From Indigenous Peoples in Brazil
News
Um Papa para todas as tribos
28/07/2013
Fonte: O Globo, Especial, p. 4
Um Papa para todas as tribos
Em evento ecumênico, Francisco recebe índios e líderes de outras igrejas, e se emociona com caso de ex-viciado
HENRIQUE GOMES BATISTA
henrique.batista@oglobo.com.br
No dia em que defendeu o Estado laico e disse que seu conselho a todos os líderes sempre é "diálogo,diálogo, diálogo", o Papa Francisco viveu, no Teatro Municipal, o momento mais ecumênico da viagem ao Brasil para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ). Após discursar para cerca de duas mil pessoas, o Pontífice recebeu, no palco, líderes de diversas instituições sociais e religiosas, e teve, inclusive, uma inédita interação com um representante do candomblé, tipicamente paramentado.
Mas foi com um índio que a plateia na manhã de ontem mais vibrou: ao receber um presente que não estava previsto - um cocar feito de penas de garça e arara -, Francisco não hesitou, surpreendeu a todos e colocou o ornamento sobre sua cabeça, por cima do solidéu.
- Foi muito emocionante. A gente estava planejando entregar um cocar ao Papa há muito tempo, íamos tentar no domingo (hoje), na missa final da JMJ, quando também estaríamos no palco. Mas o melhor foi ver o Papa colocar o cocar na cabeça imediatamente, nunca imaginamos isso - afirmou o índio pataxó Ubiraí, de 26 anos, que subiu ao palco usando o cocar.
Para ele, o simbolismo é ainda maior pois o cocar - que os índios chamam de aratacá - tem a função de ligar o homem a Deus. O ornamento também tem um bordado especial que representa, segundo Ubiraí, a resistência de sua tribo, a Coroa Vermelha.
O pataxó veio de Santa Cruz de Cabrália, no Sul da Bahia, justamente a região onde aconteceu a primeira missa do país. E, curiosamente, ele não é o primeiro índio de sua família que presenteia um Papa. Em 1991, o pai de Ubiraí já havia entregado uma lança de presente a João Paulo II, quando o Pontífice polonês visitou a região. Naquele mesmo ano, o Papa também chegou a colocar um cocar na cabeça, em uma visita a Cuiabá.
- Fico imaginando meu pai vendo isso pela televisão, ele deve estar emocionado - afirmou Ubiraí, lembrando que seu pai está com 69 anos e continua católico, algo compatível para os pataxós, explicou. - Para mim, a religião católica não afeta nossa cultura. A cultura de nosso povo está sempre em primeiro lugar. Ubiraí atua num projeto social em sua tribo e se esforçou, junto a outros índios, para viabilizar a vinda de 43 jovens para a JMJ.
- Fizemos pedágio, vendemos artesanatos, doces, fizemos rifa e conseguimos alguns patrocínios para vir à JMJ. Do nosso grupo, apenas seis já haviam saído da nossa região - disse ele, que é casado e pai há nove meses de Txaiwanahy.
O que acabou em apoteose do evento com o Papa, contudo, começou de forma tensa. Na entrada do Municipal, um grupo de pataxós chegou a ser barrado pelos seguranças do teatro porque estava de chinelos e sem camisa. Para resolver a confusão, a diretora do Municipal, Carla Camurati, pediu aos índios que vestissem a camisa da Jornada antes de entrar.
- Isso é uma norma: não pode entrar de bermuda, nem sem camisa. Não foi uma lei que eu fiz - disse Carla, que logo depois mudou de versão e afirmou que o problema é que o grupo não estava "padronizado", com alguns índios sem camisa e outros, vestidos. A índia Suturiana Pataxó, irmã de Ubiraí e mãe de Tingui - o rapaz de 15 anos que estava sem camisa e causou o problema -, afirmou que esse tipo de intolerância existe:
- É constrangedor. A gente já entrou no Palácio do Planalto, conversou com a presidente (Dilma Rousseff ) descalça e sem camisa. Obrigar agente a vestir camisa gera constrangimento.
O grupo acatou a recomendação e entrou no local com as coloridas camisetas da JMJ. Após o encontro com Francisco, Suturiana desafabou: - O Papa deu uma aula de humildade, mas às vezes essa humildade falta para as outras pessoas.
O Papa não se importou de a gente estar sem camisa lá dentro - disse.
PONTÍFICE ACALMA JOVEM QUE DEU TESTEMUNHO
Além do índio, Walmyr Jr. emocionou o Papa e a plateia do evento. Falando logo após dom Orani Tempesta - que citou a onda de protestos que corre o país - e antes do Papa, ele, muito emocionado, contou sua história de vida.
Órfão de pai e mãe, morador da Favela Marcílio Dias, no Complexo da Maré, Walmyr se viciou em drogas e só mudou de vida com o apoio da Pastoral da Juventude. Hoje com 28 anos, ele está se formando em história graças a uma bolsa da PUC-Rio:
- Foi muito emocionante falar e ver que o Papa estava ouvindo, quando, na verdade, é todo mundo que ouve o Papa - disse ele.
Em seu discurso, Walmyr pediu muito pelos jovens que, diferentemente dele, não conseguiram abandonar o tráfico de drogas. Ele foi convidado pelo próprio arcebispo do Rio, há uma semana, para falar ao Papa. Walmyr é próximo do religioso por sua atuação na Pastoral da Juventude e por ser voluntário da JMJ desde 2010:
- Quando fui abraçar o Papa, disse "Muito obrigado pela presença", e o Papa me respondeu "Obrigado a você pelo testemunho". Foi muita emoção, comecei a chorar e ele ficou me dizendo "Fique calmo, fique calmo".
O babalaô Ivani dos Santos se comoveu por ter subido ao palco para falar com Francisco. Segundo ele, a mensagem a favor do Estado laico e da convivência entre as religiões é um marco para a Igreja Católica:
- Pela primeira vez fomos recebidos assim. Conseguimos um diálogo importante para o fim do preconceito contra as religiões africanas.
O Globo, 28/07/2013, Especial, p. 4
Em evento ecumênico, Francisco recebe índios e líderes de outras igrejas, e se emociona com caso de ex-viciado
HENRIQUE GOMES BATISTA
henrique.batista@oglobo.com.br
No dia em que defendeu o Estado laico e disse que seu conselho a todos os líderes sempre é "diálogo,diálogo, diálogo", o Papa Francisco viveu, no Teatro Municipal, o momento mais ecumênico da viagem ao Brasil para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ). Após discursar para cerca de duas mil pessoas, o Pontífice recebeu, no palco, líderes de diversas instituições sociais e religiosas, e teve, inclusive, uma inédita interação com um representante do candomblé, tipicamente paramentado.
Mas foi com um índio que a plateia na manhã de ontem mais vibrou: ao receber um presente que não estava previsto - um cocar feito de penas de garça e arara -, Francisco não hesitou, surpreendeu a todos e colocou o ornamento sobre sua cabeça, por cima do solidéu.
- Foi muito emocionante. A gente estava planejando entregar um cocar ao Papa há muito tempo, íamos tentar no domingo (hoje), na missa final da JMJ, quando também estaríamos no palco. Mas o melhor foi ver o Papa colocar o cocar na cabeça imediatamente, nunca imaginamos isso - afirmou o índio pataxó Ubiraí, de 26 anos, que subiu ao palco usando o cocar.
Para ele, o simbolismo é ainda maior pois o cocar - que os índios chamam de aratacá - tem a função de ligar o homem a Deus. O ornamento também tem um bordado especial que representa, segundo Ubiraí, a resistência de sua tribo, a Coroa Vermelha.
O pataxó veio de Santa Cruz de Cabrália, no Sul da Bahia, justamente a região onde aconteceu a primeira missa do país. E, curiosamente, ele não é o primeiro índio de sua família que presenteia um Papa. Em 1991, o pai de Ubiraí já havia entregado uma lança de presente a João Paulo II, quando o Pontífice polonês visitou a região. Naquele mesmo ano, o Papa também chegou a colocar um cocar na cabeça, em uma visita a Cuiabá.
- Fico imaginando meu pai vendo isso pela televisão, ele deve estar emocionado - afirmou Ubiraí, lembrando que seu pai está com 69 anos e continua católico, algo compatível para os pataxós, explicou. - Para mim, a religião católica não afeta nossa cultura. A cultura de nosso povo está sempre em primeiro lugar. Ubiraí atua num projeto social em sua tribo e se esforçou, junto a outros índios, para viabilizar a vinda de 43 jovens para a JMJ.
- Fizemos pedágio, vendemos artesanatos, doces, fizemos rifa e conseguimos alguns patrocínios para vir à JMJ. Do nosso grupo, apenas seis já haviam saído da nossa região - disse ele, que é casado e pai há nove meses de Txaiwanahy.
O que acabou em apoteose do evento com o Papa, contudo, começou de forma tensa. Na entrada do Municipal, um grupo de pataxós chegou a ser barrado pelos seguranças do teatro porque estava de chinelos e sem camisa. Para resolver a confusão, a diretora do Municipal, Carla Camurati, pediu aos índios que vestissem a camisa da Jornada antes de entrar.
- Isso é uma norma: não pode entrar de bermuda, nem sem camisa. Não foi uma lei que eu fiz - disse Carla, que logo depois mudou de versão e afirmou que o problema é que o grupo não estava "padronizado", com alguns índios sem camisa e outros, vestidos. A índia Suturiana Pataxó, irmã de Ubiraí e mãe de Tingui - o rapaz de 15 anos que estava sem camisa e causou o problema -, afirmou que esse tipo de intolerância existe:
- É constrangedor. A gente já entrou no Palácio do Planalto, conversou com a presidente (Dilma Rousseff ) descalça e sem camisa. Obrigar agente a vestir camisa gera constrangimento.
O grupo acatou a recomendação e entrou no local com as coloridas camisetas da JMJ. Após o encontro com Francisco, Suturiana desafabou: - O Papa deu uma aula de humildade, mas às vezes essa humildade falta para as outras pessoas.
O Papa não se importou de a gente estar sem camisa lá dentro - disse.
PONTÍFICE ACALMA JOVEM QUE DEU TESTEMUNHO
Além do índio, Walmyr Jr. emocionou o Papa e a plateia do evento. Falando logo após dom Orani Tempesta - que citou a onda de protestos que corre o país - e antes do Papa, ele, muito emocionado, contou sua história de vida.
Órfão de pai e mãe, morador da Favela Marcílio Dias, no Complexo da Maré, Walmyr se viciou em drogas e só mudou de vida com o apoio da Pastoral da Juventude. Hoje com 28 anos, ele está se formando em história graças a uma bolsa da PUC-Rio:
- Foi muito emocionante falar e ver que o Papa estava ouvindo, quando, na verdade, é todo mundo que ouve o Papa - disse ele.
Em seu discurso, Walmyr pediu muito pelos jovens que, diferentemente dele, não conseguiram abandonar o tráfico de drogas. Ele foi convidado pelo próprio arcebispo do Rio, há uma semana, para falar ao Papa. Walmyr é próximo do religioso por sua atuação na Pastoral da Juventude e por ser voluntário da JMJ desde 2010:
- Quando fui abraçar o Papa, disse "Muito obrigado pela presença", e o Papa me respondeu "Obrigado a você pelo testemunho". Foi muita emoção, comecei a chorar e ele ficou me dizendo "Fique calmo, fique calmo".
O babalaô Ivani dos Santos se comoveu por ter subido ao palco para falar com Francisco. Segundo ele, a mensagem a favor do Estado laico e da convivência entre as religiões é um marco para a Igreja Católica:
- Pela primeira vez fomos recebidos assim. Conseguimos um diálogo importante para o fim do preconceito contra as religiões africanas.
O Globo, 28/07/2013, Especial, p. 4
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