De Pueblos Indígenas en Brasil
The printable version is no longer supported and may have rendering errors. Please update your browser bookmarks and please use the default browser print function instead.
Noticias
'Não desejo para ninguém': como estão os atingidos pelo crime em Mariana, 10 anos depois
05/11/2025
Autor: Jean Silva
Fonte: Brasil de Fato - https://www.brasildefato.com.br/
'Não desejo para ninguém': como estão os atingidos pelo crime em Mariana, 10 anos depois
Reassentamentos atrasados e indenizações incompletas marcam a década após o desastre da Vale
Em 5 de novembro de 2015, às 16h20, a barragem de Fundão, da mineradora Samarco, controlada pela Vale e pela anglo-australiana BHP Billiton, rompeu em Mariana, na região Central de Minas Gerais. O mar de lama tóxica matou 19 pessoas, destruiu comunidades inteiras, como Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, contaminou o Rio Doce até o litoral do Espírito Santo e deixou mais de 600 desabrigados.
Dez anos depois, o que era anunciado como um "acidente" é reconhecido por atingidos, ambientalistas e juristas como um crime ambiental e social sem precedentes no Brasil. A lama não ficou restrita aos rios e terras: invadiu vidas, arrancou raízes e transformou o cotidiano de milhares de pessoas.
"Foram 10 anos muito difíceis, morosos e dolorosos. É uma vida imposta que a gente vive", desabafa Mirella Lino, atingida de Ponte do Gama e integrante da Comissão de Atingidos pela Barragem de Fundão (CABF). Hoje, aos 27 anos, ela vive em Mariana e luta para concluir o curso de Serviço Social, depois de uma década marcada por depressão, deslocamento e desamparo.
Vidas interrompidas
Antes do rompimento, Lino era uma adolescente que levava uma vida simples na roça. "Tudo que a gente precisava tinha ali perto: escola, horta, vizinhos. A gente trocava batata por queijo, leite por arroz. Era um modo de vida que fazia sentido para nós", recorda.
Depois da lama, veio o deslocamento forçado. A família precisou deixar a comunidade e se mudar para o centro de Mariana, onde enfrentou o preconceito de quem via os atingidos como "peso" para a cidade.
"O custo de vida aqui é altíssimo e, se não fosse a comida que a Samarco trazia, a gente teria passado fome", relembra.
Dez anos depois, a família foi reassentada, não no novo Bento Rodrigues, mas em uma casa comprada pela Fundação Renova, criada para gerir o processo de reparação. Ainda assim, ela não considera que a justiça tenha sido feita.
"A indenização nunca saiu. Está em processo judicial. E a cada novo acordo, o tempo da gente é o que se perde".
"Mudou da água limpa para água suja"
O agricultor Marcos Muniz resume sua trajetória com uma metáfora que carrega amargura e poesia: "Nossa vida não mudou da água pro vinho. Mudou da água limpa, cristalina, para uma água suja".
Aposentado, Muniz vivia em Bento Rodrigues com a esposa e a filha quando a barragem rompeu. Ele havia trabalhado por décadas na própria Samarco e planejava viver o resto da vida no distrito. "Nós já tínhamos feito essa escolha. Era o nosso lugar, nossa história, nossas raízes".
Hoje, uma década depois, ele ainda não recebeu indenização completa nem reassentamento definitivo. "O processo é demorado, cheio de burocracia. Trataram a gente como 'meio atingido'. Como pode? Ou você perde tudo ou não perde nada. Meio atingido não existe".
Ele critica duramente o novo acordo de repactuação, assinado em 2024 entre as mineradoras e o poder público. "Foi feito para beneficiar empresa e governo, não os atingidos. Dez anos se passaram e eles não devolveram nem o direito de viver com dignidade".
A luta que envelheceu junto com o tempo
Para Luzia Motta, o rompimento também desestruturou tudo: trabalho, comunidade, saúde e identidade. Antes do crime, ela trabalhava com eventos e costura. "Era feliz, tinha minha independência", diz. Hoje, vive no reassentamento coletivo, tentando recomeçar: "A vida está de ponta-cabeça. A gente tenta se adaptar, buscar outra forma de sobreviver, mas é difícil".
Motta fala com tristeza sobre o que mais sente falta: "as festas culturais, os costumes, o modo de conviver. Hoje as pessoas não têm tempo, vivem cansadas da luta". Ainda assim, mantém o compromisso coletivo.
"Mesmo com a desesperança, a gente entende que, juntos, ainda é a melhor forma de fazer justiça".
"A comunidade nunca mais vai existir"
O agricultor Marino D'Angelo Junior, outro atingido da região, tinha uma das melhores produções de leite da zona rural de Mariana antes de 2015. Produzia mil litros por dia e vivia da pecuária familiar. "Quando a barragem rompeu, eu estava colhendo o fruto do meu trabalho. Foi tudo destruído em minutos".
Dez anos depois, ele acumula doenças e decepções. "Tenho diabetes, pressão alta e depressão. Ser um atingido é uma marca que eu não desejo pra ninguém".
Ele recebeu uma indenização, mas se diz coagido: "Fechei o acordo com medo de a juíza dar um valor menor. Foi um processo totalmente injusto. O criminoso avaliou o dano que causou".
O que mais dói, para ele, é ver o desaparecimento do modo de vida rural.
"A comunidade não existe mais, nunca mais vai existir. Quem era criança de 10 anos hoje tem 20 e só aprendeu coisa de cidade urbana. A lama levou a simplicidade junto".
10 anos de promessas e impunidade
Desde 2015, nenhum responsável foi condenado criminalmente no Brasil. O processo judicial se arrasta entre mudanças de juízes, disputas de competência e recursos das empresas. Em 2024, após nove anos, a Vale, a Samarco e a BHP firmaram um novo acordo de R$ 170 bilhões com autoridades brasileiras, homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), para financiar ações de reparação.
Mas o número de atingidos contemplados é limitado. Estimativas do escritório Pogust Goodhead, que representa mais de 620 mil vítimas na Justiça inglesa, indicam que apenas 36% dos atingidos seriam elegíveis ao programa brasileiro. O restante busca reparação no exterior, em um processo avaliado em US$ 44 bilhões, a maior ação ambiental coletiva do mundo.
Enquanto isso, a Fundação Renova, criada para conduzir a reconstrução e indenizações, segue alvo de críticas. Comunidades denunciam falta de transparência e concentração de poder nas mãos das mineradoras. Em Mariana, o "novo Bento Rodrigues" começou a receber moradores apenas em 2023, oito anos após o rompimento.
"O futuro é uma pergunta sem resposta"
Para Mirella, o horizonte ainda é incerto: "sempre que alguém me pergunta o que espero do futuro, eu digo: 'Eu não sei'. Porque é muito difícil mensurar um horizonte quando a gente não tem controle da situação".
O sentimento é compartilhado pelos demais atingidos. Todos reconhecem que a luta coletiva é o que os mantém de pé, mas a esperança vem cada vez mais misturada ao cansaço.
O manifesto da Comissão dos Atingidos e Atingidas pela Barragem de Fundão (CABF), publicado nas redes sociais em alusão ao aniversário do desastre, sintetiza esse sentimento.
"O que aconteceu não foi um acidente técnico, mas um crime com causas estruturais. Dez anos depois, seguimos com nossos modos de vida destruídos, deslocados de nossos territórios e privados de justiça. Nossa luta é pela memória, pela reparação e pelo direito de existir".
Audiência pública cobra participação e reconhecimento no novo acordo
A nova repactuação, embora bilionária, é questionada pela falta de participação efetiva das comunidades. A audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) que ocorreu no início de outubro, revelou que os atingidos continuam sendo vítimas de retaliações e exclusão.
Representantes da sociedade civil e das Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) apontaram, durante o encontro, falhas na condução das medidas indenizatórias e de reassentamento. O valor de R$ 35 mil proposto no Programa de Indenização Definitiva (PID) foi classificado como "muito aquém do que foi tirado das comunidades".
A morosidade é outro fator de desgaste. O novo acordo prevê mais 20 anos para o pagamento dos R$ 167 bilhões acordados como compensação, o que, para Rodrigo Vieira, da assessoria técnica Cáritas, prolonga o sofrimento.
Dez anos depois, o tempo segue parado
Em Mariana, Bento Rodrigues e em dezenas de municípios da bacia do Rio Doce, o tempo parece não ter passado. As casas novas existem, mas o pertencimento não. As indenizações foram pagas, mas não devolvem o que a lama levou: a paz, a confiança e o direito de viver com dignidade.
"A vida que a gente vive hoje não é a que escolhemos, é a que foi imposta", resume Mirella.
Outro lado
A reportagem entrou em contato com a Fundação Renova para comentar sobre as denúncias. O texto será atualizado, caso haja um pronunciamento.
Editado por: Ana Carolina Vasconcelos
https://www.brasildefato.com.br/2025/11/05/nao-desejo-para-ninguem-saiba-como-estao-os-atingidos-pelo-crime-em-mariana-10-anos-depois/
Reassentamentos atrasados e indenizações incompletas marcam a década após o desastre da Vale
Em 5 de novembro de 2015, às 16h20, a barragem de Fundão, da mineradora Samarco, controlada pela Vale e pela anglo-australiana BHP Billiton, rompeu em Mariana, na região Central de Minas Gerais. O mar de lama tóxica matou 19 pessoas, destruiu comunidades inteiras, como Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, contaminou o Rio Doce até o litoral do Espírito Santo e deixou mais de 600 desabrigados.
Dez anos depois, o que era anunciado como um "acidente" é reconhecido por atingidos, ambientalistas e juristas como um crime ambiental e social sem precedentes no Brasil. A lama não ficou restrita aos rios e terras: invadiu vidas, arrancou raízes e transformou o cotidiano de milhares de pessoas.
"Foram 10 anos muito difíceis, morosos e dolorosos. É uma vida imposta que a gente vive", desabafa Mirella Lino, atingida de Ponte do Gama e integrante da Comissão de Atingidos pela Barragem de Fundão (CABF). Hoje, aos 27 anos, ela vive em Mariana e luta para concluir o curso de Serviço Social, depois de uma década marcada por depressão, deslocamento e desamparo.
Vidas interrompidas
Antes do rompimento, Lino era uma adolescente que levava uma vida simples na roça. "Tudo que a gente precisava tinha ali perto: escola, horta, vizinhos. A gente trocava batata por queijo, leite por arroz. Era um modo de vida que fazia sentido para nós", recorda.
Depois da lama, veio o deslocamento forçado. A família precisou deixar a comunidade e se mudar para o centro de Mariana, onde enfrentou o preconceito de quem via os atingidos como "peso" para a cidade.
"O custo de vida aqui é altíssimo e, se não fosse a comida que a Samarco trazia, a gente teria passado fome", relembra.
Dez anos depois, a família foi reassentada, não no novo Bento Rodrigues, mas em uma casa comprada pela Fundação Renova, criada para gerir o processo de reparação. Ainda assim, ela não considera que a justiça tenha sido feita.
"A indenização nunca saiu. Está em processo judicial. E a cada novo acordo, o tempo da gente é o que se perde".
"Mudou da água limpa para água suja"
O agricultor Marcos Muniz resume sua trajetória com uma metáfora que carrega amargura e poesia: "Nossa vida não mudou da água pro vinho. Mudou da água limpa, cristalina, para uma água suja".
Aposentado, Muniz vivia em Bento Rodrigues com a esposa e a filha quando a barragem rompeu. Ele havia trabalhado por décadas na própria Samarco e planejava viver o resto da vida no distrito. "Nós já tínhamos feito essa escolha. Era o nosso lugar, nossa história, nossas raízes".
Hoje, uma década depois, ele ainda não recebeu indenização completa nem reassentamento definitivo. "O processo é demorado, cheio de burocracia. Trataram a gente como 'meio atingido'. Como pode? Ou você perde tudo ou não perde nada. Meio atingido não existe".
Ele critica duramente o novo acordo de repactuação, assinado em 2024 entre as mineradoras e o poder público. "Foi feito para beneficiar empresa e governo, não os atingidos. Dez anos se passaram e eles não devolveram nem o direito de viver com dignidade".
A luta que envelheceu junto com o tempo
Para Luzia Motta, o rompimento também desestruturou tudo: trabalho, comunidade, saúde e identidade. Antes do crime, ela trabalhava com eventos e costura. "Era feliz, tinha minha independência", diz. Hoje, vive no reassentamento coletivo, tentando recomeçar: "A vida está de ponta-cabeça. A gente tenta se adaptar, buscar outra forma de sobreviver, mas é difícil".
Motta fala com tristeza sobre o que mais sente falta: "as festas culturais, os costumes, o modo de conviver. Hoje as pessoas não têm tempo, vivem cansadas da luta". Ainda assim, mantém o compromisso coletivo.
"Mesmo com a desesperança, a gente entende que, juntos, ainda é a melhor forma de fazer justiça".
"A comunidade nunca mais vai existir"
O agricultor Marino D'Angelo Junior, outro atingido da região, tinha uma das melhores produções de leite da zona rural de Mariana antes de 2015. Produzia mil litros por dia e vivia da pecuária familiar. "Quando a barragem rompeu, eu estava colhendo o fruto do meu trabalho. Foi tudo destruído em minutos".
Dez anos depois, ele acumula doenças e decepções. "Tenho diabetes, pressão alta e depressão. Ser um atingido é uma marca que eu não desejo pra ninguém".
Ele recebeu uma indenização, mas se diz coagido: "Fechei o acordo com medo de a juíza dar um valor menor. Foi um processo totalmente injusto. O criminoso avaliou o dano que causou".
O que mais dói, para ele, é ver o desaparecimento do modo de vida rural.
"A comunidade não existe mais, nunca mais vai existir. Quem era criança de 10 anos hoje tem 20 e só aprendeu coisa de cidade urbana. A lama levou a simplicidade junto".
10 anos de promessas e impunidade
Desde 2015, nenhum responsável foi condenado criminalmente no Brasil. O processo judicial se arrasta entre mudanças de juízes, disputas de competência e recursos das empresas. Em 2024, após nove anos, a Vale, a Samarco e a BHP firmaram um novo acordo de R$ 170 bilhões com autoridades brasileiras, homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), para financiar ações de reparação.
Mas o número de atingidos contemplados é limitado. Estimativas do escritório Pogust Goodhead, que representa mais de 620 mil vítimas na Justiça inglesa, indicam que apenas 36% dos atingidos seriam elegíveis ao programa brasileiro. O restante busca reparação no exterior, em um processo avaliado em US$ 44 bilhões, a maior ação ambiental coletiva do mundo.
Enquanto isso, a Fundação Renova, criada para conduzir a reconstrução e indenizações, segue alvo de críticas. Comunidades denunciam falta de transparência e concentração de poder nas mãos das mineradoras. Em Mariana, o "novo Bento Rodrigues" começou a receber moradores apenas em 2023, oito anos após o rompimento.
"O futuro é uma pergunta sem resposta"
Para Mirella, o horizonte ainda é incerto: "sempre que alguém me pergunta o que espero do futuro, eu digo: 'Eu não sei'. Porque é muito difícil mensurar um horizonte quando a gente não tem controle da situação".
O sentimento é compartilhado pelos demais atingidos. Todos reconhecem que a luta coletiva é o que os mantém de pé, mas a esperança vem cada vez mais misturada ao cansaço.
O manifesto da Comissão dos Atingidos e Atingidas pela Barragem de Fundão (CABF), publicado nas redes sociais em alusão ao aniversário do desastre, sintetiza esse sentimento.
"O que aconteceu não foi um acidente técnico, mas um crime com causas estruturais. Dez anos depois, seguimos com nossos modos de vida destruídos, deslocados de nossos territórios e privados de justiça. Nossa luta é pela memória, pela reparação e pelo direito de existir".
Audiência pública cobra participação e reconhecimento no novo acordo
A nova repactuação, embora bilionária, é questionada pela falta de participação efetiva das comunidades. A audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) que ocorreu no início de outubro, revelou que os atingidos continuam sendo vítimas de retaliações e exclusão.
Representantes da sociedade civil e das Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) apontaram, durante o encontro, falhas na condução das medidas indenizatórias e de reassentamento. O valor de R$ 35 mil proposto no Programa de Indenização Definitiva (PID) foi classificado como "muito aquém do que foi tirado das comunidades".
A morosidade é outro fator de desgaste. O novo acordo prevê mais 20 anos para o pagamento dos R$ 167 bilhões acordados como compensação, o que, para Rodrigo Vieira, da assessoria técnica Cáritas, prolonga o sofrimento.
Dez anos depois, o tempo segue parado
Em Mariana, Bento Rodrigues e em dezenas de municípios da bacia do Rio Doce, o tempo parece não ter passado. As casas novas existem, mas o pertencimento não. As indenizações foram pagas, mas não devolvem o que a lama levou: a paz, a confiança e o direito de viver com dignidade.
"A vida que a gente vive hoje não é a que escolhemos, é a que foi imposta", resume Mirella.
Outro lado
A reportagem entrou em contato com a Fundação Renova para comentar sobre as denúncias. O texto será atualizado, caso haja um pronunciamento.
Editado por: Ana Carolina Vasconcelos
https://www.brasildefato.com.br/2025/11/05/nao-desejo-para-ninguem-saiba-como-estao-os-atingidos-pelo-crime-em-mariana-10-anos-depois/
Las noticias publicadas en el sitio Povos Indígenas do Brasil (Pueblos Indígenas del Brasil) son investigadas en forma diaria a partir de fuentes diferentes y transcriptas tal cual se presentan en su canal de origen. El Instituto Socioambiental no se responsabiliza por las opiniones o errores publicados en esos textos. En el caso en el que Usted encuentre alguna inconsistencia en las noticias, por favor, póngase en contacto en forma directa con la fuente mencionada.