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Noticias
Nova operação da Polícia Federal no PAE Porto Dias revela fracasso de modelos de assentamento na Amazônia
07/10/2025
Autor: João Maurício da Rosa
Fonte: Varadouro - https://ovaradouro.com.br
No Acre e no Amazonas, projetos de assentamentos agroextrativistas criados há mais de 40 anos viram alvo de invasões e mudança de finalidade por falta de apoio oficial; desamparados pelo Estado, assentados vendem fatias de suas colocações, criando um imbróglio fundiário dentro de áreas demarcadas pelo Incra.
O agricultor Odair Nascimento de Lima, 36 anos, passou o dia ao telefone na terça-feira, 30 de setembro. Presidente da Associação Agroextrativista Unidos Pela Paz, Odair era assediado por dezenas de posseiros que ocupam pedaços de terra no Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Porto Dias, de 22 mil hectares, em Acrelândia. Os posseiros estavam em pânico depois da passagem de mais uma operação da Polícia Federal pela área naquela manhã. Policiais fortemente armados cumpriram três mandados de busca e apreensão contra pessoas supostamente envolvidas em invasões e desmatamento ilegal naquelas terras da União.
Segundo investigações da PF, o PAE Porto Dias vem sendo "alvo de ocupações violentas com o propósito de ocupar ilegalmente, promover loteamentos clandestinos e lucrar com a venda dos lotes". O relatório policial acrescenta que este processo destrutivo compromete a função socioambiental do assentamento, trazendo graves prejuízos ao meio ambiente e às famílias extrativistas que dependem da floresta para subsistência.
"A atuação criminosa é marcada por ameaças contra os moradores legítimos, inclusive contra crianças, e pelo loteamento clandestino da área, prática que fomenta a degradação e fragiliza a permanência dos extrativistas que cumprem sua função social. As análises técnicas de imagens de satélite e diligências de campo confirmaram a derrubada recente de vegetação nativa e a instalação irregular de barracos e cercas", anota o relatório da PF.
A realidade do assentamento, porém, pode ser vista por outro ângulo quando analisada pelos que dependem daquelas terras. "Esta parte de moradores fazendo ocupações violentas não entendi direito, porque ali só moram pessoas pacíficas", comentou Odair, em conversa com Varadouro, lembrando que ele nasceu e foi criado no PAE Porto Dias e, portanto, pode dizer que conhece toda a vizinhança.
Mas, segundo observações de agentes da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o PAE Porto Dias já está ocupado por uma diversificada gama de pessoas, umas instaladas regularmente com a permissão dos chamados "donos de colocações" e outros ilegalmente através da compra de lotes comercializados por "donos de colocações".
A última operação da PF não prendeu ninguém, foi apenas para notificar suspeitos de invasão e de desmatamento. Não tem nenhuma relação com as operações realizadas em outubro do ano passado e em março de 2025, quando cinco pessoas foram presas acusadas por invasão de terras públicas e condenadas a pagar uma multa, segundo a Lei de Não Persecução Penal.
Mas, a cada passagem de autoridades federais pelo projeto, pelo menos 55 famílias ficam apreensivas, pois estão desde 2021 na mira de uma ação de reintegração de posse. Elas são um exemplo do modelo de posse com o consentimento do dono da colocação. "A pessoa achou que sua colocação era muito grande e concordou em dividir", comenta uma testemunha.
Este tipo de concessão é previsto no estatuto do PAE Porto Dias. Segundo as regras, as associações têm autoridade para decidir um Plano de Uso, o equivalente ao Plano Diretor das cidades. O Plano de Uso do Porto Dias define que as associações comunitárias e seus conselhos deliberativos são soberanos dentro do território. Desta forma, as associações autorizaram o assentamento das 55 famílias e o Incra é obrigado a acatar a decisão, segundo um agente da CPT ouvido pelo Varadouro.
Por outro lado, o agente não nega que a venda de lotes também é uma realidade no PAE. "Muitas famílias são obrigadas a fazer isso por falta de recursos, falam que não têm direito a nada, têm apenas um contrato de concessão. Estão há anos tentando converter o projeto agroextrativista para um projeto de desenvolvimento sustentável, que possui mais alternativas de renda. Sem alternativas, muitos dos seringueiros, donos da colocação se desfizeram e foram embora. Eles se sentiram abandonados, não tinham como viver da castanha e da borracha", argumenta.
O Plano de Uso do Porto Dias também protege os descendentes dos donos de colocações, pois seus filhos e netos não têm direito a nada. Eles são considerados agregados, assim como as famílias que foram admitidas por concessão de um dono de colocação.
A Polícia Federal informou, após a ação no PAE Porto Dias, que ao mesmo tempo deflagrava a Operação Usurpare IV que consistiu em incursão ostensiva na área de Reserva Legal do assentamento com o objetivo de reafirmar a presença do Estado, coibir os crimes ambientais, identificar possíveis suspeitos e efetuar eventuais apreensões e prisões em flagrantes.
Uma operação desta envergadura também é esperada por assentados do Projeto de Assentamento Agroextrativista Terra Firme, em Guajará, de 7,3 mil hectares, no Amazonas. Ali, dezenas de famílias assentadas há 20 anos, foram abandonadas sem lotes demarcados, sem nenhum documento de posse e hoje assistem à uma onda de invasão promovida por autoridades do município - e sob as vistas grossas das autoridades federais.
Latifúndios amazônicos
Segundo dados da CPT, Acrelândia é o município acreano com os maiores e mais aves casos de conflitos fundiários. A disputa por terras pode ser explicada pela presença de grandes latifúndios na região leste do estado, que desde a década de 1970 teve sua "ocupação" consolidada pela atividade agropecuária. Desde 2018, o monocultivo da soja passou a se consolidar nas terras do Baixo Acre - o que intensificou, ainda mais, os conflitos agrários.
Enquanto uma pequena quantidade de pessoas concentra milhares de hectares em suas mãos, outras centenas não possuem um pedaço de chão para plantar um pé de macaxeira. A essas pessoas, só lhes resta fazer ocupações ou a retomada de territórios ocupados por seus antepassados.
É o caso de filhos de seringueiros que tentam retomar as terras de um antigo seringal no ramal do Granadinha, agora transformada em latifúndio ocupado por boi e soja. Em dezembro de 2023, atendendo a pedido de reintegração de posse impetrado por fazendeiros, a comarca de Acrelândia determinou a destruição das casas e barracos construídos pelas famílias.
A área já era para ter sido transformada num projeto de assentamento, mas o processo se perdeu pelas "burocracias" internas do Incra. Situação semelhante se repete no Sul do Amazonas, nos municípios de Boca do Acre e Lábrea, onde os conflitos fundiários se intesnficiam pela ausência do estado em assegurar terras a quem mais precisa e produz. Terras que deveriam ser transformadas em assentamentos estão nas mãos de grandes (e pouquissímos) fazendeiros.
E, desta forma, diante da ausência do Estado enquanto autoridade máxima dentro do território brasileiro, a força econômica - e às vezes da bala - do grande latifúndio faz perpetuar as inhustiças e a violência nas disputas pela terra na Amazônia.
ENTENDA MAIS sobre grave situação fundiária no sul da Amazônia nas reportagens:
AMACRO UMA ZONA DE CONFLITOS
AS PORTEIRAS DA GRILAGEM
https://ovaradouro.com.br/falhas-estatais/
O agricultor Odair Nascimento de Lima, 36 anos, passou o dia ao telefone na terça-feira, 30 de setembro. Presidente da Associação Agroextrativista Unidos Pela Paz, Odair era assediado por dezenas de posseiros que ocupam pedaços de terra no Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Porto Dias, de 22 mil hectares, em Acrelândia. Os posseiros estavam em pânico depois da passagem de mais uma operação da Polícia Federal pela área naquela manhã. Policiais fortemente armados cumpriram três mandados de busca e apreensão contra pessoas supostamente envolvidas em invasões e desmatamento ilegal naquelas terras da União.
Segundo investigações da PF, o PAE Porto Dias vem sendo "alvo de ocupações violentas com o propósito de ocupar ilegalmente, promover loteamentos clandestinos e lucrar com a venda dos lotes". O relatório policial acrescenta que este processo destrutivo compromete a função socioambiental do assentamento, trazendo graves prejuízos ao meio ambiente e às famílias extrativistas que dependem da floresta para subsistência.
"A atuação criminosa é marcada por ameaças contra os moradores legítimos, inclusive contra crianças, e pelo loteamento clandestino da área, prática que fomenta a degradação e fragiliza a permanência dos extrativistas que cumprem sua função social. As análises técnicas de imagens de satélite e diligências de campo confirmaram a derrubada recente de vegetação nativa e a instalação irregular de barracos e cercas", anota o relatório da PF.
A realidade do assentamento, porém, pode ser vista por outro ângulo quando analisada pelos que dependem daquelas terras. "Esta parte de moradores fazendo ocupações violentas não entendi direito, porque ali só moram pessoas pacíficas", comentou Odair, em conversa com Varadouro, lembrando que ele nasceu e foi criado no PAE Porto Dias e, portanto, pode dizer que conhece toda a vizinhança.
Mas, segundo observações de agentes da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o PAE Porto Dias já está ocupado por uma diversificada gama de pessoas, umas instaladas regularmente com a permissão dos chamados "donos de colocações" e outros ilegalmente através da compra de lotes comercializados por "donos de colocações".
A última operação da PF não prendeu ninguém, foi apenas para notificar suspeitos de invasão e de desmatamento. Não tem nenhuma relação com as operações realizadas em outubro do ano passado e em março de 2025, quando cinco pessoas foram presas acusadas por invasão de terras públicas e condenadas a pagar uma multa, segundo a Lei de Não Persecução Penal.
Mas, a cada passagem de autoridades federais pelo projeto, pelo menos 55 famílias ficam apreensivas, pois estão desde 2021 na mira de uma ação de reintegração de posse. Elas são um exemplo do modelo de posse com o consentimento do dono da colocação. "A pessoa achou que sua colocação era muito grande e concordou em dividir", comenta uma testemunha.
Este tipo de concessão é previsto no estatuto do PAE Porto Dias. Segundo as regras, as associações têm autoridade para decidir um Plano de Uso, o equivalente ao Plano Diretor das cidades. O Plano de Uso do Porto Dias define que as associações comunitárias e seus conselhos deliberativos são soberanos dentro do território. Desta forma, as associações autorizaram o assentamento das 55 famílias e o Incra é obrigado a acatar a decisão, segundo um agente da CPT ouvido pelo Varadouro.
Por outro lado, o agente não nega que a venda de lotes também é uma realidade no PAE. "Muitas famílias são obrigadas a fazer isso por falta de recursos, falam que não têm direito a nada, têm apenas um contrato de concessão. Estão há anos tentando converter o projeto agroextrativista para um projeto de desenvolvimento sustentável, que possui mais alternativas de renda. Sem alternativas, muitos dos seringueiros, donos da colocação se desfizeram e foram embora. Eles se sentiram abandonados, não tinham como viver da castanha e da borracha", argumenta.
O Plano de Uso do Porto Dias também protege os descendentes dos donos de colocações, pois seus filhos e netos não têm direito a nada. Eles são considerados agregados, assim como as famílias que foram admitidas por concessão de um dono de colocação.
A Polícia Federal informou, após a ação no PAE Porto Dias, que ao mesmo tempo deflagrava a Operação Usurpare IV que consistiu em incursão ostensiva na área de Reserva Legal do assentamento com o objetivo de reafirmar a presença do Estado, coibir os crimes ambientais, identificar possíveis suspeitos e efetuar eventuais apreensões e prisões em flagrantes.
Uma operação desta envergadura também é esperada por assentados do Projeto de Assentamento Agroextrativista Terra Firme, em Guajará, de 7,3 mil hectares, no Amazonas. Ali, dezenas de famílias assentadas há 20 anos, foram abandonadas sem lotes demarcados, sem nenhum documento de posse e hoje assistem à uma onda de invasão promovida por autoridades do município - e sob as vistas grossas das autoridades federais.
Latifúndios amazônicos
Segundo dados da CPT, Acrelândia é o município acreano com os maiores e mais aves casos de conflitos fundiários. A disputa por terras pode ser explicada pela presença de grandes latifúndios na região leste do estado, que desde a década de 1970 teve sua "ocupação" consolidada pela atividade agropecuária. Desde 2018, o monocultivo da soja passou a se consolidar nas terras do Baixo Acre - o que intensificou, ainda mais, os conflitos agrários.
Enquanto uma pequena quantidade de pessoas concentra milhares de hectares em suas mãos, outras centenas não possuem um pedaço de chão para plantar um pé de macaxeira. A essas pessoas, só lhes resta fazer ocupações ou a retomada de territórios ocupados por seus antepassados.
É o caso de filhos de seringueiros que tentam retomar as terras de um antigo seringal no ramal do Granadinha, agora transformada em latifúndio ocupado por boi e soja. Em dezembro de 2023, atendendo a pedido de reintegração de posse impetrado por fazendeiros, a comarca de Acrelândia determinou a destruição das casas e barracos construídos pelas famílias.
A área já era para ter sido transformada num projeto de assentamento, mas o processo se perdeu pelas "burocracias" internas do Incra. Situação semelhante se repete no Sul do Amazonas, nos municípios de Boca do Acre e Lábrea, onde os conflitos fundiários se intesnficiam pela ausência do estado em assegurar terras a quem mais precisa e produz. Terras que deveriam ser transformadas em assentamentos estão nas mãos de grandes (e pouquissímos) fazendeiros.
E, desta forma, diante da ausência do Estado enquanto autoridade máxima dentro do território brasileiro, a força econômica - e às vezes da bala - do grande latifúndio faz perpetuar as inhustiças e a violência nas disputas pela terra na Amazônia.
ENTENDA MAIS sobre grave situação fundiária no sul da Amazônia nas reportagens:
AMACRO UMA ZONA DE CONFLITOS
AS PORTEIRAS DA GRILAGEM
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