From Indigenous Peoples in Brazil
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Projeto usa metodologia do Telecurso em áreas remotas do Amazonas

26/05/2013

Fonte: O Globo, País, p. 12



Documentos anexos


Projeto usa metodologia do Telecurso em áreas remotas do Amazonas
Crianças e adultos de aldeias ticunas interagem por meio da internet

LAURO NETO
Enviado especial
lauro.neto@oglobo.com.br

GUAJARÁ, MANACAPARU E TABATINGA (AM)- Para se chegar à comunidade Belém de Solimões, leva-se mais de duas horas a bordo de uma voadeira, pequena embarcação motorizada, a partir de Tabatinga, cidade fronteiriça com Peru e Colômbia. À beira do Rio Solimões, os cerca de seis mil índios da etnia ticuna que lá vivem já são bastante aculturados, mas ainda preservam a língua materna. Esse é um dos maiores desafios para a Educação de Jovens e Adultos (EJA), já que muitos não falam português.
Numa comunidade de visíveis contradições, em que adolescentes transitam pelas ruas asfaltadas (mas sem saneamento básico) usando aparelhos celulares apenas para ouvir hits de funk carioca, já que não há sinal de telefonia, é surpreendente que alunos de 35 a 71 anos frequentem aulas ministradas com a ajuda da TV e da internet via satélite.
A mediação tecnológica é uma das estratégias encontradas pelo projeto Igarité, que usa a metodologia do Telecurso para levar o ensino a comunidades dispersas.
À frente das duas turmas do EJA, os professores Entercley Barbosa Moçambite e Francisco Tenezor Tananta orientam os estudantes na construção do conhecimento a partir dos vídeos exibidos e do material didático.
O momento mais aguardado é "a hora da interatividade", quando os alunos se comunicam com estudantes de outras comunidades distantes e com o professor mediador, com auxílio de webcam e microfone. Pode ser para apresentar a explicação de um exercício sobre a biodiversidade do Cerrado ou mesmo para mostrar cantos indígenas. Mas nem sempre o prazeroso é fácil, como explica o professor Chiquinho.
- Muitos ficam tímidos pela questão da língua: eles têm medo de errar o português. Para não perder as raízes, precisam preservar a língua materna. Ao mesmo tempo, querem aprender o português para ir ao cartório, ao banco etc. - diz Chiquinho, que é da etnia ticuna. - Em compensação, eles têm o conhecimento do cotidiano, principalmente na matemática: o raciocínio lógico das operações do dia a dia, da compra e venda do peixe.
Nas paredes de alvenaria de uma das salas de aula, dois cartazes apontam os avanços e os "desavanços" da escola. No primeiro grupo, apenas o EJA tecnológico (o projeto Igarité) e o transporte para os professores. A segunda lista, mais extensa, aponta várias carências: água, refeitório, auditório, quadra poliesportiva, laboratório de informática, alojamento para os professores e transporte para os alunos.
É literalmente mais difícil enxergar adiante quando os óculos são meros acessórios sem que as lentes estejam apropriadas aos problemas de visão de quem os usa. Mas os olhos avermelhados da vista cansada pela labuta diária não estão menos atentos às aulas do 3o ano do EJA, que acontecem das 19h às 22h. Por trás dos óculos que o marido ganhou em uma viagem à cidade, Margarete Maria Adrião, de 52 anos, mantém um olho no quadro e outro no caderno onde copia a lição. Sua neta Maria Clara, de 9 anos, faz o mesmo.
Ela cursa a mesma série do ensino fundamental regular durante o dia, mas acompanha a avó à noite.
- Não sabia ler nem escrever.
Aprendi aqui. À noite, é mais difícil de ler, mas tenho que ter grau de estudo para pegar trabalho.
Até ano passado, trabalhava como merendeira na escola. Este ano, estou esperando concurso público - conta Margarete.
- Meus pais eram muito pobres e não tinham condições de colocar os filhos para estudar. Quando tenho dificuldades, minhas filhas que são professoras me ajudam.
Os ticunas vivem ainda da agricultura e da pesca. No modesto comércio, um prato feito com arroz, feijão, peixe e a famosa farofa de Cruzeiro do Sul custa R$ 5,50.
Da roça, Oscar Gregório Ramos, de 71 anos, sempre tirou o sustento de sua família. Por isso, teve pouco tempo para estudar.
Completou a 4ª série aos 11 anos e, desde então, "não pegava num caderno, livro ou lapiseira". Ele é um dos mais empolgados nas aulas do Igarité, durante a interatividade na frente da webcam.
- Não tenho vergonha. Não adianta ficar nervoso. Tem que mostrar o que temos a dizer sem medo - diz.
DUAS TURMAS NUMA MESMA SALA
Na comunidade ribeirinha da Boca da Boa Fé, onde vivem 12 famílias, a realidade não é muito diferente. A Escola Municipal Boa Vista funciona numa das precárias palafitas que flutuam sobre as águas fluviais. Não há muito para onde nem por onde correr. No estreito trapiche de madeira instalado recentemente pela prefeitura, crianças correm e brincam com uma bola. Na escola, uma casa de apenas um cômodo, a sala de aula acomoda duas turmas de séries diferentes com uma única professora. Os alunos não se incomodam.
Mãe e filha, Alda Carneiro da Silva, de 31 anos, e Sâmia Valéria, de 12 anos, dividem a sala com outros 17 estudantes. Ao mesmo tempo em que os oito alunos do 9o ano aprendem a fórmula de Báskara, os 11 do 8o ano têm uma aula sobre a Guerra Fria. No meio, a professora Maria Valteresa de Souza se desdobra em muitas para dar conta de conteúdos tão diversos. Não seria possível sem a ajuda da mediação tecnológica do Igarité.
- Sem internet, não temos aula. Pela tela, é mais rápido. Estou com duas turmas porque não tem outro professor, e não vou abandonar meus alunos.
Não acho complicado, a metodologia ajuda. No início, ficava um pouco confuso, mas nos adaptamos - diz a professora.
- Temos que superar obstáculos. Mesmo se fossem três turmas. Eles querem estudar, e é o melhor método para se transformar a sociedade.
Alda e Valéria concordam. A mãe havia parado de estudar aos 17 anos, ao concluir a 4ª série.
Hoje, é microscopista e ajuda a diagnosticar e tratar casos de malária na comunidade. Ela sonha com um futuro melhor para as filhas - além de Valéria, ela é mãe de Viviane, de 8 anos.
- Meu maior sonho é concluir os estudos e ver minhas filhas se formando. Sempre fazemos a tarefa de casa juntas na mesa - conta Alda.
DESAFIO DE DIMINUIR A EVASÃO
Já na Vila Caviana, a duas horas do município de Manacapuru pelo Rio Solimões, o maior desafio da Escola Estadual Januário Santana é diminuir a evasão e a distorção idade-série. Lá, o projeto Igarité atende sete turmas, do 6o ao 9o anos, com um total de 152 alunos. O professor José Falcão do Nascimento dá aulas para o 6o ano.
- Como os pais têm que sair de casa cedo para trabalhar na agricultura, às vezes levam os filhos ou os deixam largados. Isso provoca a evasão e aumenta a distorção idade-série - explica Falcão. - Com o Igarité e a exigência de o aluno estar presente, melhorou o nível. Eles sentem o impacto no começo, pois vêm de uma metodologia diferente, mas a internet desperta mais a curiosidade deles.
Desperta mesmo. Durante a aula, não é raro ouvir dos estudantes a frase "professor, pede a vez!", referindo-se à participação virtual no chat com escolas de outras comunidades, conectadas pelo Igarité. A embarcação, que dá o nome de origem tupi ao projeto, está pintada nas paredes.
Sandrine Soares, de 11 anos, é uma das alunas mais interessadas na navegação pela web.
- Foi um pouco difícil até pegar o jeito da metodologia.
Antes, a gente só copiava do quadro. Agora, as aulas são melhores, aprendemos mais.
Não sabia fazer trabalho em grupo. Agora, a gente aprende a se reunir melhor - compara a menina.

O Globo, 26/05/2013, País, p. 12
 

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