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Carta ao racismo dos agentes do estado do Rio Grande do Sul contra o povo Mbya-Guarani

05/11/2025

Autor: João Maurício

Fonte: Brasil de Fato - https://www.brasildefato.com.br/



Carta ao racismo dos agentes do estado do Rio Grande do Sul contra o povo Mbya-Guarani
No ano em que o governo do estado comemora os 400 anos das Missões Jesuíticas, ataca o povo Guarani

No ano em que o governador do estado do Rio Grande do Sul iniciou a organização das comemorações dos 400 anos do início das Missões Jesuíticas na região que era, naquela época, província do Tapes (que na língua Mbya-Guarani quer dizer caminho), além de destinar apenas R$ 300 mil para as famílias indígenas, dos R$ 50 milhões do orçamento estadual para esta comemoração, constatou-se que está ação tratou, novamente, de invisibilizar e ignorar o fato das Missões terem presença direta dos Guarani. As Missões eram Jesuítico/Guaranítica, além disso, este governo acabou por perpetrar um ataque direto contra este povo. Tal ataque, com a tramitação e aprovação do PL-280/2025, pretende retirar famílias de sua área ancestral que estava em domínio do governo por algumas décadas, vinculada à extinta Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro), em Viamão, e que em fevereiro de 2024 os Mbya-Guarani a retomaram para fazerem sua tekoa ( aldeia).

Assim, a política estatal do Rio Grande do Sul cometeu um grave ataque contra 57 famílias do povo Mbya-Guarani, no dia 07 de outubro de 2025. A Assembléia Legislativa deste estado regional do Brasil, seguindo os atos de racismo perpetrado pela pessoa física do atual governador do estado e alguns de seus secretários de estado, e também como pessoa jurídica de governador, ao encaminhar em regime de urgência o PL-280/2025, que retira grande parte do território indígena deste povo na tekoa Nhe'engatu, localizada na área que localiza-se há 5 km do centro da cidade de Viamão.


Poderíamos pensar: afinal porque os poderes de Estado (governador e sua equipe do centro de governo), assim como a maioria dos deputados do legislativo estadual, realizando atos de suas competências políticas e jurídicas formais, cometeram racismo estatal e pessoal contra as 57 famílias Mbya-Guarani, contra o próprio povo originário desta região no sul do continente da América do Sul e também contra os povos indígenas em geral?

Vejamos: o município de Viamão é o maior de região metropolitana e possui, ainda, enormes quantidade de áreas para instalação de empresas e de condomínios habitacionais; há dois distritos industriais, ainda, com capacidade para instalação de empresas de logística e de tecnologia (justificativa explicitada no referido PL para tirarem famílias do povo originário de Viamão) desta sua área ancestral; há a 6 km de distância da área indígena Nhe'engatu, está localizada a estrada estadual RS-118, que liga o centro de Viamão à Gravataí e a BR-290, com 12 km de um lado mais 12 km de outro, dentro do território de Viamão, com áreas para instalação de empresas de logística e de tecnologia a serem ofertadas aos empresários e a municipalidade de Viamão para o desenvolvimento econômico, bastando apenas que o governador providencie a imediata duplicação dessa estrada estadual; há recursos disponíveis no Fundo de Reconstrução organizado entre o governo estadual e a União, a partir das grandes enchentes de maio de 2024, provocada pela catástrofe climática que atingiu mais de 80% do estado do Rio Grande do Sul, naquele período, cujo fundo está com saldo de mais de 6 bilhões para a realização deste tipo de obra estruturante; mas para espanto geral dos indígenas residentes no estado do Rio Grande do Sul e de pessoas sensatas, por um ato eminentemente de força estatal, o governo e a maioria de deputados da centro/direita e da extrema/direita resolveram desalojar as famílias indígenas de sua área originária, que por algumas décadas esteve sob posse e domínio documental (propriedade cartorial) do estado do Rio Grande do Sul.

Mas porque este ato de ataque pode ser considerado racismo mesmo?
Por entenderem que as famílias indígenas não deveriam, nem poderiam ter o direito a ter a destinação da área de 148,8 hectares, com mata-nativa, dois lagos com peixes e outros animais, com áreas para instalação de moradias, área para o plantio de sementes tradicionais e com espaço para a criação de pequenos animais e também para a instalação de sua Opy, casa de rezas e cerimônias rituais de sua espiritualidade ancestral. É racismo estatal e pessoal por agir com grande intensidade para retirar os indígenas desta área tão cobiçada para negócios e bons lucros. Para pessoas gestoras e instituições como o executivo e a maioria do legislativo estadual, está área não pode abrigar uma tekoa Mbya-Guarani nem pode ser espaço para o convívio destes indígenas com suas divindades, pois este espaço deve ser gerador de lucros e não seria produtiva e economicamente considerado se não atendesse interesses empresariais, tanto para empresas de logística, de tecnologia ou mesmo para a transformação desta área em condomínio residencial, como a Prefeitura de Viamão também pretende. Assim, para estes agentes públicos do executivo e do legislativo, em sua maioria, o destino desta área deveria ser outro, o de ser mercadoria e gerar mercadorias e lucratividade para as elites econômicas.

Esses atores políticos usaram seus poderes de Estado para consagrar, impingir, implantar mais uma vez seus poderes de segregação étnica contra crianças, jovens, mulheres, homens, xeramoi e xejarikueri (avôs e avós) em um estado que há 270 anos foi a Província do Tapes, como a região era conhecida pelos próprios Guarani e pelos jesuítas das missões que os colonizadores implantaram a partir das primeiras invasões na região. Esta província do Tapes (que em Guarani quer dizer caminho) na época tinha vários outros povos indígenas e mais de 30 mil almas/palavras (as nhe'e) Mbya-Guarani.

Assim, a ação sobre ação do governo/governador sobre os deputados e estes sobre os indígenas originários deste território, ratificou o racismo estrutural de expropriar novamente território indígena, na medida em que utilizaram-se da investidura político/jurídica de criarem leis segregadoras e expropriadoras. Pois aprovaram no dia 07/10/2025 por 36 votos a 13 a retirada de grande parte das condições de vida de mais de 70 crianças que estudam na escola indígena Nhe'engatu e de mais de 230 pessoas deste povo indígena.

Para estas pessoas e agentes públicos, a área de 148,8 hectares vale muito mais como área/recurso econômico para a especulação econômica e para a especulação imobiliária do que valeria como espaço sociocosmológico de uma tekoa Mbya-Guarani. Está área para estes políticos segregacionistas valeria mais como recursos ambientais para serem transformados em mercadorias e auferidos em lucratividade capitalista, do que ser espaço e locus da existência de almaspalavras, as nhe'e, dos indígenas. Está área sagrada valeria para estes políticos mais como recurso de capital do que morada para o exercício das práticas cotidianas das relações dos indígenas com suas divindades. Este ataque não seria apenas um ato de racismo pessoal e estrutural de agentes do Estado e do próprio Estado contra as suas condições de vida e existência, mas um ataque à sua própria existência, ao seu modo de vida e às suas divindades.

Com está votação na Assembléia Legislativa, o Governador do Estado e os 36 Deputados Estaduais seguiram o curso das práticas coloniais e capitalísticas ao destituírem, expropriarem novamente o povo Mbya-Guarani de seu território. Mas como disse Eloir Whera Xondaro, ao sair de reunião realizada na Casa Civil do governo do estado, no dia 06/10/2015: "Não começamos nossas lutas ontem, são mais de 400 anos de resistência aos ataques dos não-indígenas, não será uma ação como esta que nos fará desistir de garantir nosso território original".

Aguyjevete - plenitude - para que luta!

*João Maurício é doutorando em Psicologia Social e Institucional pela Ufrgs, onde também concluiu o mestrado pesquisando a produção de subjetividade e as alianças do povo Mbya-Guarani. Sociólogo formado pela Ugrgs, tem trajetória de mais de 15 anos no serviço público, atuando em políticas de economia solidária e gestão indigenista, incluindo a coordenação regional da Funai no Sul do Brasil. É professor de Sociologia e diretor da Escola Estadual Indígena Fag Nhin, em Porto Alegre, além de coordenar o Instituto Diálogos de Resistência e o curso de produção audiovisual com jovens de periferia. Também é co-diretor do documentário Guatá e produz o programa Observatório Indigenista no YouTube.

https://www.brasildefato.com.br/2025/11/05/carta-ao-racismo-dos-agentes-do-estado-do-rio-grande-do-sul-contra-o-povo-mbya-guarani/
 

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