De Pueblos Indígenas en Brasil
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Noticias
O rito contra a ignorância
14/04/2002
Autor: ISRAEL TABAK e Luiz Morier
Fonte: Jornal do Brasil (Rio de Janeiro-RJ)
Jurandir Siridiwê Xavante quer que o público use o coração para entender as apresentações do Rito de Passagem, que traz a cultura indígena ao Rio e São Paulo
Quando era adolescente, Jurandir Siridiwê Xavante foi designado pelo conselho tribal da sua aldeia para conhecer a cultura dos brancos. Viajou para o interior de São Paulo, completou o segundo grau e chegou a fazer um ano de curso superior. O que aprendeu, tratou de empregar em benefício dos companheiros da Reserva Rio das Mortes, em Mato Grosso. Hoje, os próprios índios administram os serviços e cuidam dos interesses e reivindicações da aldeia Pimentel Barbosa, dispensando a tutela da Funai. O contato com o universo dos brancos, gerou, no entanto, iniciativas que extrapolam em muito o cotidiano de uma comunidade xavante. Siridiwê se transformou numa espécie de animador cultural. Quanto mais travava contato com o mundo urbano, mas se irritava com a ignorância, as generalizações e os preconceitos em relação aos índios. Aos 34 anos, presidente de uma ONG criada para preservar e desenvolver as tradições indígenas, ultimamente dedica-se ao evento anual Rito de Passagem que transcorre no Rio e São Paulo. Este ano, seis etnias reproduzem nas duas cidades celebrações milenares de suas culturas. As ferramentas teatrais utilizadas por Siridiwê Xavante não visam apenas a valorizar os rituais. Simbolizam também a intenção de usar a linguagem artística ''civilizada'' para propor uma forma de comunicação inovadora. Agora, a iniciativa de contato é dos índios. ''É uma utopia, a nossa tentativa de construção de uma ponte, sem rancor nem radicalismos'', explica Siridiwê.
-Enviar xavantes para conhecer a língua e o pensamento dos brancos é uma rotina?
-Os xavantes têm tradição guerreira e por isso cuidam com carinho da estratégia. Costumam discutir, incessantemente, fatos importantes que marcaram o seu passado e problemas que antevêem para o futuro. Todo dia, em dois horários, de 4 às 7h da manhã, e de 4 ás 7 da tarde, os anciãos se reúnem com os outros homens que têm mais de 17 anos, para discutir sobre tudo o que interessa, como, por exemplo, preparativos para festas. O contato difícil com os brancos preocupava os sábios da minha aldeia.
-Como foi gestada a idéia?
Foi com uma visão estratégica que, no início da década de 70, o conselho de anciãos da minha aldeia resolveu estreitar esses contatos. O objetivo era interagir, conhecer melhor o outro, para preservar e fortalecer a nossa própria identidade.
-Você foi um dos escolhidos...
-Desde aquela época eu e mais sete meninos fomos enviados para o mundo dos brancos. E hoje somos uma espécie de orientadores e líderes. Pessoas que nos visitavam em Mato Grosso, e que de alguma forma mostraram interesse em nos ajudar, foram fundamentais. Eu, por exemplo, fiquei na casa de uma delas, em Ribeirão Preto, São Paulo. Sempre muito bem tratado.
-E quais foram as conseqÜências para os xavantes da aldeia?
-À medida que os jovens iam regressando, com o conhecimento adquirido, se sentiam mais confiantes para orientar a comunidade na defesa dos seus interesses e direitos. Aproveitamos a cultura branca para nos defender melhor. Agir diretamente para proteger conquistas era bem mais conveniente do que deixar a tarefa a cargo dos funcionários da Funai. Afinal, eles são do governo e nem sempre o que fazem é o melhor para a gente. Por isso fomos assumindo as funções deles. E deu certo.
-O governo não tem melhorado o relacionamento com os índios?
-Fala-se muito nos progressos alcançados com a demarcação de terras, mas não adianta demarcar se o governo não garante proteção, se não há planejamento. O que acontece é que muitas terras são invadidas, as riquezas são exploradas e ninguém toma providências.
--A interação com os brancos levou a outras direções?
-Sim. Aprendemos a importância de preservar nossas tradições e de evitar explorações. A primeira ONG que criamos, a Associação Xavante Pimentel Barbosa, teve como uma das primeiras tarefas pesquisar arquivos do governo sobre a minha família. O cacique Ahopwê era meu avô. Foi ele quem fez o primeiro contato com os brancos e conheceu Getúlio Vargas.
-E como evitar as explorações?
-Divulgar a nossa cultura, sem deturpações, é prioridade. Mas não é só. Queremos protegê-la. E isso também aprendemos na cidade. Temos disco (com 35 músicas xavantes), livro e vídeo prontos. Tudo com direito autoral registrado. Quem usá-los indevidamente será processado.
-Há outras preocupações na área cultural?
-Em relação ao índio, tudo ainda é exótico, folclórico. O que queremos é explicá-lo melhor. Tirar o índio do genérico. Em casa, na escola, na rua, poucos sabem contar a nossa história direito. E isso se estende aos jornalistas. Os fatos são desvirtuados desde os livros didáticos.
-Qual a saída?
-O Ideti (Instituto de Desenvolvimento das Tradições Indígenas), que presido, é a busca de um caminho. Usamos elementos da arte cênica, do show popular, para levar à cidade a nossa verdadeira cultura. Exibimos os rituais, com seus símbolos e mostramos como cada povo se paramenta. É preciso entender para conhecer.
-E os resultados?
-A relação que se estabelece é respeitosa, nas apresentações do Rito de Passagem. A distância se encurta. E não é nossa proposta ficar explicando, didaticamente, cada rito, cada situação, no meio do espetáculo. Queremos que o público use o coração para entender o que se passa. As informações complementares estão nos folhetos que distribuímos. O importante é o retorno posterior, sempre entusiasmado. Recebemos muitos e-mails, cartas e outras manifestações de pessoas elogiando o projeto.
-Algum motivo especial de contentamento?
-Em 2000 fomos convidados pela Casa das Culturas do Mundo, uma instituição alemã, para fazer apresentações naquele país e na Bélgica. A interação com o público foi fantástica. Freqüentemente as pessoas se emocionavam e choravam no meio das celebrações..
Há dificuldades para levar adiante o projeto?
-É claro que precisamos de ajuda, de patrocínios, como a que obtivemos da Petroquisa, no evento atual. Mas, de uma forma geral, há ainda resistências e desconfianças, no caso de projetos relacionados a índios. Uma das razões deve ser a atuação de alguns aproveitadores que pedem dinheiro para desenvolver projetos ligados à cultura indígena e acabam enganando quem confiou neles.
-Em relação à preservação de credos e ritos, a relação dos índios com as religiões tradicionais é problemática...
-A CNBB pediu perdão pelos erros cometidos contra nós. É um começo, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido. O problema é que a diretriz tanto da igreja católica como das protestantes, de tentar conquistar os índios para a sua religião, leva à desestruturação de credos tradicionais e milenares. E também de hábitos cotidianos e familiares que as nossas sociedades desenvolveram ao longo dos séculos.
Qual tem sido a reação das nações indígenas?
-O problema é que, pela nossa cultura, temos dificuldade em dizer não. E as igrejas se aproveitam para impor o seu credo. Os oito jovens xavantes que foram para a cidade obter informações sobre o "outro lado" concluíram que a presença das religiões cristãs nas comunidades não é benéfica.
-E qual a dimensão dessa influência?
-Isso é o mais preocupante. E torna o problema muito delicado. Dos 350 mil índios brasileiros, só uns 10% não sofrem influência dessas religiões. O fato é que o cumprimento dos preceitos religiosos leva a hábitos totalmente dissociados de nossas tradições, acarretando a destruição de sólidas bases familiares e mesmo a debilidade física. "O corpo fica fraco", costumam dizer pessoas que passaram por esse processo.
-Algum sinal de mudança?
-Estamos notando mudanças significativas. Em algumas aldeias, depois de muito tempo sob a influência das igrejas cristãs, há um movimento para reviver antigos credos e tradições. É uma reação ao mal-estar causado por essas influências. O Paulo Bororo, por exemplo, que está com mais de 40 anos, resolveu agora furar orelha, nariz e boca. Pelo ritual, deveria ter feito isso quando era adolescente.
-Enviar xavantes para conhecer a língua e o pensamento dos brancos é uma rotina?
-Os xavantes têm tradição guerreira e por isso cuidam com carinho da estratégia. Costumam discutir, incessantemente, fatos importantes que marcaram o seu passado e problemas que antevêem para o futuro. Todo dia, em dois horários, de 4 às 7h da manhã, e de 4 ás 7 da tarde, os anciãos se reúnem com os outros homens que têm mais de 17 anos, para discutir sobre tudo o que interessa, como, por exemplo, preparativos para festas. O contato difícil com os brancos preocupava os sábios da minha aldeia.
-Como foi gestada a idéia?
Foi com uma visão estratégica que, no início da década de 70, o conselho de anciãos da minha aldeia resolveu estreitar esses contatos. O objetivo era interagir, conhecer melhor o outro, para preservar e fortalecer a nossa própria identidade.
-Você foi um dos escolhidos...
-Desde aquela época eu e mais sete meninos fomos enviados para o mundo dos brancos. E hoje somos uma espécie de orientadores e líderes. Pessoas que nos visitavam em Mato Grosso, e que de alguma forma mostraram interesse em nos ajudar, foram fundamentais. Eu, por exemplo, fiquei na casa de uma delas, em Ribeirão Preto, São Paulo. Sempre muito bem tratado.
-E quais foram as conseqÜências para os xavantes da aldeia?
-À medida que os jovens iam regressando, com o conhecimento adquirido, se sentiam mais confiantes para orientar a comunidade na defesa dos seus interesses e direitos. Aproveitamos a cultura branca para nos defender melhor. Agir diretamente para proteger conquistas era bem mais conveniente do que deixar a tarefa a cargo dos funcionários da Funai. Afinal, eles são do governo e nem sempre o que fazem é o melhor para a gente. Por isso fomos assumindo as funções deles. E deu certo.
-O governo não tem melhorado o relacionamento com os índios?
-Fala-se muito nos progressos alcançados com a demarcação de terras, mas não adianta demarcar se o governo não garante proteção, se não há planejamento. O que acontece é que muitas terras são invadidas, as riquezas são exploradas e ninguém toma providências.
--A interação com os brancos levou a outras direções?
-Sim. Aprendemos a importância de preservar nossas tradições e de evitar explorações. A primeira ONG que criamos, a Associação Xavante Pimentel Barbosa, teve como uma das primeiras tarefas pesquisar arquivos do governo sobre a minha família. O cacique Ahopwê era meu avô. Foi ele quem fez o primeiro contato com os brancos e conheceu Getúlio Vargas.
-E como evitar as explorações?
-Divulgar a nossa cultura, sem deturpações, é prioridade. Mas não é só. Queremos protegê-la. E isso também aprendemos na cidade. Temos disco (com 35 músicas xavantes), livro e vídeo prontos. Tudo com direito autoral registrado. Quem usá-los indevidamente será processado.
-Há outras preocupações na área cultural?
-Em relação ao índio, tudo ainda é exótico, folclórico. O que queremos é explicá-lo melhor. Tirar o índio do genérico. Em casa, na escola, na rua, poucos sabem contar a nossa história direito. E isso se estende aos jornalistas. Os fatos são desvirtuados desde os livros didáticos.
-Qual a saída?
-O Ideti (Instituto de Desenvolvimento das Tradições Indígenas), que presido, é a busca de um caminho. Usamos elementos da arte cênica, do show popular, para levar à cidade a nossa verdadeira cultura. Exibimos os rituais, com seus símbolos e mostramos como cada povo se paramenta. É preciso entender para conhecer.
-E os resultados?
-A relação que se estabelece é respeitosa, nas apresentações do Rito de Passagem. A distância se encurta. E não é nossa proposta ficar explicando, didaticamente, cada rito, cada situação, no meio do espetáculo. Queremos que o público use o coração para entender o que se passa. As informações complementares estão nos folhetos que distribuímos. O importante é o retorno posterior, sempre entusiasmado. Recebemos muitos e-mails, cartas e outras manifestações de pessoas elogiando o projeto.
-Algum motivo especial de contentamento?
-Em 2000 fomos convidados pela Casa das Culturas do Mundo, uma instituição alemã, para fazer apresentações naquele país e na Bélgica. A interação com o público foi fantástica. Freqüentemente as pessoas se emocionavam e choravam no meio das celebrações..
Há dificuldades para levar adiante o projeto?
-É claro que precisamos de ajuda, de patrocínios, como a que obtivemos da Petroquisa, no evento atual. Mas, de uma forma geral, há ainda resistências e desconfianças, no caso de projetos relacionados a índios. Uma das razões deve ser a atuação de alguns aproveitadores que pedem dinheiro para desenvolver projetos ligados à cultura indígena e acabam enganando quem confiou neles.
-Em relação à preservação de credos e ritos, a relação dos índios com as religiões tradicionais é problemática...
-A CNBB pediu perdão pelos erros cometidos contra nós. É um começo, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido. O problema é que a diretriz tanto da igreja católica como das protestantes, de tentar conquistar os índios para a sua religião, leva à desestruturação de credos tradicionais e milenares. E também de hábitos cotidianos e familiares que as nossas sociedades desenvolveram ao longo dos séculos.
Qual tem sido a reação das nações indígenas?
-O problema é que, pela nossa cultura, temos dificuldade em dizer não. E as igrejas se aproveitam para impor o seu credo. Os oito jovens xavantes que foram para a cidade obter informações sobre o "outro lado" concluíram que a presença das religiões cristãs nas comunidades não é benéfica.
-E qual a dimensão dessa influência?
-Isso é o mais preocupante. E torna o problema muito delicado. Dos 350 mil índios brasileiros, só uns 10% não sofrem influência dessas religiões. O fato é que o cumprimento dos preceitos religiosos leva a hábitos totalmente dissociados de nossas tradições, acarretando a destruição de sólidas bases familiares e mesmo a debilidade física. "O corpo fica fraco", costumam dizer pessoas que passaram por esse processo.
-Algum sinal de mudança?
-Estamos notando mudanças significativas. Em algumas aldeias, depois de muito tempo sob a influência das igrejas cristãs, há um movimento para reviver antigos credos e tradições. É uma reação ao mal-estar causado por essas influências. O Paulo Bororo, por exemplo, que está com mais de 40 anos, resolveu agora furar orelha, nariz e boca. Pelo ritual, deveria ter feito isso quando era adolescente.
Quando era adolescente, Jurandir Siridiwê Xavante foi designado pelo conselho tribal da sua aldeia para conhecer a cultura dos brancos. Viajou para o interior de São Paulo, completou o segundo grau e chegou a fazer um ano de curso superior. O que aprendeu, tratou de empregar em benefício dos companheiros da Reserva Rio das Mortes, em Mato Grosso. Hoje, os próprios índios administram os serviços e cuidam dos interesses e reivindicações da aldeia Pimentel Barbosa, dispensando a tutela da Funai. O contato com o universo dos brancos, gerou, no entanto, iniciativas que extrapolam em muito o cotidiano de uma comunidade xavante. Siridiwê se transformou numa espécie de animador cultural. Quanto mais travava contato com o mundo urbano, mas se irritava com a ignorância, as generalizações e os preconceitos em relação aos índios. Aos 34 anos, presidente de uma ONG criada para preservar e desenvolver as tradições indígenas, ultimamente dedica-se ao evento anual Rito de Passagem que transcorre no Rio e São Paulo. Este ano, seis etnias reproduzem nas duas cidades celebrações milenares de suas culturas. As ferramentas teatrais utilizadas por Siridiwê Xavante não visam apenas a valorizar os rituais. Simbolizam também a intenção de usar a linguagem artística ''civilizada'' para propor uma forma de comunicação inovadora. Agora, a iniciativa de contato é dos índios. ''É uma utopia, a nossa tentativa de construção de uma ponte, sem rancor nem radicalismos'', explica Siridiwê.
-Enviar xavantes para conhecer a língua e o pensamento dos brancos é uma rotina?
-Os xavantes têm tradição guerreira e por isso cuidam com carinho da estratégia. Costumam discutir, incessantemente, fatos importantes que marcaram o seu passado e problemas que antevêem para o futuro. Todo dia, em dois horários, de 4 às 7h da manhã, e de 4 ás 7 da tarde, os anciãos se reúnem com os outros homens que têm mais de 17 anos, para discutir sobre tudo o que interessa, como, por exemplo, preparativos para festas. O contato difícil com os brancos preocupava os sábios da minha aldeia.
-Como foi gestada a idéia?
Foi com uma visão estratégica que, no início da década de 70, o conselho de anciãos da minha aldeia resolveu estreitar esses contatos. O objetivo era interagir, conhecer melhor o outro, para preservar e fortalecer a nossa própria identidade.
-Você foi um dos escolhidos...
-Desde aquela época eu e mais sete meninos fomos enviados para o mundo dos brancos. E hoje somos uma espécie de orientadores e líderes. Pessoas que nos visitavam em Mato Grosso, e que de alguma forma mostraram interesse em nos ajudar, foram fundamentais. Eu, por exemplo, fiquei na casa de uma delas, em Ribeirão Preto, São Paulo. Sempre muito bem tratado.
-E quais foram as conseqÜências para os xavantes da aldeia?
-À medida que os jovens iam regressando, com o conhecimento adquirido, se sentiam mais confiantes para orientar a comunidade na defesa dos seus interesses e direitos. Aproveitamos a cultura branca para nos defender melhor. Agir diretamente para proteger conquistas era bem mais conveniente do que deixar a tarefa a cargo dos funcionários da Funai. Afinal, eles são do governo e nem sempre o que fazem é o melhor para a gente. Por isso fomos assumindo as funções deles. E deu certo.
-O governo não tem melhorado o relacionamento com os índios?
-Fala-se muito nos progressos alcançados com a demarcação de terras, mas não adianta demarcar se o governo não garante proteção, se não há planejamento. O que acontece é que muitas terras são invadidas, as riquezas são exploradas e ninguém toma providências.
--A interação com os brancos levou a outras direções?
-Sim. Aprendemos a importância de preservar nossas tradições e de evitar explorações. A primeira ONG que criamos, a Associação Xavante Pimentel Barbosa, teve como uma das primeiras tarefas pesquisar arquivos do governo sobre a minha família. O cacique Ahopwê era meu avô. Foi ele quem fez o primeiro contato com os brancos e conheceu Getúlio Vargas.
-E como evitar as explorações?
-Divulgar a nossa cultura, sem deturpações, é prioridade. Mas não é só. Queremos protegê-la. E isso também aprendemos na cidade. Temos disco (com 35 músicas xavantes), livro e vídeo prontos. Tudo com direito autoral registrado. Quem usá-los indevidamente será processado.
-Há outras preocupações na área cultural?
-Em relação ao índio, tudo ainda é exótico, folclórico. O que queremos é explicá-lo melhor. Tirar o índio do genérico. Em casa, na escola, na rua, poucos sabem contar a nossa história direito. E isso se estende aos jornalistas. Os fatos são desvirtuados desde os livros didáticos.
-Qual a saída?
-O Ideti (Instituto de Desenvolvimento das Tradições Indígenas), que presido, é a busca de um caminho. Usamos elementos da arte cênica, do show popular, para levar à cidade a nossa verdadeira cultura. Exibimos os rituais, com seus símbolos e mostramos como cada povo se paramenta. É preciso entender para conhecer.
-E os resultados?
-A relação que se estabelece é respeitosa, nas apresentações do Rito de Passagem. A distância se encurta. E não é nossa proposta ficar explicando, didaticamente, cada rito, cada situação, no meio do espetáculo. Queremos que o público use o coração para entender o que se passa. As informações complementares estão nos folhetos que distribuímos. O importante é o retorno posterior, sempre entusiasmado. Recebemos muitos e-mails, cartas e outras manifestações de pessoas elogiando o projeto.
-Algum motivo especial de contentamento?
-Em 2000 fomos convidados pela Casa das Culturas do Mundo, uma instituição alemã, para fazer apresentações naquele país e na Bélgica. A interação com o público foi fantástica. Freqüentemente as pessoas se emocionavam e choravam no meio das celebrações..
Há dificuldades para levar adiante o projeto?
-É claro que precisamos de ajuda, de patrocínios, como a que obtivemos da Petroquisa, no evento atual. Mas, de uma forma geral, há ainda resistências e desconfianças, no caso de projetos relacionados a índios. Uma das razões deve ser a atuação de alguns aproveitadores que pedem dinheiro para desenvolver projetos ligados à cultura indígena e acabam enganando quem confiou neles.
-Em relação à preservação de credos e ritos, a relação dos índios com as religiões tradicionais é problemática...
-A CNBB pediu perdão pelos erros cometidos contra nós. É um começo, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido. O problema é que a diretriz tanto da igreja católica como das protestantes, de tentar conquistar os índios para a sua religião, leva à desestruturação de credos tradicionais e milenares. E também de hábitos cotidianos e familiares que as nossas sociedades desenvolveram ao longo dos séculos.
Qual tem sido a reação das nações indígenas?
-O problema é que, pela nossa cultura, temos dificuldade em dizer não. E as igrejas se aproveitam para impor o seu credo. Os oito jovens xavantes que foram para a cidade obter informações sobre o "outro lado" concluíram que a presença das religiões cristãs nas comunidades não é benéfica.
-E qual a dimensão dessa influência?
-Isso é o mais preocupante. E torna o problema muito delicado. Dos 350 mil índios brasileiros, só uns 10% não sofrem influência dessas religiões. O fato é que o cumprimento dos preceitos religiosos leva a hábitos totalmente dissociados de nossas tradições, acarretando a destruição de sólidas bases familiares e mesmo a debilidade física. "O corpo fica fraco", costumam dizer pessoas que passaram por esse processo.
-Algum sinal de mudança?
-Estamos notando mudanças significativas. Em algumas aldeias, depois de muito tempo sob a influência das igrejas cristãs, há um movimento para reviver antigos credos e tradições. É uma reação ao mal-estar causado por essas influências. O Paulo Bororo, por exemplo, que está com mais de 40 anos, resolveu agora furar orelha, nariz e boca. Pelo ritual, deveria ter feito isso quando era adolescente.
-Enviar xavantes para conhecer a língua e o pensamento dos brancos é uma rotina?
-Os xavantes têm tradição guerreira e por isso cuidam com carinho da estratégia. Costumam discutir, incessantemente, fatos importantes que marcaram o seu passado e problemas que antevêem para o futuro. Todo dia, em dois horários, de 4 às 7h da manhã, e de 4 ás 7 da tarde, os anciãos se reúnem com os outros homens que têm mais de 17 anos, para discutir sobre tudo o que interessa, como, por exemplo, preparativos para festas. O contato difícil com os brancos preocupava os sábios da minha aldeia.
-Como foi gestada a idéia?
Foi com uma visão estratégica que, no início da década de 70, o conselho de anciãos da minha aldeia resolveu estreitar esses contatos. O objetivo era interagir, conhecer melhor o outro, para preservar e fortalecer a nossa própria identidade.
-Você foi um dos escolhidos...
-Desde aquela época eu e mais sete meninos fomos enviados para o mundo dos brancos. E hoje somos uma espécie de orientadores e líderes. Pessoas que nos visitavam em Mato Grosso, e que de alguma forma mostraram interesse em nos ajudar, foram fundamentais. Eu, por exemplo, fiquei na casa de uma delas, em Ribeirão Preto, São Paulo. Sempre muito bem tratado.
-E quais foram as conseqÜências para os xavantes da aldeia?
-À medida que os jovens iam regressando, com o conhecimento adquirido, se sentiam mais confiantes para orientar a comunidade na defesa dos seus interesses e direitos. Aproveitamos a cultura branca para nos defender melhor. Agir diretamente para proteger conquistas era bem mais conveniente do que deixar a tarefa a cargo dos funcionários da Funai. Afinal, eles são do governo e nem sempre o que fazem é o melhor para a gente. Por isso fomos assumindo as funções deles. E deu certo.
-O governo não tem melhorado o relacionamento com os índios?
-Fala-se muito nos progressos alcançados com a demarcação de terras, mas não adianta demarcar se o governo não garante proteção, se não há planejamento. O que acontece é que muitas terras são invadidas, as riquezas são exploradas e ninguém toma providências.
--A interação com os brancos levou a outras direções?
-Sim. Aprendemos a importância de preservar nossas tradições e de evitar explorações. A primeira ONG que criamos, a Associação Xavante Pimentel Barbosa, teve como uma das primeiras tarefas pesquisar arquivos do governo sobre a minha família. O cacique Ahopwê era meu avô. Foi ele quem fez o primeiro contato com os brancos e conheceu Getúlio Vargas.
-E como evitar as explorações?
-Divulgar a nossa cultura, sem deturpações, é prioridade. Mas não é só. Queremos protegê-la. E isso também aprendemos na cidade. Temos disco (com 35 músicas xavantes), livro e vídeo prontos. Tudo com direito autoral registrado. Quem usá-los indevidamente será processado.
-Há outras preocupações na área cultural?
-Em relação ao índio, tudo ainda é exótico, folclórico. O que queremos é explicá-lo melhor. Tirar o índio do genérico. Em casa, na escola, na rua, poucos sabem contar a nossa história direito. E isso se estende aos jornalistas. Os fatos são desvirtuados desde os livros didáticos.
-Qual a saída?
-O Ideti (Instituto de Desenvolvimento das Tradições Indígenas), que presido, é a busca de um caminho. Usamos elementos da arte cênica, do show popular, para levar à cidade a nossa verdadeira cultura. Exibimos os rituais, com seus símbolos e mostramos como cada povo se paramenta. É preciso entender para conhecer.
-E os resultados?
-A relação que se estabelece é respeitosa, nas apresentações do Rito de Passagem. A distância se encurta. E não é nossa proposta ficar explicando, didaticamente, cada rito, cada situação, no meio do espetáculo. Queremos que o público use o coração para entender o que se passa. As informações complementares estão nos folhetos que distribuímos. O importante é o retorno posterior, sempre entusiasmado. Recebemos muitos e-mails, cartas e outras manifestações de pessoas elogiando o projeto.
-Algum motivo especial de contentamento?
-Em 2000 fomos convidados pela Casa das Culturas do Mundo, uma instituição alemã, para fazer apresentações naquele país e na Bélgica. A interação com o público foi fantástica. Freqüentemente as pessoas se emocionavam e choravam no meio das celebrações..
Há dificuldades para levar adiante o projeto?
-É claro que precisamos de ajuda, de patrocínios, como a que obtivemos da Petroquisa, no evento atual. Mas, de uma forma geral, há ainda resistências e desconfianças, no caso de projetos relacionados a índios. Uma das razões deve ser a atuação de alguns aproveitadores que pedem dinheiro para desenvolver projetos ligados à cultura indígena e acabam enganando quem confiou neles.
-Em relação à preservação de credos e ritos, a relação dos índios com as religiões tradicionais é problemática...
-A CNBB pediu perdão pelos erros cometidos contra nós. É um começo, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido. O problema é que a diretriz tanto da igreja católica como das protestantes, de tentar conquistar os índios para a sua religião, leva à desestruturação de credos tradicionais e milenares. E também de hábitos cotidianos e familiares que as nossas sociedades desenvolveram ao longo dos séculos.
Qual tem sido a reação das nações indígenas?
-O problema é que, pela nossa cultura, temos dificuldade em dizer não. E as igrejas se aproveitam para impor o seu credo. Os oito jovens xavantes que foram para a cidade obter informações sobre o "outro lado" concluíram que a presença das religiões cristãs nas comunidades não é benéfica.
-E qual a dimensão dessa influência?
-Isso é o mais preocupante. E torna o problema muito delicado. Dos 350 mil índios brasileiros, só uns 10% não sofrem influência dessas religiões. O fato é que o cumprimento dos preceitos religiosos leva a hábitos totalmente dissociados de nossas tradições, acarretando a destruição de sólidas bases familiares e mesmo a debilidade física. "O corpo fica fraco", costumam dizer pessoas que passaram por esse processo.
-Algum sinal de mudança?
-Estamos notando mudanças significativas. Em algumas aldeias, depois de muito tempo sob a influência das igrejas cristãs, há um movimento para reviver antigos credos e tradições. É uma reação ao mal-estar causado por essas influências. O Paulo Bororo, por exemplo, que está com mais de 40 anos, resolveu agora furar orelha, nariz e boca. Pelo ritual, deveria ter feito isso quando era adolescente.
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