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O garimpeiro, o índio, o ministro e o kerenskiável

22/04/2004

Fonte: Rondonoticias -Porto Velho-RO

As imagens são bastante eloqüentes. Enquanto os corpos de quase três dezenas de garimpeiros recendiam aos gases e miasmas da putrefação, ainda estiolados nos sacos amarelos da burocracia e do desgoverno - agora sabemos, por suas próprias palavras, que o ministro da Justiça sabia da iminente carnificina e nada fez -, Márcio Thomaz Bastos, este mesmo ministro, recebia lideranças indígenas. Em si mesma, não haveria mal nenhum em tão calorosa recepção, e um governo que veio, afinal, para reparar 500 anos de injustiças tem nos índios, certamente, um bom encontro entre a pretensão fantasiosa e seu emblema. Ocorre que, em política, não existem acontecimentos "em si". Cada evento, cada fato, cada ato querem dizer alguma coisa, significam uma opção, uma escolha, um caminho. A trilha de Bastos - e do governo que ali encarnava - não era, à diferença do que possa parecer, a da reparação das injustiças históricas, mas a da reincidência do crime. Não o crime comum, a transgressão penal, aquele rol imenso de desmedidas que, praticadas por outros, garantiram a Bastos fama e fortuna. Faz-se aqui uma figuração. Cometia-se ali uma forma de crime moral, quem sabe político. Moral certamente porque contávamos todos ver a autoridade que representa o governo solidária com as vítimas, as viúvas, os órfãos, aqueles todos que hão de arcar com as conseqüências da ilegalidade praticada, sim, pelos garimpeiros, mas também com as conseqüências da inação oficial. Algum ato de contrição, ainda que por meio da expressão de palavras solidárias, se esperava ver do governo. E não deixa de ser um crime político manchar de tal sorte a reputação de um governo com a nódoa não apenas da prevaricação, mas também da impiedade. O Estado brasileiro, por que não destacar?, desfalecia nessa hora, vitimado ele também por um governo fraco. E poucos de nós nos damos conta de indagar - entre nocauteados, espantados e aborrecidos com tamanho espetáculo - a quem aproveita esse clima de desordem na ordem, de espiral negativa da legalidade, de permanente afronta, porém sempre consentida ou negociada, às instituições. Vamos ver como o fato se liga à trajetória de Lula, o kerenskiável.

 

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