From Indigenous Peoples in Brazil
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Literatura indígena

23/07/2011

Fonte: OESP, Estadinho, p. 1, 4-6



Documentos anexos


Literatura indígena

Thais Caramico

Só no primeiro semestre, sete livros de histórias indígenas, escritos por índios, foram publicados. "Isso nunca aconteceu antes. É um número bem expressivo que deve dobrar até o fim do ano", diz o escritor Daniel Munduruku, cuja etnia é a mesma de seu sobrenome.
Para Gabriela Gibrail, da Casa Azul de Paraty (organizadora da Flipinha), é maravilhoso poder conhecer esses contos através de quem os viveu. "É a cultura escrita sendo espalhada e garantindo a permanência e valorização de uma tradição", explica ela.
Mistura de lendas, contos e ficção, a literatura indígena tem elementos para lá de fantásticos. É tão rica e imaginativa que nos faz sonhar acordados! Quer ver?

Daniel Munduruku
Daniel é o primeiro indígena a registrar em livros infantis as histórias e os valores de seu povo. Ele nasceu na Aldeia Maracanã, no Pará, bem no coração da floresta amazônica. E você sabe o que significa a palavra Munduruku?
Formigas guerreiras.

Você foi o primeiro indígena a escrever livros com historias do seu povo para as crianças. Como começou?

Tinha terminado a faculdade de Filosofia, em Lorena (SP), onde moro hoje, e comecei a dar aula. Então, usava a contação de histórias para passar o conhecimento que eu tinha da vida na aldeia e de outros povos para as crianças. Um dia, uma criança perguntou onde ela poderia encontrar o que eu contava para ler. Foi quando caiu a ficha. Escrevi um texto sobre a vida de uma pessoa Munduruku, desde quando ela nasce até virar adulta. Mandei para várias editoras e uma se interessou. Pouco depois, Histórias de Índio foi publicado pela Cia. das Letrinhas. Já vai fazer 15 anos e o livro está na 15ª edição!

Conte um pouco sobre o povo Munduruku.

Estamos em três Estados: Pará (onde nasci), Amazonas e Mato Grosso. É um povo que tem contato com a sociedade brasileira há mais de 300 anos. Apesar de ter tido várias mudanças em seus modos, cultura e jeito de ser, também guarda muito das tradições. Entre elas, a língua munduruku, falada por 60% da população.

Você já tem mais de 40 livros publicados. O que retrata neles?

Costumo dizer que é uma variação do mesmo tema. Minha obra retrata o universo indígena e, mesmo quando crio alguma ficção, faço isso com base na minha formação de aldeia. Assim reconto histórias tradicionais e fábulas,
coisas que ouvia quando criança e que viajantes contaram.


Vangri Kaingang
Ilustradora e contadora de histórias, ela nasceu na Terra Indígena de Ligeiro, região norte do Rio Grande do Sul. Morou na aldeia até os 16 anos e depois se mudou para Passo Fundo (RS), onde começou a fazer faculdade de Ciências. Biológicas.

Como foi que você começou a ilustrar livros?

Sempre desenhei, desde pequena. Mesmo quando comecei a escrever, nunca parei de desenhar. E com meu trabalho como arte-educadora, artesã e contadora de histórias, comecei a resgatar os grafismos indígenas e as pinturas corporais. Foi um pulo para fazer ilustrações de livros.

Qual a importância da pintura corporal?

Em cada povo, a pintura no corpo é representada de um jeito. Eu sou Kaingáng. Na minha aldeia, a pintura corporal é algo muito forte. Usamos urucum e jenipapo para conseguir as tintas naturais para passar no corpo. Cada desenho tem um significado. A cobra, por exemplo, é para a gente um animal sagrado que simboliza sabedoria. A rã é sinônimo de fertilidade.

Conte um pouco mais sobre a historia do seu povo.

Existe uma lenda sobre a criação do povo Kaingáng e de como suas duas metades foram formadas. É uma história bonita (leia na página 6).

Qual a importância da literatura indígena?

É importante documentar as lendas e mitos de meu povo diretamente dos velhos sábios, detentores do conhecimento do tempo, dos animais sagrados, de nossas mitologias e lendas, contadas há milênios. É importante por uma questão de registro, mas também para manter a memória de um povo viva e poder dividi-la com quem procura a sabedoria de diferentes povos indígenas em suas crenças e costumes. Esse é o papel do escritor e ilustrador indígena: a visão pelos olhos do índio, escrita por suas mãos.


Muitos povos usam grafismos com elementos próprios de sua cultura, o que acaba sendo um elemento de diferenciação entre as etnias. São várias as funções dos desenhos. Uma delas é a de se comunicar com os espíritos


Esta vendo as imagens que ilustram essa reportagem?

Todas foram retiradas do livro Jóty, o Tamanduá, que conta a historia do povo Kaingang (encontrado no Sudeste e Sul do Brasil).
Quem escreveu e ilustrou essa obra foi Vangri Kaingang e Mauricio Negro, durante a Feira do Livro de Mato Grosso, Cuiaba, em 2009.
Joty, o Tamandua
Autores: Vangri Kaingang e Mauricio Negro.Global Editora, R$ 32.


Sabe como o povo Kaingáng surgiu? Foi assim que a história começou... Tupã, o Pai criador, colocou no seio de uma montanha alta, bem alta, duas almas gêmeas. Elas ficaram ali, paradinhas, descansando à espera de ordens. Um dia, Tupã ordenou que elas acordassem. De almas gêmeas, tornaram-se irmãos gêmeos: os irmãos Kaingáng.
Rapidamente, eles começaram a cavar a montanha para tentar sair dali. Mas cada um foi para um lado. Um deles encontrou muita terra. Cavou, cavou e conseguiu sair primeiro, sem um ferimento sequer. Ficou conhecido como Kairú, o lado místico do povo Kaingáng. Suas marcas são redondas no rosto e no corpo (o que, mais tarde, passou a ser representado nas pinturas).
O outro irmão Kaingáng encontrou apenas pedras no caminho enquanto cavava. Ele se machucou muito e só conseguiu sair da montanha muito depois, com os pés e as mãos feridos. Seu nome é Kamé, o Kaingáng da guerra, que usa riscos longos no rosto e no corpo.
Foi assim, com essa história, que surgiu o povo Kaingáng: grandes famílias e as pinturas Kamé e Kairú. Desde então, o casamento é permitido somente entre o Kamé e o Kairú, nunca um Kairú com Kairú ou Kamé com Kamé. Dessa forma, as duas metades se completam. E continuam a vida.
Lenda da criação do povo Kaingáng, contada por Vãngri e reescrita pelo Estadinho.

OESP, 23/07/2011, Estadinho, p. 1, 4-6
 

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