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Nasce o milésimo Waimiri Atroari e o fantasma da extinção é enterrado
01/10/2003
Autor: Valéria Macedo
Fonte: Site do ISA-Socioambiental.org.-São Paulo-SP
Mais do que um nascimento, trata-se de um marco simbólico da recuperação populacional e cultural desse povo indígena que esteve próximo da extinção, por conta dos impactos de obras de infraestrutura e mineração em suas terras desde a década de 1970.
No último dia 26 de setembro, na aldeia Yawara, uma das 19 da Terra Indígena Waimiri Atroari, localizada ao norte do Amazonas e sul de Roraima, nasceu o milésimo Kinja - autodenominação desse povo - , um menino, filho de Anapidene e de Ketamy. A soma de mil indivíduos é revestida de grande valor simbólico, se contrastada com a situação desalentadora desse grupo indígena no início da década de 80, quando eram pouco mais do que 300 pessoas.
Particularmente, esse milésimo nascimento atesta o sucesso do Programa Waimiri Atroari, iniciado em 1987 com o objetivo de apoiar esse povo na recuperação de suas terras e de sua qualidade de vida. O idealizador do projeto - elaborado em conjunto com os Waimiri Atroari e profissionais de diversas áreas - foi Porfírio de Carvalho, indigenista que conhecera esse grupo de "altivos guerreiros" em 1969. Quando os reencontrou em 1986, "estavam doentes, tristes, perambulando pela estrada BR 174, pedindo carona a caminhoneiros, dependentes de alimentação e de doações. E morriam, em média, 20% ao ano. Podia-se dizer que estavam caminhando para o extermínio ...".
Estrada, Mineração e Barragem
Em sua história de contato com a sociedade não-indígena, os Waimiri Atroari ficaram conhecidos como um povo combativo e orgulhoso, que resistia à "pacificação" dos brancos e atacava vigorosamente os invasores de seu território. Mas este foi cortado ao meio pelo traçado da BR-174, rodovia federal construída para ligar Manaus/AM à Boa Vista/RR. Devido à "animosidade" dos índios, o Exército ficou incumbido da construção da estrada e da "segurança" dos funcionários e dos que por ali transitavam no decorrer das obras, no período 1969-1977. A violência dos enfrentamentos e a transmissão de doenças culminaram na quase extinção desse povo. Se antes da construção da BR-174 estimava-se que eram 1.500 pessoas, em 1987, censo realizado no grupo revelava que estavam reduzidos a 374.
Além dos impactos da estrada, no início da década de 1980, a integridade do território Waimiri Atroari foi afetada por interesses minerários. Porfírio Carvalho afirma que, com a conivência da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), a empresa mineradora Paranapanema - que já explorava a área clandestinamente - conseguiu articular um processo que resultou no Decreto no. 86.630, assinado pelo presidente João Figueiredo em 23 de novembro de 1981, extinguindo a Reserva Indígena Waimiri Atroari, criada em 13/07/1971 pelo governo Médici, e declarando-a como "área temporariamente interditada para fins de atração e pacificação dos índios". Este decreto também reduziu a extensão da terra interditada em 526.800 ha, justamente a área pretendida pela Paranapanema para exploração mineral. Assim, às margens do rio Pitinga, a empresa Taboca, subsidiária da Paranapanema, pôde dar continuidade à exploração da maior mina de cassiterita do mundo.
Em 1987, a Terra Indígena Waimiri Atroari foi finalmente declarada. Contudo, num contexto em que o então presidente da Funai, Romero Jucá, pretendia abrir as terras indígenas à mineração, o órgão indigenista negociou com a Paranapanema que a linha demarcatória excluísse as nascentes do igarapé Jacutinga e seus afluentes, formadores do rio Alalaú em sua margem esquerda, permitindo que continuassem a ser explorados pela mineração Taboca. A empresa então intensificou ainda mais suas atividades, desmatando nascentes e margens de igarapés. Houve ainda uma série de rompimentos nas barragens de contenção dos lagos formados pelo processo de lavagem mineral - sendo documentados pela imprensa desastres ambientais em 1987, 1991 e 1993 -, contaminando a bacia do rio Alalaú, responsável pela drenagem de 55% do território Waimiri Atroari.
Como se não bastasse a construção de uma rodovia federal no meio da terra indígena e a redução de cerca de um terço dela para a exploração mineral, outro grande projeto viria atingir as terras Waimiri Atroari. Tratava-se da construção da usina hidrelétrica de Balbina pela Eletronorte, cujo lago implicaria represar o rio Uatumã e na inundação de 30.000 ha da TI. Mas dessa vez o desfecho foi diferente e os índios conseguiram, como contrapartida, que a Eletronorte firmasse um convênio com a Funai comprometendo-se a efetivar um conjunto de medidas mitigadoras dos impactos causados pela barragem. Nascia o Programa Waimiri Atroari, projetado para 25 anos.
Virando o jogo: o Programa Waimiri Atroari
Logo no primeiro ano do convênio, em 1997, a Terra Indígena Waimiri Atroari foi declarada com uma superfície de 2.585.911 ha., demarcada em 1988 e homologada em 1989 pelo presidente José Sarney pelo Decreto no. 94.606. A despeito de ampliar a área interditada em 1981 - então com 1.800.000 ha -, o decreto excluía parte dos formadores do rio Alalaú, como mencionado acima, e ainda deixava de fora a superfície de inundação da barragem da UHE de Balbina e a faixa de domínio da BR-174.
Administrado por uma figura jurídica criada a partir do convênio entre a Funai e a Eletronorte, o Programa Waimiri Atroari inclui ações nas áreas de saúde, educação, meio ambiente, apoio à produção, vigilância dos limites, documentação e memória. Quase 15 anos já se passaram e os resultados são alentadores. "A população cresce hoje em média 6,5% ao ano, a Terra Indígena Waimiri Atroari está demarcada, sem invasores e ecologicamente equilibrada, o sistema de saúde está funcionando, o sistema escolar já em parte sendo conduzido pelos Waimiri Atroari, as festas tradicionais voltaram, a alegria de ser índio resgatada, a independência alimentar retomada, o orgulho e a dignidade dos Waimiri Atroari restabelecida", diz Porfírio Carvalho.
Além dos recursos advindos do Programa, a melhoria da qualidade de vida dos Waimiri Atroari possibilitou que a comunidade passasse a investir em sua auto-sustentabilidade, por meio da comercialização de artesanato e de produtos agro-florestais, além de uma "taxa de uso" de uma estrada construída no interior da TI em 1981, ligando as minas de cassiterita à BR-174. Depois de uma série de negociações e conflitos, que incluíram a interdição da estrada em 1996, marcando a volta dos "altivos guerreiros", os índios lograram uma porcentagem de 0,5 sobre todo minério extraído pela empresa.
Outro exemplo de atuação desses guerreiros na defesa de seus direitos e interesses - sempre acompanhados do não menos combativo Porfírio Carvalho - foram as negociações para a pavimentação da BR-174, em 1995. Os índios, com apoio da equipe do PWA, exigiram uma série de contrapartidas que deram origem ao Plano de Proteção Ambiental e Vigilância da área, financiado pelos governos do Amazonas e Roraima e pelo Ministério dos Transportes e com duração de dez anos. A verba possibilitou a criação de uma guarda florestal controlada pelos próprios Waimiri Atroari, com apoio de veículos e rádio escuta, que faz a vigilância não apenas da estrada, mas dos rios e dos limites da TI.
Em 1998 a obra foi inaugurada, mas a circulação pela rodovia no trecho incidente na TI só é permitida das 6h às 18h, a circulação restrita no período noturno só é permitida em casos de urgência. Isso porque, alega Carvalho, os índios costumam caçar à noite, o trânsito de veículos afugenta os animais e aumenta o perigo de invasões.
Além da integridade do território, nas áreas de saúde e educação as conquistas não foram menores. O programa mantém postos de saúde em todas as aldeias, onde 10% dos agentes são indígenas, que trabalham voluntariamente, e conseguiu a erradicação completa de doenças imuno-previníveis, como a tuberculose, endêmica na região. Todas as aldeias também possuem escolas, em que 90% dos professores são indígenas (não remunerados) e cujo sistema procura seguir os valores e o ritmo da sociedade waimiri atroari, sem divisão de séries e com alfabetização na língua nativa, sendo o português aprendido como segunda língua.
Com o objetivo de alcançar uma independência absoluta da sociedade envolvente, os índios deixaram de consumir produtos industrializados, incluindo sal e açúcar. Essa postura já rendeu algumas críticas ao Programa Waimiri Atroari, acusado de impedir o contato dos índios com a sociedade brasileira. Mas Porfírio afirma que todas as decisões refletem o desejo da coletividade, sendo discutidas por um colegiado composto pelos líderes das famílias que compõem essa sociedade indígena.
O fato é que, diante da recuperação demográfica e da melhoria na qualidade de vida sintetizadas no nascimento desse bebê, Carvalho não esconde sua comoção, quase paterna: "Saí contando para todos: nasceu o milésimo Waimiri Atroari!... Parece que os vejo todos, todos os mil na minha frente... Eu estou feliz. E grato a todos que me ajudaram a realizar este sonho".
Mais informações sobre os Waimiri Atroari, na Enciclopédia dos Povos Indígenas, no site do ISA.
No último dia 26 de setembro, na aldeia Yawara, uma das 19 da Terra Indígena Waimiri Atroari, localizada ao norte do Amazonas e sul de Roraima, nasceu o milésimo Kinja - autodenominação desse povo - , um menino, filho de Anapidene e de Ketamy. A soma de mil indivíduos é revestida de grande valor simbólico, se contrastada com a situação desalentadora desse grupo indígena no início da década de 80, quando eram pouco mais do que 300 pessoas.
Particularmente, esse milésimo nascimento atesta o sucesso do Programa Waimiri Atroari, iniciado em 1987 com o objetivo de apoiar esse povo na recuperação de suas terras e de sua qualidade de vida. O idealizador do projeto - elaborado em conjunto com os Waimiri Atroari e profissionais de diversas áreas - foi Porfírio de Carvalho, indigenista que conhecera esse grupo de "altivos guerreiros" em 1969. Quando os reencontrou em 1986, "estavam doentes, tristes, perambulando pela estrada BR 174, pedindo carona a caminhoneiros, dependentes de alimentação e de doações. E morriam, em média, 20% ao ano. Podia-se dizer que estavam caminhando para o extermínio ...".
Estrada, Mineração e Barragem
Em sua história de contato com a sociedade não-indígena, os Waimiri Atroari ficaram conhecidos como um povo combativo e orgulhoso, que resistia à "pacificação" dos brancos e atacava vigorosamente os invasores de seu território. Mas este foi cortado ao meio pelo traçado da BR-174, rodovia federal construída para ligar Manaus/AM à Boa Vista/RR. Devido à "animosidade" dos índios, o Exército ficou incumbido da construção da estrada e da "segurança" dos funcionários e dos que por ali transitavam no decorrer das obras, no período 1969-1977. A violência dos enfrentamentos e a transmissão de doenças culminaram na quase extinção desse povo. Se antes da construção da BR-174 estimava-se que eram 1.500 pessoas, em 1987, censo realizado no grupo revelava que estavam reduzidos a 374.
Além dos impactos da estrada, no início da década de 1980, a integridade do território Waimiri Atroari foi afetada por interesses minerários. Porfírio Carvalho afirma que, com a conivência da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), a empresa mineradora Paranapanema - que já explorava a área clandestinamente - conseguiu articular um processo que resultou no Decreto no. 86.630, assinado pelo presidente João Figueiredo em 23 de novembro de 1981, extinguindo a Reserva Indígena Waimiri Atroari, criada em 13/07/1971 pelo governo Médici, e declarando-a como "área temporariamente interditada para fins de atração e pacificação dos índios". Este decreto também reduziu a extensão da terra interditada em 526.800 ha, justamente a área pretendida pela Paranapanema para exploração mineral. Assim, às margens do rio Pitinga, a empresa Taboca, subsidiária da Paranapanema, pôde dar continuidade à exploração da maior mina de cassiterita do mundo.
Em 1987, a Terra Indígena Waimiri Atroari foi finalmente declarada. Contudo, num contexto em que o então presidente da Funai, Romero Jucá, pretendia abrir as terras indígenas à mineração, o órgão indigenista negociou com a Paranapanema que a linha demarcatória excluísse as nascentes do igarapé Jacutinga e seus afluentes, formadores do rio Alalaú em sua margem esquerda, permitindo que continuassem a ser explorados pela mineração Taboca. A empresa então intensificou ainda mais suas atividades, desmatando nascentes e margens de igarapés. Houve ainda uma série de rompimentos nas barragens de contenção dos lagos formados pelo processo de lavagem mineral - sendo documentados pela imprensa desastres ambientais em 1987, 1991 e 1993 -, contaminando a bacia do rio Alalaú, responsável pela drenagem de 55% do território Waimiri Atroari.
Como se não bastasse a construção de uma rodovia federal no meio da terra indígena e a redução de cerca de um terço dela para a exploração mineral, outro grande projeto viria atingir as terras Waimiri Atroari. Tratava-se da construção da usina hidrelétrica de Balbina pela Eletronorte, cujo lago implicaria represar o rio Uatumã e na inundação de 30.000 ha da TI. Mas dessa vez o desfecho foi diferente e os índios conseguiram, como contrapartida, que a Eletronorte firmasse um convênio com a Funai comprometendo-se a efetivar um conjunto de medidas mitigadoras dos impactos causados pela barragem. Nascia o Programa Waimiri Atroari, projetado para 25 anos.
Virando o jogo: o Programa Waimiri Atroari
Logo no primeiro ano do convênio, em 1997, a Terra Indígena Waimiri Atroari foi declarada com uma superfície de 2.585.911 ha., demarcada em 1988 e homologada em 1989 pelo presidente José Sarney pelo Decreto no. 94.606. A despeito de ampliar a área interditada em 1981 - então com 1.800.000 ha -, o decreto excluía parte dos formadores do rio Alalaú, como mencionado acima, e ainda deixava de fora a superfície de inundação da barragem da UHE de Balbina e a faixa de domínio da BR-174.
Administrado por uma figura jurídica criada a partir do convênio entre a Funai e a Eletronorte, o Programa Waimiri Atroari inclui ações nas áreas de saúde, educação, meio ambiente, apoio à produção, vigilância dos limites, documentação e memória. Quase 15 anos já se passaram e os resultados são alentadores. "A população cresce hoje em média 6,5% ao ano, a Terra Indígena Waimiri Atroari está demarcada, sem invasores e ecologicamente equilibrada, o sistema de saúde está funcionando, o sistema escolar já em parte sendo conduzido pelos Waimiri Atroari, as festas tradicionais voltaram, a alegria de ser índio resgatada, a independência alimentar retomada, o orgulho e a dignidade dos Waimiri Atroari restabelecida", diz Porfírio Carvalho.
Além dos recursos advindos do Programa, a melhoria da qualidade de vida dos Waimiri Atroari possibilitou que a comunidade passasse a investir em sua auto-sustentabilidade, por meio da comercialização de artesanato e de produtos agro-florestais, além de uma "taxa de uso" de uma estrada construída no interior da TI em 1981, ligando as minas de cassiterita à BR-174. Depois de uma série de negociações e conflitos, que incluíram a interdição da estrada em 1996, marcando a volta dos "altivos guerreiros", os índios lograram uma porcentagem de 0,5 sobre todo minério extraído pela empresa.
Outro exemplo de atuação desses guerreiros na defesa de seus direitos e interesses - sempre acompanhados do não menos combativo Porfírio Carvalho - foram as negociações para a pavimentação da BR-174, em 1995. Os índios, com apoio da equipe do PWA, exigiram uma série de contrapartidas que deram origem ao Plano de Proteção Ambiental e Vigilância da área, financiado pelos governos do Amazonas e Roraima e pelo Ministério dos Transportes e com duração de dez anos. A verba possibilitou a criação de uma guarda florestal controlada pelos próprios Waimiri Atroari, com apoio de veículos e rádio escuta, que faz a vigilância não apenas da estrada, mas dos rios e dos limites da TI.
Em 1998 a obra foi inaugurada, mas a circulação pela rodovia no trecho incidente na TI só é permitida das 6h às 18h, a circulação restrita no período noturno só é permitida em casos de urgência. Isso porque, alega Carvalho, os índios costumam caçar à noite, o trânsito de veículos afugenta os animais e aumenta o perigo de invasões.
Além da integridade do território, nas áreas de saúde e educação as conquistas não foram menores. O programa mantém postos de saúde em todas as aldeias, onde 10% dos agentes são indígenas, que trabalham voluntariamente, e conseguiu a erradicação completa de doenças imuno-previníveis, como a tuberculose, endêmica na região. Todas as aldeias também possuem escolas, em que 90% dos professores são indígenas (não remunerados) e cujo sistema procura seguir os valores e o ritmo da sociedade waimiri atroari, sem divisão de séries e com alfabetização na língua nativa, sendo o português aprendido como segunda língua.
Com o objetivo de alcançar uma independência absoluta da sociedade envolvente, os índios deixaram de consumir produtos industrializados, incluindo sal e açúcar. Essa postura já rendeu algumas críticas ao Programa Waimiri Atroari, acusado de impedir o contato dos índios com a sociedade brasileira. Mas Porfírio afirma que todas as decisões refletem o desejo da coletividade, sendo discutidas por um colegiado composto pelos líderes das famílias que compõem essa sociedade indígena.
O fato é que, diante da recuperação demográfica e da melhoria na qualidade de vida sintetizadas no nascimento desse bebê, Carvalho não esconde sua comoção, quase paterna: "Saí contando para todos: nasceu o milésimo Waimiri Atroari!... Parece que os vejo todos, todos os mil na minha frente... Eu estou feliz. E grato a todos que me ajudaram a realizar este sonho".
Mais informações sobre os Waimiri Atroari, na Enciclopédia dos Povos Indígenas, no site do ISA.
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