De Pueblos Indígenas en Brasil
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Drácula e Dom Quixote nas aldeias
25/03/2007
Fonte: CB, Brasil, p. 15
Drácula e Dom Quixote nas aldeias
Até o próximo mês, 468 escolas indígenas receberão obras literárias para formar bibliotecas próprias.
Dos 225 títulos, só três tratam de questões que têm a ver com a realidade dos 28 mil alunos beneficados
Renata Mariz
Da equipe do Correio
Dois anos após o Programa Nacional Biblioteca da Escola, do Ministério da Educação (MEC), ter sido universalizado, todas as 468 escolas indígenas do país devem receber, até abril, exemplares de obras literárias. São 28 mil índios que terão acesso a romances, contos, poesias. O acervo, de 225 títulos, tem histórias sobre o cantor John Lennon, lendas a respeito de Drácula e Dom Quixote, clássicos do tipo As crônicas de Nárnia. Mas apenas três livros abordam o universo indígena. Detalhe: foram escritos por índios.
Militantes da educação nas tribos comemoram o avanço de serem integralmente atendidos pelo programa do governo federal, mas chamam a atenção para o número pequeno de obras sobre a questão indígena. "Seria desejável termos mais livros, escritos por índios, que abordam a temática", afirma Kleber Gesteira Matos, da Coordenação Escolar Indígena do MEC. Acervo para isso existe no país. Segundo Matos, há atualmente mais de 500 obras no país de autoria indígena, das quais aproximadamente 60% estão em línguas nativas. Um programa de apoio ao escritor índio dentro do próprio ministério fomenta a produção das publicações.
Para Pretinha Truká, da Comissão de Professores Indígenas de Pernambuco e referência em educação nas aldeias, a falta de material paradidático sobre a vida, cultura, costumes e lendas dos índios deve ser reforçada principalmente em escolas não-indígenas.
"Existem muitas publicações interessantes, mas que não são populares. Há uma disparidade entre a diversidade cultural que temos no país, com dezenas de povos aqui, e a pouca atenção às obras que tratam disso", afirma.
De qualquer maneira, Pretinha defende o contato com a literatura externa. "Não queremos nos fechar no nosso universo. Estamos formando pessoas que precisam conhecer o mundo, porque mais tarde vão produzir, trabalhar", diz a professora. A única preocupação dela é a qualificação dos docentes para lidarem com as obras que receberão do governo federal. "Há níveis muito diferentes de professores. Alguns nunca nem tiveram contato com a civilização. De que forma eles vão trabalhar uma obra sobre Dom Quixote, por exemplo? E os alunos, irão absorver isso?"
As indagações também preocupam Kleber Matos, do MEC. Embora considere positivo o acesso de índios a clássicos da literatura, ele propõe que as escolas, ao perceberem que não irão utilizar determinados livros, devolva-os. "Acho importante oferecer aos alunos indígenas um cardápio de opções, mas de uma forma respeitosa, sem imposição. O que acontece é que muitos povos, sobretudo os que passaram por situações de contato agressivo, desenvolveram mecanismos de defesa contra o que vem de fora", diz Matos.
O acervo distribuído pelo MEC desde 1997, quando o programa teve início, é escolhido a partir de três critérios. "Avaliamos a qualidade textual, a adequação temática para crianças e adolescentes, e os recursos gráficos", explica Jane Cristina e Silva, coordenadora-geral de Estudos e Avaliação de Material da Secretaria de Educação Básica do MEC. Segundo ela, as licitações anuais são abertas para o público em geral. "Talvez as editoras não tenham colocado muitas obras de autores indígenas para concorrerem", diz Jane.
A coordenadora ressalta que o programa alterna o público, atendendo em um ano alunos da 1ª a 4ª série do ensino fundamental, e no outro, da 5ª a 8ª série. Ano passado, dedicado à primeira fase, houve 13 obras sobre a temática indígena. Este ano, são três. "Procuramos formar um acervo completo e básico, que atenda o Brasil, inteiro. Temos contos, romances, poesias", explica Jane. Muitos títulos apresentados no programa deste ano, admite a coordenadora, causaram surpresa no grupo que analisa as obras. "É a primeira vez que adquirimos As crônicas de Nárnia ou A fantástica fábrica de chocolate", diz ela.
Histórias do passado e da atualidade
A percepção dos índios sobre uma metrópole é tema de um dos três livros de autoria indígena que serão distribuídos nas aldeias. Crônicas de São Paulo - um olhar indígena fala sobre 10 bairros da capital paulista que levam nomes nativos. Irakisu, o menino criador, de Renê Kithãulu, narra histórias contadas pelos mais velhos às crianças da tribo Waikutesu dos nambikwara, que fica nos estados do Mato Grosso e Rondônia.
Um estranho sonho de futuro é uma espécie de diário de viagem que o autor, Daniel Munduruku, fez à sua aldeia, no Mato Grosso, levando um jovem paulistano de 15 anos. "Foi durante esse tempo que aconteceram os atentados às torres gêmeas nos Estados Unidos. Vimos, na aldeia, ao vivo, os acontecimentos", explica Munduruku, que também escreveu Crônicas de São Paulo - um olhar indígena.
Formado em filosofia e doutorando em educação na Universidade de São Paulo, com 25 livros publicados e dezenas de prêmios, entre eles o Jabuti, em 2003, Daniel Munduruku acredita numa demandareal por obras indígenas. "Há um fato: o atual governo compra livros que tenham cunho étnico e isso desperta o interesse das editoras. Mas não em escala comercial", pondera o escritor, que também é presidente do Instituto Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual.
Para ele, antes de discutir a eficácia de programas governamentais de apoio à produção literária indígena, é preciso romper algumas barreiras. "Começa por acreditar realmente que os indígenas são capazes. Não deixar de fora as comunidades indígenas dos programas de formação de leitores. Organizar encontros onde eles possam sugerir políticas para o segmento.
Fazer concursos para descobrir talentos e comprar mais livros indígenas", enumera Munduruku. "Temos que lembrar que a maioria dos povos indígenas não tem acesso a livros. Pior: a maioria não sabe ler, assim como a maioria da população brasileira é analfabeta funcional." (RM
CB, 25/03/2007, Brasil, p. 15
Até o próximo mês, 468 escolas indígenas receberão obras literárias para formar bibliotecas próprias.
Dos 225 títulos, só três tratam de questões que têm a ver com a realidade dos 28 mil alunos beneficados
Renata Mariz
Da equipe do Correio
Dois anos após o Programa Nacional Biblioteca da Escola, do Ministério da Educação (MEC), ter sido universalizado, todas as 468 escolas indígenas do país devem receber, até abril, exemplares de obras literárias. São 28 mil índios que terão acesso a romances, contos, poesias. O acervo, de 225 títulos, tem histórias sobre o cantor John Lennon, lendas a respeito de Drácula e Dom Quixote, clássicos do tipo As crônicas de Nárnia. Mas apenas três livros abordam o universo indígena. Detalhe: foram escritos por índios.
Militantes da educação nas tribos comemoram o avanço de serem integralmente atendidos pelo programa do governo federal, mas chamam a atenção para o número pequeno de obras sobre a questão indígena. "Seria desejável termos mais livros, escritos por índios, que abordam a temática", afirma Kleber Gesteira Matos, da Coordenação Escolar Indígena do MEC. Acervo para isso existe no país. Segundo Matos, há atualmente mais de 500 obras no país de autoria indígena, das quais aproximadamente 60% estão em línguas nativas. Um programa de apoio ao escritor índio dentro do próprio ministério fomenta a produção das publicações.
Para Pretinha Truká, da Comissão de Professores Indígenas de Pernambuco e referência em educação nas aldeias, a falta de material paradidático sobre a vida, cultura, costumes e lendas dos índios deve ser reforçada principalmente em escolas não-indígenas.
"Existem muitas publicações interessantes, mas que não são populares. Há uma disparidade entre a diversidade cultural que temos no país, com dezenas de povos aqui, e a pouca atenção às obras que tratam disso", afirma.
De qualquer maneira, Pretinha defende o contato com a literatura externa. "Não queremos nos fechar no nosso universo. Estamos formando pessoas que precisam conhecer o mundo, porque mais tarde vão produzir, trabalhar", diz a professora. A única preocupação dela é a qualificação dos docentes para lidarem com as obras que receberão do governo federal. "Há níveis muito diferentes de professores. Alguns nunca nem tiveram contato com a civilização. De que forma eles vão trabalhar uma obra sobre Dom Quixote, por exemplo? E os alunos, irão absorver isso?"
As indagações também preocupam Kleber Matos, do MEC. Embora considere positivo o acesso de índios a clássicos da literatura, ele propõe que as escolas, ao perceberem que não irão utilizar determinados livros, devolva-os. "Acho importante oferecer aos alunos indígenas um cardápio de opções, mas de uma forma respeitosa, sem imposição. O que acontece é que muitos povos, sobretudo os que passaram por situações de contato agressivo, desenvolveram mecanismos de defesa contra o que vem de fora", diz Matos.
O acervo distribuído pelo MEC desde 1997, quando o programa teve início, é escolhido a partir de três critérios. "Avaliamos a qualidade textual, a adequação temática para crianças e adolescentes, e os recursos gráficos", explica Jane Cristina e Silva, coordenadora-geral de Estudos e Avaliação de Material da Secretaria de Educação Básica do MEC. Segundo ela, as licitações anuais são abertas para o público em geral. "Talvez as editoras não tenham colocado muitas obras de autores indígenas para concorrerem", diz Jane.
A coordenadora ressalta que o programa alterna o público, atendendo em um ano alunos da 1ª a 4ª série do ensino fundamental, e no outro, da 5ª a 8ª série. Ano passado, dedicado à primeira fase, houve 13 obras sobre a temática indígena. Este ano, são três. "Procuramos formar um acervo completo e básico, que atenda o Brasil, inteiro. Temos contos, romances, poesias", explica Jane. Muitos títulos apresentados no programa deste ano, admite a coordenadora, causaram surpresa no grupo que analisa as obras. "É a primeira vez que adquirimos As crônicas de Nárnia ou A fantástica fábrica de chocolate", diz ela.
Histórias do passado e da atualidade
A percepção dos índios sobre uma metrópole é tema de um dos três livros de autoria indígena que serão distribuídos nas aldeias. Crônicas de São Paulo - um olhar indígena fala sobre 10 bairros da capital paulista que levam nomes nativos. Irakisu, o menino criador, de Renê Kithãulu, narra histórias contadas pelos mais velhos às crianças da tribo Waikutesu dos nambikwara, que fica nos estados do Mato Grosso e Rondônia.
Um estranho sonho de futuro é uma espécie de diário de viagem que o autor, Daniel Munduruku, fez à sua aldeia, no Mato Grosso, levando um jovem paulistano de 15 anos. "Foi durante esse tempo que aconteceram os atentados às torres gêmeas nos Estados Unidos. Vimos, na aldeia, ao vivo, os acontecimentos", explica Munduruku, que também escreveu Crônicas de São Paulo - um olhar indígena.
Formado em filosofia e doutorando em educação na Universidade de São Paulo, com 25 livros publicados e dezenas de prêmios, entre eles o Jabuti, em 2003, Daniel Munduruku acredita numa demandareal por obras indígenas. "Há um fato: o atual governo compra livros que tenham cunho étnico e isso desperta o interesse das editoras. Mas não em escala comercial", pondera o escritor, que também é presidente do Instituto Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual.
Para ele, antes de discutir a eficácia de programas governamentais de apoio à produção literária indígena, é preciso romper algumas barreiras. "Começa por acreditar realmente que os indígenas são capazes. Não deixar de fora as comunidades indígenas dos programas de formação de leitores. Organizar encontros onde eles possam sugerir políticas para o segmento.
Fazer concursos para descobrir talentos e comprar mais livros indígenas", enumera Munduruku. "Temos que lembrar que a maioria dos povos indígenas não tem acesso a livros. Pior: a maioria não sabe ler, assim como a maioria da população brasileira é analfabeta funcional." (RM
CB, 25/03/2007, Brasil, p. 15
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