígenas, inclusive reforçando
a aplicação das leis em terras indígenas demarcadas de acordo com as obrigações constitucionais; assegurando que as agências de política
públicas para povos indígenas tenham recursos adequados; e continuando a avançar na implementação da Declaração das Nações
Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
149.270 Tomar medidas decisivas para acabar com a invasão das terras indígenas e garantir o exercício dos direitos coletivos dos povos indígenas a suas terras, assim como todos os outros direitos dos povos indígenas
149.81 Reforçar as medidas de proteção para a população afrodescendente e povos indígenas
149.271 Adotar medidas para garantir aos povos indígenas o direito de
propriedade e posse sobre terras e territórios, incluindo a implementação de um programa de demarcação e regularização
149.96 Assegurar investigações rápidas, independentes e imparciais de todos os casos de violência, ameaças, assédio e assassinatos de jornalistas, pessoas defensoras de direitos humanos, povos indígenas e atores da sociedade civil, e responsabilizar todas/os as/os perpetradores
149.272 Redobrar os esforços no âmbito do processo de demarcação de
terras indígenas
149.267 Reforçar os mecanismos de proteção dos direitos humanos dos
povos indígenas
149.275 Fortalecer o processo de demarcação das terras de povos indígenas e comunidades quilombolas e garantir a plena participação
de povos indígenas nas medidas legislativas e administrativas que os
afetam
149.211 Aumentar a participação significativa da sociedade civil nos assuntos públicos, especialmente para a inclusão de povos indígenas e das mulheres nos processos de tomada de decisão
150.17 Concluir os processos pendentes de demarcação de terras,
rejeitar a tese do "marco temporal" e garantir que os Povos Indígenas sejam protegidos de ameaças, ataques e despejos forçados
149.260 Respeitar o direito dos povos indígenas ao consentimento prévio, livre e informado, estabelecendo procedimentos formais e
inclusivo
149.195 Tomar medidas abrangentes para deter o desmatamento e proteger os povos indígenas, e garantir sanções criminais para os
grileiros de terra e poluidores
149.261 Garantir que os povos indígenas sejam consultados sobre as
decisões que os afetam e que seu direito ao consentimento prévio, livre
e informado seja respeitado
149.200 Intensificar esforços, em cooperação com a comunidade
internacional, para deter o desmatamento, impedir a extração de recursos nacionais em terras de povos indígenas sem seu consentimento, bem como a invasão de territórios indígenas
149.262 Melhorar a participação dos povos indígenas nas decisões que
os afetam e fortalecer ainda mais os esforços para garantir sua
segurança
149.265 Adotar um plano com passos concretos e metas mensuráveis
para reduzir o desmatamento, levando plenamente em conta os direitos dos povos indígenas e o meio ambiente
149.269 Garantir o direito ao consentimento prévio, livre e informado dos
povos indígenas sobre políticas públicas, projetos e legislação que possam afetá-los
149.107 Aumentar o envolvimento da sociedade civil, ONGs, especialmente de grupos vulneráveis e povos indígenas nas consultas relacionadas à RPU e seus processos
149.276 Reforçar a proteção dos direitos humanos dos povos indígenas, na legislação e na prática, inclusive o direito à saúde, alimentação e água, no contexto de atividades que afetam o meio ambiente, tais como mineração ou desmatamento
149.277 Melhorar os mecanismos para proteger a vida e os territórios dos povos indígenas, garantindo seus direitos à água e a um ambiente saudável
149.278 Continuar a tomar medidas abrangentes para respeitar e proteger os direitos de grupos minoritários, inclusive de povos indígenas
149.287 Fortalecer ainda mais as políticas públicas em benefício de pessoas refugiadas, migrantes e comunidades indígenas
https://institutoiepe.org.br/2025/10/relatorio-analisa-avancos-e-retrocessos-da-situacao-dos-povos-indigenas-no-brasil-a-partir-de-recomendacoes-da-onuteste-rpu/
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