De Pueblos Indígenas en Brasil
The printable version is no longer supported and may have rendering errors. Please update your browser bookmarks and please use the default browser print function instead.

Noticias

Para onde vai Serê-Uwarã?

13/04/2003

Autor: Bernardino Furtado e Dado Junqueira

Fonte: Correio Braziliense-Brasília-DF



Adotado por um casal de Ribeirão Preto, o jovem índio de sete anos revive o sonho do conhecimento, inspirado na comunhão com os brancos que floresceu na cidade paulista durante a década de 70


O xavante Serê-Uwarã, com a mãe adotiva maria de Fátima: uma ponte entre dois mundos construída há 30 anos, com a adoção de um tio do garoto


Os pais e irmãos naturais de Serê-Uwarã: ansiosos pela volta do filho


Canarana (MT)- O índio xavante Serê-Uwarã rola pelo assoalho da pequena sala numa casa modesta do bairro Campos Elíseos, em Ribeirão Preto. No sofá, o agricultor Oswaldo e a costureira Maria de Fátima Moreira estimulam Serê a exibir seus dotes atléticos. ''É o melhor nas aulas de Educação Física'', derrete-se Fátima. Ela conta que o indiozinho surgiu na sua vida há cerca de um ano. Veio pelas mãos de uma velha amiga, Vilma Caires de Oliveira, durante uma reunião de espíritas. Foi amor à primeira vista. Em poucos dias, o casal obteve a guarda provisória do menino. Vilma ajudou a amiga a fazer um pequeno dicionário de urgências. Palavras cruciais como dor, comida e frio. Foi o bastante. Hoje na 1ª série, Serê fala português sem sotaque.

Os pais e os sete irmãos verdadeiros de Serê moram a 1.400 quilômetros, na reserva do Rio das Mortes, no Mato Grosso. No semicírculo de 30 malocas de palha que formam a aldeia Pimentel Barbosa, Serizasé, nome brasileiro Israel, e a mulher Reinhomé sonham com o filho, médico formado, de volta à aldeia. Na visão de Serizasé, Serê virá para poupar seu povo dos comprimidos, xaropes e injeções dos warazu, como chamam de modo genérico todos os que não são índios. Será uma espécie de pagé ilustrado, capaz de arrancar das plantas e das massagens novos e extraordinários poderes curativos.

A ponte entre os dois mundos de Serê foi construída há quase trinta anos. Vilma, que levou o menino xavante à nova família, é um dos pilares dessa ponte. Em 1979, ela e o marido Roberto Gomides adotaram um tio de Serê. Aos quatro anos de idade, Canambrê foi o último de uma leva de nove meninos enviados pelos xavantes para serem educados por famílias brancas de Ribeirão Preto. Apowê, o veterano cacique morto em 1977, chamou essa experiência de plano. Queria que seus amigos warazu o ajudassem a preparar líderes xavantes para o futuro. Bastaria que tivessem um lar e escola.

O plano de Apowê mais parece uma história de amor interétnico. Como em toda união, havia regras a cumprir. Vilma e Roberto conheceram as condições em um programa de televisão. Lá estavam os parentes de Canambrê. Procuravam uma família disposta a criar o pequeno xavante como um filho. Não era para sempre. Os pais adotivos comprometeriam-se a levar o menino à aldeia nas férias, para os rituais de iniciação e o casamento, entre os 7 e os 12 anos de idade. A indiazinha esperaria ficar suficientemente crescida para viver com o noivo sob o mesmo teto de palha. Por conta desse último compromisso, Canambrê deveria voltar definitivamente para a aldeia aos 18, 20 anos, no máximo. Vilma e Roberto aceitaram as condições. Estavam casados havia seis meses e, a curto prazo, não planejavam ter um bebê.

Canambrê fez a sua parte. Ajudou a educar o filho de Wilma, nascido sete anos depois, e estudou com afinco. Ganhou uma bolsa da Unicef alemã para cursar escola técnica de enfermagem. Aprendeu acupuntura por dois anos e mergulhou em cursos de fitoterapia. Não chegou a fazer o vestibular. Teve de recusar um convite para jogar futebol no time do Botafogo de Ribeirão Preto. Renata Penzari, a noiva da infância, tinha virado uma moça e não podia mais esperar.

Boa causa
Aos 22 anos de idade, Canambrê voltou ao Rio das Mortes para cumprir sua missão. Segundo Vilma, o rapaz enfrentou a incompreensão dos mais velhos, que se opunham a seu projeto de saúde para a reserva xavante. Quando começou a se impor, veio a tragédia. Uma doença hemorrágica, sem diagnóstico preciso, matou Canambrê dez meses depois de sua volta definitiva à comunidade xavante. Os velhos da tribo atribuíram o fim de Canambrê a um feitiço. Randal Siuware, o primeiro filho, ainda não completara três anos. Penzari estava grávida. Quebrou a tábua de costumes xavante e deu ao caçula o nome do pai falecido. Foi por uma boa causa. Afinal, a morte precoce de Canambrê também rompeu a lógica natural.

Órfãos, Siuware e Canambrezinho adoeceram gravemente. Wilma recolheu os meninos, tomados pela sarna e subnutridos. Trouxe também a viúva Penzari. Aos 43 anos de idade, Wilma diz que Canambrê manifestou, pouco antes de morrer, o desejo de que o filho caçula completasse a sua missão, formando-se médico. Os xavantes dão muito valor aos sonhos. É do corpo adormecido que brotam as músicas, as táticas para as caçadas comunais e os novos caminhos para o futuro da aldeia. Por isso sonhou Canambrê. E agora sonha o pai de Serê-Uwarã.
 

Las noticias publicadas en el sitio Povos Indígenas do Brasil (Pueblos Indígenas del Brasil) son investigadas en forma diaria a partir de fuentes diferentes y transcriptas tal cual se presentan en su canal de origen. El Instituto Socioambiental no se responsabiliza por las opiniones o errores publicados en esos textos. En el caso en el que Usted encuentre alguna inconsistencia en las noticias, por favor, póngase en contacto en forma directa con la fuente mencionada.