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Exclusivo: inteligência artificial e comunidades indígenas se encontram no Alto Rio Negro com o projeto Yegatu Digital

09/08/2025

Autor: Nilson Cortinhas

Fonte: Um só Planeta - https://umsoplaneta.globo.com/



Exclusivo: inteligência artificial e comunidades indígenas se encontram no Alto Rio Negro com o projeto Yegatu Digital
Salas digitais e internet via satélite se unem para fortalecer a escrita e o uso da língua Nheengatu entre jovens indígenas Baré

Tabocal dos Pereira e Juruti, duas comunidades às margens do Rio Negro, no município de São Gabriel da Cachoeira (AM), agora estão conectadas a um mundo que, até julho deste ano, parecia distante. Por meio do projeto Yegatu Digital - iniciativa inédita no Brasil -, 40 jovens da etnia Baré passaram a ter acesso a salas de aula digitais equipadas com tablets, notebooks, internet via satélite, painéis solares e, sobretudo, ferramentas de inteligência artificial desenvolvidas especialmente para apoiar a escrita da língua Nheengatu no ambiente digital.

O projeto é fruto da parceria entre a Centro de Inteligência Artificial (C4AI) da Universidade de São Paulo (USP), a IBM Research, a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), além da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e da Coordenadoria das Associações Indígenas, Balaio, Alto Rio Negro e Xié (CAIBARNX).

E tem um objetivo ambicioso: garantir que a língua Nheengatu, que há séculos unifica povos da Amazônia, encontre espaço no século XXI sem perder suas raízes. Os aplicativos criados permitem correção ortográfica, tradução de e para o português e sugestão de palavras, recursos que serão aprimorados junto com professores e estudantes locais.

Proposta
A implantação das salas digitais exigiu meses de negociações, viagens e respeito aos protocolos indígenas. Antes de qualquer equipamento ser desembarcado, a proposta foi apresentada em assembleias comunitárias e aprovada pelas lideranças. "Nada para nós sem nós", resume o pesquisador da IBM e coordenador geral do projeto, Claudio Pinhanez, sobre o sentimento das comunidades, ao lembrar que só depois da anuência formal da comunidade começou o trabalho logístico.

Chegar até lá não foi simples: voo de Manaus até São Gabriel da Cachoeira, seguido de cinco horas de barco pelo Rio Negro. Os equipamentos - 20 tablets, dois notebooks, câmera e monitor para videoconferências, kits de energia solar e antenas - viajaram com a equipe até serem instalados por técnicos especializados. "Encontrar alguém para instalar a internet via satélite no meio da floresta foi quase tão difícil quanto arrecadar os recursos", admite Pinhanez. Em média, uma sala de aula teve custos na ordem de R$50 mil.

O uso de painéis solares foi uma solução crucial para viabilizar o funcionamento das salas. "Seria dispendioso demais manter a energia conectada o tempo todo, e seria difícil para a comunidade arcar com esse custo. Com a energia solar, conseguimos garantir autonomia e evitar que o projeto se tornasse insustentável", explica o pesquisador.

Uma nova relação
Para Edison Baré, diretor da FOIRN e morador da região, ver o Nheengatu digitado em telas é um marco histórico. "Já era um avanço escrever no caderno. Agora, nossos jovens digitam a língua, conversam e aprendem com ferramentas que valorizam nossa cultura", diz.

Ele relata que a chegada da tecnologia provocou curiosidade imediata, não só entre os estudantes. Pais e avós, que antes apenas acompanhavam de longe a vida escolar, passaram a frequentar as salas digitais para ouvir aulas ou participar de atividades. "Tem dias em que, no meio da aula, vejo mães, pais e até idosos encostados na porta, prestando atenção. Querem ouvir as palavras, lembrar histórias e, muitas vezes, ensinar algo que sabem", conta Edison.

O linguista Thomas Finbow, da FFLCH-USP, destaca que o Nheengatu apresenta múltiplas variações e diferentes ortografias, o que exigiu um cuidado especial no desenvolvimento dos aplicativos. "É uma língua com raízes orais, e cada comunidade tem suas formas. Nosso desafio é garantir que a tecnologia reflita essa diversidade, sem impor um padrão único", explica.

Ele também vê no projeto um divisor de águas para sua própria trajetória acadêmica. "Sempre trabalhei com documentação e estudo de línguas indígenas, mas a experiência de estar conectado com a comunidade em tempo real muda completamente a dinâmica. Antes, dependíamos de longas viagens, com todas as limitações de deslocamento e custo. Agora, posso conversar com professores, acompanhar trabalhos e trocar impressões instantaneamente, sem que o ritmo da vida local seja interrompido", relata.

Emoção
A entrega do projeto foi marcada por momentos simbólicos. Em Tabocal, a equipe foi recebida com cantos. O cacique Edmilson, líder local, que antes se mostrava desconfiado, fez questão de manifestar apoio à continuidade das aulas digitais. "Foi quando percebi que tínhamos vencido a barreira da confiança", conta Pinhanez.

A novidade também está mudando a rotina escolar. Professores e alunos aprendem a abrir pastas digitais, entregar trabalhos por meio dos tablets e participar de videoconferências em grupo - algo inédito para muitos. "Estamos criando os fundamentos de uma escola digital, mas de um jeito que faça sentido para a comunidade", resume Pinhanez.

Edison lembra de um momento que o marcou: um grupo de jovens rindo e se divertindo ao escrever no teclado digital configurado para o Nheengatu. "Eles digitavam frases, testavam as sugestões do corretor e mostravam uns aos outros como escrever. É bonito ver que, para eles, a tecnologia não ameaça a língua - pelo contrário, é uma forma de torná-la mais viva".

Tecnologia de ponta para uma línga ancestral
O projeto utiliza a mesma base tecnológica presente em sistemas avançados de inteligência artificial, adaptados para trabalhar com poucos dados e variações ortográficas. "É paradoxal: precisamos do que há de mais moderno para apoiar uma língua falada por poucas dezenas de milhares de pessoas", comenta Pinhanez.

Além do impacto cultural, a conectividade abre novas possibilidades para educação à distância, pesquisas acadêmicas e intercâmbio cultural. "Antes, manter contato com a comunidade dependia de viagens caras e demoradas. Agora, podemos orientar trabalhos e oferecer cursos sem sair da cidade", explica Finbow.

Para o linguista, esse acesso imediato não só potencializa o ensino, mas também cria uma base sólida para novas pesquisas linguísticas. "Com as salas digitais, podemos registrar variações, coletar exemplos de uso e comparar estruturas de forma contínua, sempre com a aprovação da comunidade. Isso é um ganho científico enorme e, ao mesmo tempo, uma oportunidade de devolver conhecimento diretamente para quem mantém a língua viva".

Sequência

O Yegatu Digital já planeja sua expansão para 2026, incluindo outras comunidades falantes de Nheengatu e, futuramente, as línguas Tukano e Baniwa. A continuidade dependerá de novas fontes de financiamento e da manutenção do protagonismo comunitário na gestão das salas.

Para Edison Baré, a relevância do projeto ultrapassa o presente e se conecta a um passado de resistência. "Nossa língua é parte da nossa luta. Levar o Nheengatu para o mundo digital é mais que uma ferramenta: é escrever, em nossa própria voz, um capítulo novo na história do nosso povo - e garantir que ele será lido pelas próximas gerações".

https://umsoplaneta.globo.com/sociedade/noticia/2025/08/09/exclusivo-inteligencia-artificial-e-comunidades-indigenas-se-encontram-no-alto-rio-negro-com-o-projeto-yegatu-digital.ghtml
 

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