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Bruno e Dom: medo e paralisação da Justiça para punir acusados marcam os três anos da morte no Vale do Javari

05/06/2025

Fonte: O Globo - https://oglobo.globo.com/



Bruno e Dom: medo e paralisação da Justiça para punir acusados marcam os três anos da morte no Vale do Javari
O GLOBO viajou à região na tríplice fronteira com a Colômbia e Peru onde dupla foi executada

05/06/2025

Daniel Biasetto

Três anos depois do duplo assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, no Vale do Javari, o clima de tensão e medo persiste na região dos sinuosos e imponentes rios Javari, Ituí e Itaquaí, na tríplice fronteira com a Colômbia e o Peru, onde a presença de criminosos e narcotraficantes é intensa. Apesar da prisão dos envolvidos, inclusive do homem apontado como o mandante das mortes pela Polícia Federal, Ruben Dario Villar, o Colômbia, o caso segue sem a condenação dos envolvidos.

Em outubro do ano passado, o Ministério Público Federal (MPF) apresentou recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para que seja mantido o julgamento do réu Oseney da Costa Oliveira, por júri popular. Para o MPF, ele, juntamente com os réus Amarildo da Costa Oliveira e Jefferson da Silva Lima, deve ser julgado por duplo homicídio qualificado. Mas nada avançou depois disso, e ainda não há data para o julgamento. Também não foi para frente, no MPF, o indiciamento de Colômbia como mandante do crime pela PF. Questionado pelo GLOBO, o MPF afirmou que o inquérito ainda está sendo analisado, e o caso corre em segredo de Justiça.

Operações da PF e do Exército se intensificaram, mas, segundo os indígenas ouvidos pela reportagem, ainda são insuficientes. O Vale do Javari é a segunda maior terra indígena do Brasil, com 8,5 milhões de hectares e seu tamanho requer muito mais do que operações pontuais. É preciso, de acordo com o entendimento de quem atua na área, de presença fixa e irrevogável das forças de segurança do Estado.

- Uma área extensa como essa, de riquezas naturais sem comparações e numa área tão perigosa como é a tríplice fronteira com a presença de madeireiros, garimpeiros e narcotraficantes, não ter bases fixas da Polícia Federal e do Ibama parece até brincadeira de mau gosto - afirma Bushe Matis, atual coordenador da Univaja.

Formada e idealizada pelo indigenista Bruno Pereira, a Equipe de Vigilância da Univaja, a EVU (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari) continua a fazer apreensões e multiplicou por cinco o número de monitores (108 integrantes) na região, além de ter virado um modelo para outras terras indígenas. Mas, segundo a liderança Gago Kanamari, as ameaças continuam:

- Não posso dizer que não houve uma certa recuada do crime organizado na região após as mortes de Bruno e Dom, mesmo com ações tímidas e pontuais do governo federal. Nossa equipe está atuando em outras regiões, como o Médio Javari, onde hoje se concentra a maior parte das invasões, mas ainda não nos sentimos seguros. Dia desses recebemos ameaças por mensagens e vídeos - diz.

Representante da Associação Kanamari do Vale do Javari (Akavaja), Feliciana Kanamari, falou ao GLOBO na aldeia Massapê sobre a ameaça concreta que recebeu dois meses após as mortes de Bruno e Dom. Na ocasião, um grupo de criminosos invadiu a aldeia. Munidos de fuzis e pistolas, colocaram uma arma em seu peito.

- Eu ainda tenho trauma daquele acontecimento. Entrei no programa de proteção da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos(Cidh), mas não desisto da nossa luta. Mesmo ainda hoje, quando fico um tempo fora de minha casa na cidade de Atalaia do Norte, quando volto, meu quintal está cheio de cascos de tracajá, por pura provocação. Agora estou aqui na aldeia e sei que quando voltar, eles vão repetir essa provocação. Então a gente está sempre em alerta, não conseguimos ter paz - conta.

O GLOBO visitou a base de vigilância do Ituí, principal posto da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) para a proteção de indígenas isolados, que em 2019 sofreu oito ataques a tiros de invasores. Segundo o chefe de serviço da Bape Ituí, Waldecir Cardoso Jaste, a situação está menos tensa na região após os assassinatos de Bruno e Dom.

- Não sofremos mais ataques desde então. Mas isso não significa que o perigo não exista. A presença da Força Nacional nos traz segurança, mas estamos sempre em alerta - conta

O sargento Cardovan, do 8o Batalhão da Polícia Militar do Amazonas, que faz a segurança do posto, contou que algumas apreensões de armas de caçadores continuam acontecendo, mas em menor número do que antes das mortes de Bruno e Dom.

- Dá para dizer que as coisas estão mais tranquilas, mas, recentemente, fomos surpreendidos pela presença de drones sofisticados vigiando a base. Pedimos autorização do comando para abatê-los, mas quando fomos disparar, eles se afastaram. Não sabemos ainda do que se trata e nem de onde eles vêm. Podem ser de invasores controlando nossa presença, pode ser até de missionários que ainda tentam entrar na terra indígena para evangelizar indígenas korubo que vivem isolados - explica.

Já o chefe da Frente de Proteção Etnoambiental do Vale do Javari (FPE-VJ), Ilter Rodrigues diz concordar que o número de ocorrências diminuiu, mas acrescenta não se sentir à vontade para andar pelos municípios vizinhos Atalaia do Norte, Benjamin Constant e Tabatinga. Ele ressalta que recentemente ele e sua equipe quase sofreram uma emboscada de caçadores, na Base do Quixito.

- Fizemos uma apreensão, e eles deram a volta na mata para nos preparar uma emboscada. Estavam fortemente armados e eu não sei o motivo do porquê não atiraram - afirma.

Procurado pelo GLOBO, o governo federal, por meio do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), afirmou que há em andamento, desde junho de 2023, o Plano de Proteção Territorial do Vale do Javari. Coordenado pelo MPI, o plano tem a coordenação da diretora de Departamento de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato da pasta, Beatriz Matos, viúva de Bruno.

O MPI afirma que as ações coordenadas entre os órgãos federais participantes são uma resposta do governo federal para o cumprimento de decisões judiciais à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 991, no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), de uma Ação Civil Pública da Justiça Federal do Estado do Amazonas, e de Medidas Cautelares da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). De acordo com o órgão, essas medidas "representam um reconhecimento internacional da gravidade da situação e da necessidade urgente de proteção para os povos indígenas e defensores de direitos humanos na região".

O MPI destaca ainda a participação da Univaja ao longo do processo de elaboração do plano, com o aporte de informações qualificadas sobre o território e o diálogo realizado também ao longo da sua execução. Desde a sua implementação, o plano realizou 42 operações que resultaram em 211 ações fiscalizatórias; R$ 27 Milhões em multas aplicadas; 5,5 toneladas de pesca ilegal apreendidas (principalmente pirarucu - 4,9 ton.); 3,1 toneladas de carne de caça ilegal; 689 animais silvestres (pacas, queixadas, jacarés, macacos, cotias, veados, entre outros; 13.879 ovos de quelônios (tracajá).

Ainda segundo o MPI, foram inutilizadas 157 dragas, 55 balsas e 171 motores em ações de garimpo ilegal; com a apreensão de 1.502 gramas de ouro; 72.580 litros de diesel, 4.765 litros de gasolina, 2.500 litros de gasolina de aviação e 420 litros de óleo lubrificante, entre 110 inutilizações de embarcações e diversos materiais de pesca ilegal; 55 geradores de energia; 52 motosserras; 93 armas e 1.042 munições de variados calibres, além de 73 aparelhos celulares, 40 antenas de Internet e 54 freezers.

Procurada, a presidência do IBAMA não retornou aos contatos da reportagem. Da mesma forma, o STJ não retornou quando questionado sobre a nova data do júri popular e nem se outros envolvidos, assim como Colômbia, serão incluídos.

Por nota, a Polícia Federal informou que, ao longo de dois anos de investigação, promoveu o indiciamento de nove investigados, tendo sido devidamente identificado no relatório final o mandante do duplo homicídio, o qual forneceu cartuchos para a execução do crime, patrocinou financeiramente as atividades da organização criminosa e interveio para coordenar a ocultação dos cadáveres das vítimas. Os demais indiciados tiveram papéis na execução dos homicídios e na ocultação dos cadáveres das vítimas.

O inquérito revelou ainda, diz a nota da PF, a atuação da criminalidade organizada na região de Atalaia do Norte, ligada à pesca e caça predatórias. A ação do grupo criminoso gerou impactos socioambientais, causou ameaças aos servidores de proteção ambiental e às populações indígenas. O coordenador do grupo criminoso, segundo a Polícia Federal, Ruben Dario da Silva Villar, conhecido como "Colômbia", foi identificado no relatório final da PF e se encontra preso.

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