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A diáspora ribeirinha: expulsos de suas terras por Belo Monte lutam para voltar para casa e escapar da morte na cidade

17/09/2025

Autor: Guilherme Guerreiro Neto , Rio Xingu, Altamira, Amazônia

Fonte: Sumauma - https://sumauma.com



Quase dez anos após a entrada em operação da hidrelétrica, a Norte Energia ainda precisa comprar terras para o Território do Ribeirinho, enquanto o governo parece não ter forças para obrigar o consórcio a cumprir a regulamentação. Em Altamira, os mais velhos adoecem e os mais novos perdem o contato com a Floresta.

Maria Madalena Câmara está encanteirada - sua palavra para as sementes de uma árvore esperando para serem plantadas - na periferia marginalizada de Altamira . Ela está assim, com a vida em espera, há dez anos. Em 2015, a Norte Energia, o consórcio que detém a concessão da gigantesca usina hidrelétrica de Belo Monte, arrancou Dadá, como ela é conhecida, das terras onde morava, em Bacabal, às margens do Rio Xingu , e a depositou no projeto habitacional do Reassentamento Urbano Coletivo Água Azul. Quando pensou que finalmente voltaria para casa, plantou mudas de abacate, açaí, biriba e graviola para levar consigo. As mudas não duraram muito. Dadá teve que plantá-las no quintal de seu lote na cidade, onde cresceram espremidas entre muros. Mas, aos 64 anos, ela continua encanteirada, porque nunca se encaixou no reassentamento urbano. E o dia em que ela retornará para sua casa no beiradão - a beira do rio Amazonas - ainda está por vir.

O represamento do Rio Xingu para acionar as turbinas da Usina Hidrelétrica de Belo Monte também tirou a vida da família de Dadá e de pelo menos 295 outras famílias ribeirinhas que faziam parte do rio. Esse trecho de água tornou-se o reservatório de Belo Monte, a maior usina hidrelétrica de propriedade integralmente brasileira, que não consegue produzir nem 40% de sua capacidade instalada e cuja licença de operação expirou em 2021.

O Plano Diretor Ambiental de Belo Monte prometia restaurar o modo de vida das populações afetadas. A licença de operação da usina foi concedida com a condição de que a Norte Energia revisasse o tratamento dado aos ribeirinhos, garantindo que essa comunidade tradicional tivesse duas casas: uma no rio e outra na cidade, para que pudessem ter acesso a serviços de saúde e outros. Mas a lancha de Dadá e seu companheiro Edmo Cabral, de 68 anos, continua encalhada, na terra seca e batida da cidade. Os olhos de Dadá, cansados da rua, buscam o rio. Para os ribeirinhos, a violação de suas vidas nunca cessou. Quase dez anos após o início das operações de Belo Monte, eles ainda aguardam indenização.

O primeiro passo para tais reparações tem um nome: Território Ribeirinho. Um território coletivo de 20.300 hectares, formado por três faixas contínuas, que no papel já foram desenhadas e zoneadas, e os locais que as famílias irão reocupar definidos. Uma parte da terra está dentro da Área de Preservação Permanente criada às margens do reservatório, que foi parcialmente desmatada pela Norte Energia entre 2011 e 2014. A outra faixa são as chamadas áreas adjacentes à Área de Preservação Permanente, que, de acordo com o IBAMA, a agência de proteção ambiental do Brasil, a Norte Energia é obrigada a adquirir. Apesar de uma Declaração de Utilidade Pública emitida pela Aneel, a agência reguladora de energia elétrica do país, confirmar que essas áreas podem ser desapropriadas, o consórcio ainda não comprou a terra. O governo brasileiro, por sua vez, parece não ter força para fazer cumprir a regulamentação.

Menos da metade das 296 famílias ribeirinhas reconhecidas retornaram ao beiradão, e quase todas vivem dentro da Área de Preservação Permanente (APP). O Ministério Público Federal (MPF) sustenta que as comunidades deveriam ter sido autorizadas a retornar, mesmo sem a regularização das áreas adjacentes. Impedir o retorno ao seu território tradicional é a forma mais grave de violência contra os arrancados do rio.

Há muitos outros. Os ribeirinhos que conseguiram retornar e ocupar terras ao longo do beiradão enfrentam restrições ao plantio, escassez de peixes, vigilância constante, acesso limitado e instável à educação e à saúde, além de pressão constante dos agricultores locais. Tudo parece ter como objetivo forçá-los a desistir. Mas, uma vez lá, eles resistem.

Pelo menos 163 famílias permanecem distantes do território e do Rio, espalhadas por projetos de reassentamento urbano na região. São refugiados do desenvolvimento amazônico, sobrevivendo na diáspora, como Dadá. Ou morrendo, como seu neto Patrick, que em 2018, aos 14 anos, foi atropelado por um caminhão basculante. Patrick, um menino das águas, morreu da cidade, uma doença trazida por Belo Monte. Sua avó e tantos outros ribeirinhos sem rio vivem um sofrimento prolongado. Passam a velhice encanteirados, impedidos de reconstruir seus mundos no tempo que lhes resta.

'Tudo desapareceu'

Enquanto prepara o café, Joana Gomes da Silva relembra o quanto viveu em seus 60 anos. Da infância pescando com a mãe no Rio Iriri à vida de casada, morando na Ilha da Samaúma, no Xingu. A ilha não sobreviveu a Belo Monte. "Tudo desapareceu", diz ela. Joana e Lindolfo Aranha Neto, 65, estão entre os ribeirinhos que, depois da barragem, conseguiram retornar à beira d'água. Eles moram no Palhal, bem próximo à barragem de Pimental, a usina hidrelétrica complementar de Belo Monte. Quando chegaram, a área era apenas um terreno baldio onde a Norte Energia estacionava máquinas. A partir daí, o casal tenta dar vida ao Território Ribeirinho.

Ando pela terra com Rodolfo. Ele aponta as árvores como se apresentasse uma criança. "Esta é a Seringueira, eu plantei quando cheguei", diz. A árvore recria a Floresta em uma área do Xingu que já abrigou seringais. O que brota no beiradão hoje quase sempre brota da teimosia. A Norte Energia proíbe os ribeirinhos de plantar na Área de Preservação Permanente sem autorização. Eles não podem semear livremente no solo nem cultivar suas roças. E sem roça, não têm mandioca para fazer farinha, nem milho para alimentar suas galinhas.

As famílias também relatam ser constantemente monitoradas por equipes da Norte Energia e até por drones. Há algum tempo, um drone circulou a casa da filha de Joana e Lindolfo, que mora nas proximidades. Ela estava lavando roupa, de calcinha, quando sentiu a presença intrusa atravessando seu território e seu corpo. Correu para dentro para se cobrir. Quando saiu, o drone ainda estava lá, invadindo-a.

Além das proibições de plantio, Joana e Lindolfo, como pescadores, sentem os efeitos do fim do mundo ao tocarem a água. Os ribeirinhos não foram os únicos moradores expulsos do rio. "Os peixes que a gente pescava acabaram. Não tem Curimata, Pacu, Pacu Seringa ...", diz Joana. "Não tem Piranha, não tem Piau, não tem Matrinxã", acrescenta Lindolfo. "Eram peixes de água corrente. Hoje, com o lago, só tem Tucunaré, Pescada, Caratinga e Flecheira." Da mata destruída, ao longo do reservatório, só restaram os "paliteiros", as pontas expostas dos troncos das árvores afogadas.

Durante a seca extrema de 2024 , um trecho do rio quase secou. O pescador Nelson Curuaia Caiapó, de 59 anos, que até junho passado era conhecido como Nelson Dias da Silva, teve que deixar seu cais e caminhar na lama por cerca de 150 metros para alcançar os últimos filetes de água do Xingu. De seu lote designado no Território do Ribeirinho, ele agora vivencia o oposto daquele cenário mortal, onde a emergência climática e Belo Monte se entrelaçaram. Graças ao açaizeiro que ele plantou, uma nascente em uma caverna que havia secado começou a jorrar água novamente. Ela renasceu.

Nelson é filho de Teminó, uma indígena Kayapó de 83 anos, e Francinete, uma indígena Kuruaya de 72 anos - e é por isso que ele agora abraça sua ancestralidade indígena através do sobrenome. Depois de anos separados, seus pais se reencontraram na velhice. Eles passam um tempo na cidade para ter acesso à saúde, mas é no beiradão que se sentem verdadeiramente felizes. "Estamos acostumados a viver na beira do rio. O clima da cidade não é bom para nós", diz Francinete.

Os abusos e atrasos da Norte Energia se acumulam, impactando o cotidiano das famílias. Os alertas do Ibama não surtem efeito na postura do consórcio. Questionada pela SUMAÚMA, a agência, responsável pelo licenciamento ambiental federal, afirmou que "adotou todas as medidas de sua competência" e que "continuará a cumprir as exigências de licenciamento do governo". Mas o fato é que as obrigações oficialmente documentadas não estão sendo cumpridas - sem consequências para a Norte Energia.

A SUMAÚMA entrou em contato com o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas e, durante onze dias, tentou descobrir como é possível uma empresa se colocar acima da lei e do governo brasileiro e como o governo federal pode não conseguir obrigar a Norte Energia a cumprir suas obrigações com os diversos destinos afetados por Belo Monte. O Ministério sugeriu uma entrevista com seu secretário executivo, João Paulo Capobianco, com a qual a SUMAÚMA concordou. Posteriormente, Capobianco desistiu da entrevista, afirmando que mantém a declaração do Ibama, e que ela nunca ocorreu. Ninguém apareceu para explicar por que o Território Ribeirinho não foi implementado até hoje ou por que a Norte Energia continua descumprindo o acordo.

Entre direitos violados e vozes que lutam para serem ouvidas

Uma inspeção interinstitucional liderada pelo Ministério Público em junho de 2015 examinou a remoção forçada de comunidades das terras tradicionais do Ribeirinho. A equipe identificou o descumprimento do Plano Diretor Ambiental de Belo Monte, com risco de perda de modos de vida tradicionais e graves violações de direitos humanos. Constatou também que as comunidades do Ribeirinho foram invisibilizadas durante o processo de licenciamento e que a Norte Energia não as ouviu nem negociou com elas.

O governo brasileiro então iniciou um processo que chamou de "diálogos do Ribeirinho", com a promessa de garantir espaço para a participação da comunidade na reestruturação do território.

Como se viu, tal diálogo nunca se concretizou. A Norte Energia continuou a ter poder absoluto para decidir quem era ou não ribeirinho e qual local seria alocado a quem. Excluía ribeirinhos reconhecidos daqueles que tinham o direito de retornar ao beiradão, mas incluía, por exemplo, o então Secretário de Saúde de Altamira, Waldecir Maia, que era beneficiário de uma área de pesca. A necessidade de um estudo mais aprofundado era evidente.

Nesse momento, a procuradora federal de Altamira, Thais Santi, recorreu à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Entre agosto e novembro de 2016, pesquisadores acadêmicos e ribeirinhos, membros do Movimento Xingu Vivo para Sempre e do Instituto Socioambiental, se concentraram em maneiras seguras de evitar que o modo de vida dos ribeirinhos fosse submerso junto com as ilhas do Xingu.

Em 11 de novembro de 2016, aproximadamente 800 ribeirinhos, pescadores e indígenas lotaram o Centro de Convenções de Altamira para uma audiência pública na qual os resultados do estudo seriam apresentados. No relatório da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha identificou diretrizes cruciais para o que viria a seguir: 1) que a identificação correta da população afetada é condição necessária para a reparação; 2) que a base de qualquer identidade depende da autoidentificação e do reconhecimento pelos pares. O relatório também recomendou a criação de um conselho de ribeirinhos.

O Conselho do Ribeirinho, criado em dezembro de 2016, é um dos eventos mais significativos na luta pela vida no Xingu. Ele se levanta contra o silenciamento, se manifesta e declara que "nós, os Ribeirinhos, decidiremos quem somos". Entre janeiro e março de 2017, o Conselho realizou o reconhecimento social dos Ribeirinhos do beiradão. Pessoas que viviam nas comunidades do Xingu há muito tempo, como Joana e Nelson, e que conheciam muitos outros que estavam ali radicados, tornaram-se conselheiros.

Em 2018, em seminário na Universidade de Brasília sobre a recuperação do modo de vida das comunidades, o Conselho apresentou o mapa do Território Ribeirinho. Manuela Degani, então gerente de projetos socioambientais da Norte Energia, afirmou que havia consenso sobre a legitimidade do Conselho Ribeirinho. O antropólogo José Augusto Sampaio, que participou a convite da empresa, afirmou que o respeito ao modo de vida e à autonomia ribeirinho era uma questão de princípio, algo que o consórcio "havia compreendido".

Tais palavras, contudo, tiveram pouco efeito.

Em documento enviado à Diretoria de Licenciamento Ambiental do Ibama, datado de 6 de agosto de 2025, Bruno Bahiana, superintendente socioambiental e do Componente Indígena da Norte Energia, ignora todo o trabalho do Conselho do Ribeirinho em relação à regularização do território. Afirma que, previamente a qualquer regularização fundiária, seria necessária a manifestação de interesse das famílias, a formalização de uma "entidade legítima e legalmente regularizada" para representá-las e a própria definição jurídica e ambiental do território.

A Norte Energia apresentou ao Ibama seu plano diretor para a restauração do modo de vida das famílias de Ribeirinho em junho de 2019. Em novembro daquele ano, o Ibama publicou uma análise técnica do relatório e aprovou o plano. Em uma comunicação aos povos deslocados por Belo Monte em abril de 2025, o órgão ambiental brasileiro afirmou ser importante que a implementação do território seja concluída o mais breve possível, construindo um caminho participativo rumo à titularidade coletiva.

'Existem práticas evidentes de morte'

"A primeira violação desse processo é a falta de respeito da empresa com esse grupo tradicional, a falta de compreensão com quem está lidando. Depois de dez anos!", afirma a promotora Thais Santi. Entre 6 e 10 de julho de 2025, uma década após a fiscalização interinstitucional, o Ministério Público Federal, o Ibama, o Conselho Municipal de Ribeirinho, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos e cientistas visitaram o lago e os Reassentamento Urbano Coletivo para se reunir novamente com as famílias de Ribeirinho. A SUMAÚMA acompanhou algumas dessas visitas.

A antropóloga Sônia Magalhães, professora da Universidade Federal do Pará, estuda grandes projetos de engenharia na Amazônia desde a década de 1980 e realiza pesquisas na região do Xingu há quase 20 anos. Participou da pesquisa de 2015 e, com Manuela Carneiro da Cunha, coordenou a pesquisa da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Agora, ela retornou às histórias das vítimas da barragem de Belo Monte e acompanhou a nova fiscalização. Ao buscar maneiras de nomear a violência cotidiana que enfrenta, ela falha. A linguagem não consegue captar a crueldade.

Em reunião com os participantes após os primeiros dias de fiscalização, a professora, indignada, descreveu a violência jurídica e humanitária perpetrada contra os Ribeirinhos como insustentável. "Há práticas evidentes de morte", afirmou, referindo-se à morte tanto das pessoas quanto de suas formas de fazer o mundo. Ela também destacou a força vital que as comunidades que já retornaram à região emprestam ao Xingu, por meio da resistência social e da restauração ambiental. "Não é mais a margem do rio. O Rio está morto. E são vocês que vão trazer o Rio de volta à vida", afirmou, dirigindo-se aos conselheiros presentes.

Para que as pessoas recuperem o que a hidrelétrica degradou, o beiradão precisa se tornar um verdadeiro território ribeirinho, ou seja, as famílias precisam poder reconstruir seu modo de vida ali. A área de preservação artificial, segundo Sônia Magalhães, precisa sustentar a ideia de vida e moradia ribeirinha, e sua relação com a terra; não pode limitá-la. O jurista Carlos Marés, professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, que também participou das visitas de julho, explicou que o objetivo de uma área de preservação é preservar as águas e as matas ciliares da destruição causada pelo agronegócio. As áreas de preservação existem para coibir esse modo predatório de estar no mundo. Elas não podem ser usadas para restringir um território tradicional que, em vez de destruir, convive com a Natureza.

O relatório do Ibama sobre a recente fiscalização do Xingu afirma: "Os relatos dos moradores [de Ribeirinho] demonstram claramente que, sete anos após a aprovação da proposta do Ribeirinho (2019), sem a possibilidade de moradia e subsistência na Área de Preservação Permanente e acesso às áreas adjacentes, que a Norte Energia foi obrigada a adquirir, a vida na cidade trouxe mais sofrimento do que acolhimento ao modo de vida tradicional do Ribeirinho." O relatório continua: "Viver na cidade sem a possibilidade de buscar subsistência nas terras previstas na proposta do Ribeirinho tem causado grande pressão sobre as famílias que ainda não ocupam seus respectivos terrenos na Área de Preservação Permanente do reservatório do Xingu."

Em e-mail enviado à SUMAÚMA, o coordenador-geral da Comissão de Licenciamento Ambiental de Empreendimentos Fluviais e Terrestres do Ibama, Edmilson Maturana, e o analista técnico da Comissão de Licenciamento Ambiental de Usinas Hidrelétricas, Obras e Estruturas Fluviais do órgão, Henrique Marques, que acompanharam a vistoria de julho e assinaram o relatório, reconheceram o desgaste que a demora na regularização do território está causando a Ribeirinhos e que a "aquisição [das áreas adjacentes] está demorando muito, e tem causado diversos problemas para as famílias que não conseguem continuar com suas vidas normais".

Em 19 de agosto, a Diretora de Licenciamento Ambiental do Ibama, Claudia Barros, enviou ofício ao Superintendente de Assuntos Socioambientais e Indígenas da Norte Energia. Entre outras reivindicações, o documento autoriza a empresa a oferecer moradia na Área de Preservação Permanente para mais 20 famílias do Ribeirinho; solicita que o consórcio altere seu sistema de vigilância imobiliária, que "tem imposto restrições ao modo de vida tradicional e restringido a liberdade dos moradores"; e dá à Norte Energia 15 dias para apresentar proposta de aumento do valor mensal do auxílio-transição destinado às famílias que aguardam retorno ao território, atualmente em US$ 255,61.

Em relação à compra das áreas adjacentes, a Norte Energia informou ao Ibama que o governo brasileiro ainda não definiu como receberá as terras, uma vez que serão de propriedade coletiva. A Prefeitura de Ribeirinho, o Ministério Público e o Ibama estão tentando coordenar, com o governo, que tipo de assentamento tradicional as áreas limítrofes à Área de Proteção Permanente se tornarão. Contatada pela SUMAÚMA, a Norte Energia informou por e-mail que não pretende se pronunciar.

Em maio deste ano, o Ministério Público solicitou uma reunião com o Secretário-Geral da Presidência da República, Márcio Macêdo, e o Ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira. O ofício do Ministério Público citou "a urgência de superar a prática de violações de direitos" e renovou o compromisso do governo com a reterritorialização dos Ribeirinhos. A reunião ainda não ocorreu.

Rejeitando o fim e um monumento à dor

O atraso na consolidação do território tornou as comunidades mais vulneráveis e aumenta a pressão sobre elas. Às vezes, os ribeirinhos são forçados a abandonar o plantio, pois o gado das fazendas vizinhas invade a área de conservação e destrói tudo. Ou o pesticida aéreo pulverizado de propriedades próximas contamina suas terras tradicionais.

O movimento ruralista brasileiro também se mobiliza contra os povos do Xingu. Em março de 2023, o Sindicato dos Produtores Rurais de Altamira, buscando bloquear a criação do Território Ribeirinho e impedir as desapropriações de propriedades rurais, organizou um encontro na cidade, com a presença dos senadores de extrema direita Damares Alves, do Partido Republicanos, e Zequinha Marinho, que estava prestes a migrar do Partido Liberal para o Podemos. Como a SUMAÚMA revelou na época , os senadores foram recebidos no aeroporto por Eduardo Camillo, superintendente de Relações Institucionais da Norte Energia.

Três meses depois, Marinho propôs um Decreto Legislativo que suspenderia a condição de Belo Monte garantir um reassentamento do Ribeirinho às margens do Rio - uma abordagem revisionista que busca destituir as comunidades de seus direitos e soterrar o Território Ribeirinho. Em abril de 2025, o presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, Senador Beto Faro, do Partido dos Trabalhadores, considerou a proposta "constitucionalmente falha" e votou pela sua rejeição.

Enquanto isso, os ribeirinhos continuam sem condições básicas de vida. Numa tarde de junho, Gelson Saraiva, 65, arrumava suas redes de pesca na beira de sua casa, em frente à Ilha do Pedrão, quando sentiu a fisgada de uma arraia. Sua companheira, Francineide Sousa, conhecida como França, 54, ouviu seus gritos e correu para ajudá-lo. Como o posto de saúde mais próximo fica na cidade, ela tratou Gelson no local com óleo de girassol e antibióticos que tinha em casa. Antes da construção da hidrelétrica, a comunidade tinha um posto de saúde na Ilha do Espanhol, em Bacabal. O enfermeiro era Edmo Cabral, companheiro de Dadá. Nem Edmo nem o posto de saúde retornaram.

Em nota, a prefeitura de Altamira informou que a área próxima à Ilha do Espanhol faz parte do planejamento do Território Ribeirinho, "coordenado pela Norte Energia, que prevê a implantação de polos com centros de saúde e educação para atendimento às comunidades impactadas". A nota também informa que, no dia 18 de agosto, foi realizada uma reunião entre a prefeitura e a Norte Energia para discutir a construção de pontos de apoio, com serviços de educação e saúde, próximos à Ilha do Pedrão e na região entre Palhal e Paratizinho. Além disso, segundo a prefeitura, desde fevereiro a Secretaria Municipal de Saúde realiza deslocamentos bimestrais para a região, com atendimento de saúde aos ribeirinhos.

Em Paratizão, parte do Território Ribeirinho, no município de Vitória do Xingu, Diony de Lima encara o futuro enquanto olha da janela. Ele tem 14 anos e está no 9o ano, último ano oferecido pela escola São Lázaro do Rio. A escola funciona em uma estrutura provisória, com apenas duas salas de aula. Os ribeirinhos dizem que ela foi construída pela comunidade, enquanto aguardavam a escola permanente que a Norte Energia ainda não forneceu. Se quiser cursar o ensino médio no ano que vem, Diony precisará procurar uma escola longe do território - a mais próxima fica a 19 quilômetros de distância em uma estrada de terra, além de mais 5 quilômetros no asfalto.

Contatada pela SUMAÚMA, a prefeitura de Vitória do Xingu afirmou que já havia realizado diversas reuniões com a Norte Energia sobre a construção da nova escola e de um posto de saúde em Paratizão. Em 2021, o consórcio garantiu à prefeitura que iniciaria as obras em breve, compromisso reiterado em janeiro deste ano. Até o momento, porém, a nova escola, que atenderia alunos do ensino médio, pré-escola e ensino fundamental, ainda não foi construída.

A SUMAÚMA questionou a Norte Energia sobre o motivo pelo qual a escola permanente em Paratizão e o posto de saúde próximo à Ilha do Pedrão ainda não foram construídos e por que o consórcio limita a relação dos ribeirinhos com a terra, proibindo-os de plantar sem autorização. A SUMAÚMA também questionou como a Norte Energia planeja responder às inspeções invasivas e ao assédio relatado pelas famílias, e se a empresa possui uma lista de idosos dos quais pretende retirar o direito de serem ribeirinhos, como foi ouvido no beiradão. Mais importante, questionou sobre o motivo pelo qual as áreas adjacentes ainda não foram compradas e por que mais da metade das famílias ribeirinhas continuam morando na cidade. A Norte Energia não respondeu, afirmando que se recusava a comentar.

Dez anos após a expulsão, a vida dos ribeirinhos afetados por Belo Monte ainda não foi restaurada. Em Altamira, escondidas atrás de uma casa de tijolos abafada no Reassentamento Urbano Coletivo Jatobá, Maria Neusa Aragão, 76, e sua companheira, Flor Aragão, 69, construíram outra casa, uma casa ribeirinha feita inteiramente de madeira, como a que possuíam na Ilha Três Irmãs. É esta casa que é o verdadeiro lar para Neusa e Flor. Quando a noite cai, elas dormem lá, em suas redes. Sua casa Ribeirinha, deslocada, é tanto uma rejeição ao fim da existência quanto um monumento a uma dor que nunca cessa.

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