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Os riscos do 'PL da devastação' para o patrimônio biocultural amazônico

13/07/2025

Autor: ROCHA, Bruna; BARRETO, Cristiana; OLIVEIRA, Rodrigo; NEVES, Eduardo.

Fonte: OESP - https://www.estadao.com.br/



Os riscos do 'PL da devastação' para o patrimônio biocultural amazônico
O Projeto de Lei 2159/2021 ignora nossas conquistas civilizatórias e nossos compromissos legais

13/07/2025

Bruna Rocha
É professora na Universidade Federal do Oeste do Pará

Cristiana Barreto
É professora, membro do Museu Paraense Emílio Goeldi

Rodrigo Oliveira
É doutorando na Universidade de Brasília

Eduardo Neves
É arqueólogo (USP)

Travestido de seu sentido original, o Projeto de Lei 2159/2021, apelidado apropriadamente de "PL da devastação" não apenas retira direitos constitucionalmente garantidos à saúde e a um meio ambiente equilibrado, como também tolhe o direito dos povos e comunidades a seu patrimônio cultural.

O patrimônio arqueológico brasileiro e amazônico constitui testemunho único e não renovável de uma história de ocupação humana que remonta a mais de 13 mil anos. Abarca muitos sítios arqueológicos e lugares sagrados para povos indígenas, quilombolas e povos e comunidades tradicionais, bem como moradores das cidades da região. Estão localizados dentro e fora de territórios oficialmente reconhecidos pelo Estado, em seus morosos processos de demarcação e delimitação de áreas tradicionalmente ocupadas. Cidades como São Luís, Belém ou Manaus guardam uma rica memória arquitetônica da história do País.

Sítios arqueológicos e lugares sagrados são pilares da memória e identidade para esses coletivos de tradição oral; constituem referências sobre trajetórias míticas de heróis culturais ou mesmo sobre o passado das últimas gerações, guardando sepultamentos de antepassados ou mesmo histórias de pessoas escravizadas. Lugares sagrados frequentemente desempenham papel importante no equilíbrio ambiental, contendo concentrações de plantas medicinais ou sendo locais de desova de peixes, por exemplo.

A ciência tem demonstrado como sítios arqueológicos na Amazônia comumente concentram espécies vegetais importantes para a alimentação, medicina e para fins tecnológicos, constituindo um patrimônio biocultural brasileiro. Ocorre que a vasta maioria desses lugares ainda não foi registrada: além da dificuldade de acesso e alto custo logístico que restringe a abrangência de pesquisas, há lugares sagrados que são invisíveis para quem não pertence ao grupo social a eles relacionado, pois esses podem ser feições na paisagem como montanhas, corredeiras, ou paredões rochosos.

Além disso, muitos sítios arqueológicos que já foram registrados não constam nas bases atualmente utilizadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), visto que não estão georreferenciados.

Todavia, o artigo 40 do texto aprovado pelo Senado no dia 21 de junho dá a entender que serão considerados apenas os sítios já cadastrados, em flagrante desrespeito à Lei 3.924/61, conhecida como a Lei de Arqueologia.

Conforme aponta a Sociedade de Arqueologia Brasileira, as 13 atividades que seriam dispensadas de processos de licenciamento pelo PL 2159/2021 certamente provocarão a destruição de sítios arqueológicos e lugares sagrados, pois envolvem revolvimento de solo; o mesmo deve ser notado com relação a atividades agropecuárias.

Não deve caber aos entes federativos o poder de definir as tipologias de impacto de empreendimentos e tampouco o chamado Licenciamento Ambiental simplificado por Adesão e Compromisso (LAC) deveria permitir ao empreendedor declarar a presença ou ausência de patrimônio arqueológico.

Ora, se arqueólogos levam anos para construir uma formação que os capacite para tal, qual é a chance de um empreendedor interessado em rapidamente executar uma obra conseguir - ou querer - enxergar o patrimônio arqueológico? A retirada da participação obrigatória do Iphan e das demais autoridades do Patrimônio Cultural da avaliação dos impactos e das medidas a serem tomadas, simplesmente desmontará quase um século de construção de políticas de proteção do patrimônio arqueológico sem qualquer discussão, sepultando a inspiradora contribuição pioneira de intelectuais como Rodrigo Mello Franco de Andrade e Mario de Andrade.

Em seu discurso no Senado Federal na semana após a aprovação do PL 2159/2021, Davi Alcolumbre declarou que: "Muitos preferem ver o Brasil paralisado, com mais de 5 mil obras travadas, reféns da burocracia e de posições ideológicas que não enxergam a realidade de quem precisa de pontes, estradas, energia e infraestrutura para viver com dignidade". Parece-nos claro que para se viver com dignidade também é preciso ter direito à saúde e a um meio ambiente equilibrado, bem como é fundamental ter garantido o direito à cultura, à memória e aos lugares de culto. São esses os símbolos que constroem uma civilização.

Povos indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais e moradores dos centros históricos das cidades têm o direito de serem consultados acerca de empreendimentos que poderão impactar seus territórios (sejam esses oficialmente reconhecidos ou não) e lugares de culto, segundo a Constituição federal de 1988 (artigo 5.o, Inciso VI) e segundo a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, assinada e ratificada pelo Brasil. Para a Organização das Nações Unidas (ONU), a destruição, a pilhagem e o ataque a símbolos, bens e lugares relacionados à identidade religiosa e ao patrimônio cultural de grupos minoritários, cria um ambiente propício ao genocídio e ao cometimento de atrocidades em massa (United Nations, 2014, p. 16-21).

Ninguém quer paralisar o Brasil. Contudo, é preciso fazer com que toda e qualquer obra não seja vetor de violação de direitos - como tem sido observado historicamente na Amazônia, sobretudo em relação às populações mais vulneráveis, que dependem dos rios e das florestas para sobreviver. Para garantir celeridade, é preciso investir no Estado e em seus servidores, para que haja pessoal suficiente para analisar milhares de processos. Atualmente o Iphan conta com cerca de 100 arqueólogos pelo Brasil para dar conta de mais de 5000 processos ao ano.

O PL 2159 simplesmente ignora nossas conquistas civilizatórias e nossos compromissos legais, fazendo com que sua judicialização seja certa.

https://www.estadao.com.br/opiniao/espaco-aberto/os-riscos-do-pl-da-devastacao-para-o-patrimonio-biocultural-amazonico/
 

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