De Pueblos Indígenas en Brasil
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Noticias
E o índio virou o xodó do Hras
27/12/2006
Fonte: CB, Cidades, p. 24
E o índio virou o xodó do Hras
Menino da tribo Kamayuras saiu do Xingu para tratar-se no Hospital Regional da Asa Sul. Nos cinco meses de internação, contagiou a equipe médica com alegria, descontração e vontade de viver
Marcelo Abreu
Da equipe do Correio
E o indiozinho roubou a cena. Virou a alegria daquele lugar. O xodó daquela gente de jaleco branco e estetoscópio no pescoço, quase sempre preocupada, quase sempre aflita e quase sempre entre a vida ea morte. Um médico, emocionado, não resistiu: "Ele é o remédio da equipe da UTI". E ele, o indiozinho, chegou ali para ser curado. Precisa, aliás, ser curado. Mas acabou, sem querer, acalentando tantas outras pessoas, mesmo que elas não estivessem doentes.
Essa é uma história de como gente pode sempre aprender com gente. Não importa como e onde. Essa é a história de Gil Kamayura, um indiozinho de apenas três anos e nove meses de vida. Da tribo dos Kamayuras, na região do Xingu (MT), ele nasceu com síndrome de Down. Em decorrência da anomalia genética, tem graves problemas cardíacos, o que os médicos chamam de cardiopatias múltiplas e complexas.
E não parou por aí. Em função da alterações cardíacas, o pulmão do menino também foi atingido. Para respirar, foi preciso fazer uma traqueostomia - abertura feita na traquéia, que fica na parte anterior do pescoço, próxima ao pomo de Adão. No local, é introduzido um tubo de metal, que facilita a chegada de ar aos pulmões, quando existe alguma obstrução no trajeto normal.
Coitado do indiozinho, pensariam alguns. Coitado nada. Gil é fogo na roupa. Apesar da limitação, em decorrência dos problemas cardíacos, ele dá show todos os dias. Show de vitalidade, alegria e, sobretudo, vontade de viver. O Correio conta hoje, com exclusividade, a história do índio miudinho que mudou a rotina da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital Regional da Asa Sul (Hras).
Terça-feira, 16h, um dia depois do Natal. Lá está ele, dormindo, na cama da UTI, ao lado do berço enorme que ganhou de presente. E o danadinho dorme como anjo. Médicos fazem anotações e vêem outros pacientes. O lugar foi reformado recentemente. Tudo é novo, limpo e bonito. Tem até palhacinho desenhado na porta. Existem nove crianças internadas ali. Gil é uma delas. De repente, ele acorda. A cara está meio zangada, assustada, como toda criança que acaba de acordar.
Mas logo o semblante muda. E Gil começa a sorrir. Bate palma. Serelepe, joga beijo. Ele adora jogar beijo, até para quem ainda não conhece. Pronto: a alegria é como vírus perigoso, logo contamina todo mundo da equipe médica. O indiozinho quer brincar. Quer andar no andador, quer jogar bola. Haja energia para acompanhar o pique dele. Admirada com tanta disposição, a pediatra intensivista Kátia Moreira Reis, de 43 anos, que acompanha Gil desde o começo, entrega: "Ele é a alegria daqui. Nem sei como será quando for embora".
Em janeiro, Gil será submetido à segunda cirurgia cardíaca, desta vez no Hospital de Base (HBDF). A primeira, realizada com sucesso, foi feita no próprio Hras, em julho, com a equipe do HBDF. O procedimento, aliás, foi o primeiro naquela unidade. E a torcida foi geral. A cada melhora, os médicos comemoram. "Já era para ele ter ido ao Hospital de Base, mas a gente fez tudo para que ficasse aqui e só fosse mesmo em janeiro, perto da cirurgia", conta a pediatra Mirian Monotto, 28.
Futebol e gol
Gil chegou a Brasília há dois anos. Deixou a aldeia, no Xingu, e veio com o pai, a mãe e os quatro irmãos mais velhos. Aqui, a família foi amparada pelo Serviço de Assistência à Saúde Indígena (Sasi), gerenciado pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa), órgão ligado ao Ministério da Saúde. O pai, Apahu Kamayura, 38, é o único que, ainda pouco, fala português. A mãe se comunica por gestos.
Pai e mãe não saem do hospital. Todos os dias visitam o filho caçula. Conversam com ele na língua indígena. Fazem carinho. Querem saber quais os próximos passos. E já revelaram que só vão embora depois que o menino estiver curado. "Nunca vi pais tão presentes como eles. Deixaram tudo na tribo só para cuidar do filho. Eles acreditam na melhora do menino", admira-se o chefe do Sasi, Gilberto Batista de Lima, 44.
Aconchegado pela equipe médica, Gil não pára de aprontar. Especialmente para ele, foi colocada uma televisão perto da cama. Ele adora assistir a jogos de futebol. "O mais engraçado é que, na hora do gol, ele levanta a mãozinha", conta, imitando o gesto do menino, a enfermeira Cíntia Magali Paim Santos, 29. E se a bola não entra, Gil faz cara de bravo.
E se alguém passa na frente da televisão, na hora do futebol? Ah, meu Deus. Ele fica mais zangado ainda. "Toda a equipe está muito apegada a ele. Virou nossa terapia", continua a enfermeira. "A gente só torce para que ele fique bom dos problemas cardíacos", emenda o técnico de enfermagem Francisco Nascimento, 31. Confiante na recuperação do menino, a pediatra Kátia Reis acredita que, se estimulado como está sendo, mesmo com síndrome de Down, ele poderá ter uma vida normal, como toda criança.
Inteligente, o miudinho é. Virou até bilíngüe. Como a mãe não fala nada em português, ele tenta explicar para ela o que os médicos dizem. E quando ele não lhe obedece? Ela dá bronca na língua indígena. A bronca é tão dura que ele fica quietinho em segundos. De longe, a equipe médica apenas observa. E ri, emocionada. Gil mudou tanto a rotina da UTI que médicos viraram compositores. Isso mesmo. Especialmente para ele, criaram um rap. E todos cantam. Ele adora a música. E manda beijo. E bate palma, para ele mesmo, no final do show.
Mesmo que ainda não entenda o que se passa ao seu redor, o indiozinho peralta levou vida e descontração àquele lugar onde crianças lutam todos os dias contra a morte. E fez uma gente de estetoscópio no pescoço sair do prumo. A causa é belíssima. Talvez agora fique claro o que o pediatra Ari Mário Junqueira, 54, disse no início dessa história: "Ele é o remédio da equipe da UTI".
O curumim
Nome - Gil Kamayura
Idade - 3 anos e 9 meses
Tribo - Kamayura
Local onde vive - Parque do Xingu, ao Norte do Mato Grosso
Prontuário - Nasceu com síndrome de Down, tem graves problemas cardíacos e respiratórios e fez traqueostomia
Cirurgia - Em janeiro, será submetido à segunda intervenção cardíaca
Previsão de alta - Indefinida
Local onde está internado - Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital Regional da Asa Sul (Hras)
CB, 27/12/2006, Cidades, p. 24
Menino da tribo Kamayuras saiu do Xingu para tratar-se no Hospital Regional da Asa Sul. Nos cinco meses de internação, contagiou a equipe médica com alegria, descontração e vontade de viver
Marcelo Abreu
Da equipe do Correio
E o indiozinho roubou a cena. Virou a alegria daquele lugar. O xodó daquela gente de jaleco branco e estetoscópio no pescoço, quase sempre preocupada, quase sempre aflita e quase sempre entre a vida ea morte. Um médico, emocionado, não resistiu: "Ele é o remédio da equipe da UTI". E ele, o indiozinho, chegou ali para ser curado. Precisa, aliás, ser curado. Mas acabou, sem querer, acalentando tantas outras pessoas, mesmo que elas não estivessem doentes.
Essa é uma história de como gente pode sempre aprender com gente. Não importa como e onde. Essa é a história de Gil Kamayura, um indiozinho de apenas três anos e nove meses de vida. Da tribo dos Kamayuras, na região do Xingu (MT), ele nasceu com síndrome de Down. Em decorrência da anomalia genética, tem graves problemas cardíacos, o que os médicos chamam de cardiopatias múltiplas e complexas.
E não parou por aí. Em função da alterações cardíacas, o pulmão do menino também foi atingido. Para respirar, foi preciso fazer uma traqueostomia - abertura feita na traquéia, que fica na parte anterior do pescoço, próxima ao pomo de Adão. No local, é introduzido um tubo de metal, que facilita a chegada de ar aos pulmões, quando existe alguma obstrução no trajeto normal.
Coitado do indiozinho, pensariam alguns. Coitado nada. Gil é fogo na roupa. Apesar da limitação, em decorrência dos problemas cardíacos, ele dá show todos os dias. Show de vitalidade, alegria e, sobretudo, vontade de viver. O Correio conta hoje, com exclusividade, a história do índio miudinho que mudou a rotina da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital Regional da Asa Sul (Hras).
Terça-feira, 16h, um dia depois do Natal. Lá está ele, dormindo, na cama da UTI, ao lado do berço enorme que ganhou de presente. E o danadinho dorme como anjo. Médicos fazem anotações e vêem outros pacientes. O lugar foi reformado recentemente. Tudo é novo, limpo e bonito. Tem até palhacinho desenhado na porta. Existem nove crianças internadas ali. Gil é uma delas. De repente, ele acorda. A cara está meio zangada, assustada, como toda criança que acaba de acordar.
Mas logo o semblante muda. E Gil começa a sorrir. Bate palma. Serelepe, joga beijo. Ele adora jogar beijo, até para quem ainda não conhece. Pronto: a alegria é como vírus perigoso, logo contamina todo mundo da equipe médica. O indiozinho quer brincar. Quer andar no andador, quer jogar bola. Haja energia para acompanhar o pique dele. Admirada com tanta disposição, a pediatra intensivista Kátia Moreira Reis, de 43 anos, que acompanha Gil desde o começo, entrega: "Ele é a alegria daqui. Nem sei como será quando for embora".
Em janeiro, Gil será submetido à segunda cirurgia cardíaca, desta vez no Hospital de Base (HBDF). A primeira, realizada com sucesso, foi feita no próprio Hras, em julho, com a equipe do HBDF. O procedimento, aliás, foi o primeiro naquela unidade. E a torcida foi geral. A cada melhora, os médicos comemoram. "Já era para ele ter ido ao Hospital de Base, mas a gente fez tudo para que ficasse aqui e só fosse mesmo em janeiro, perto da cirurgia", conta a pediatra Mirian Monotto, 28.
Futebol e gol
Gil chegou a Brasília há dois anos. Deixou a aldeia, no Xingu, e veio com o pai, a mãe e os quatro irmãos mais velhos. Aqui, a família foi amparada pelo Serviço de Assistência à Saúde Indígena (Sasi), gerenciado pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa), órgão ligado ao Ministério da Saúde. O pai, Apahu Kamayura, 38, é o único que, ainda pouco, fala português. A mãe se comunica por gestos.
Pai e mãe não saem do hospital. Todos os dias visitam o filho caçula. Conversam com ele na língua indígena. Fazem carinho. Querem saber quais os próximos passos. E já revelaram que só vão embora depois que o menino estiver curado. "Nunca vi pais tão presentes como eles. Deixaram tudo na tribo só para cuidar do filho. Eles acreditam na melhora do menino", admira-se o chefe do Sasi, Gilberto Batista de Lima, 44.
Aconchegado pela equipe médica, Gil não pára de aprontar. Especialmente para ele, foi colocada uma televisão perto da cama. Ele adora assistir a jogos de futebol. "O mais engraçado é que, na hora do gol, ele levanta a mãozinha", conta, imitando o gesto do menino, a enfermeira Cíntia Magali Paim Santos, 29. E se a bola não entra, Gil faz cara de bravo.
E se alguém passa na frente da televisão, na hora do futebol? Ah, meu Deus. Ele fica mais zangado ainda. "Toda a equipe está muito apegada a ele. Virou nossa terapia", continua a enfermeira. "A gente só torce para que ele fique bom dos problemas cardíacos", emenda o técnico de enfermagem Francisco Nascimento, 31. Confiante na recuperação do menino, a pediatra Kátia Reis acredita que, se estimulado como está sendo, mesmo com síndrome de Down, ele poderá ter uma vida normal, como toda criança.
Inteligente, o miudinho é. Virou até bilíngüe. Como a mãe não fala nada em português, ele tenta explicar para ela o que os médicos dizem. E quando ele não lhe obedece? Ela dá bronca na língua indígena. A bronca é tão dura que ele fica quietinho em segundos. De longe, a equipe médica apenas observa. E ri, emocionada. Gil mudou tanto a rotina da UTI que médicos viraram compositores. Isso mesmo. Especialmente para ele, criaram um rap. E todos cantam. Ele adora a música. E manda beijo. E bate palma, para ele mesmo, no final do show.
Mesmo que ainda não entenda o que se passa ao seu redor, o indiozinho peralta levou vida e descontração àquele lugar onde crianças lutam todos os dias contra a morte. E fez uma gente de estetoscópio no pescoço sair do prumo. A causa é belíssima. Talvez agora fique claro o que o pediatra Ari Mário Junqueira, 54, disse no início dessa história: "Ele é o remédio da equipe da UTI".
O curumim
Nome - Gil Kamayura
Idade - 3 anos e 9 meses
Tribo - Kamayura
Local onde vive - Parque do Xingu, ao Norte do Mato Grosso
Prontuário - Nasceu com síndrome de Down, tem graves problemas cardíacos e respiratórios e fez traqueostomia
Cirurgia - Em janeiro, será submetido à segunda intervenção cardíaca
Previsão de alta - Indefinida
Local onde está internado - Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital Regional da Asa Sul (Hras)
CB, 27/12/2006, Cidades, p. 24
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