From Indigenous Peoples in Brazil
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Noticias
Saber primitivo
23/10/2013
Fonte: FPS, Comida, p. F1
Documentos anexos
Saber primitivo
Livro com receitas de cozinheira da etnia baré e visitas de chefs a tribos marcam interesse pelas tradições indígenas
Janaina Fidalgo Colaboração para a Folha
Quando dona Brazi chegou a São Paulo quatro anos atrás, trazendo um embornal com saúvas, tucupi preto e beiju, foi um reboliço. Por semanas os chefs só falavam na índia baré e nas formigas que havia servido no Tordesilhas.
Agora a cozinheira volta à cidade para lançar "Dona Brazi: Cozinha Tradicional Amazônica", publicado pela editora Bei. "É raro as pessoas conseguirem pôr num livro suas histórias e receitas", diz à Folha, de São Gabriel da Cachoeira (AM). "Muita coisa aconteceu desde que o Alex veio me conhecer."
O Alex, a quem trata com intimidade, é o Atala. Foi ele o primeiro chef de São Paulo a visitar dona Brazi na cidade do alto Rio Negro em que quase 90% da população é indígena e onde só se chega de barco ou num turboélice.
Os paulistanos Mara Salles e Leo Botto, o catarinense Felipe Schaedler e o francês Pascal Barbot também foram a São Gabriel e visitaram comunidades indígenas da região. Conheceram ingredientes e modos de fazer dessa cozinha já algo cabocla.
"Os povos da região têm uma dieta variadíssima, com alimentos provenientes da floresta, do rio e das roças. Os baniwa, por exemplo, consomem 45 tipos de frutas", diz o ecólogo Adeilson Lopes da Silva, da equipe do programa Rio Negro do Instituto Socioambiental, o ISA.
São os baniwa que fazem a jiquitaia, pimenta em pó elaborada com diferentes variedades secas ao sol e piladas com sal. O ingrediente indígena é vendido em São Paulo e usado por chefs.
Para o ecólogo, a região dispõe de muitos outros produtos com potencial gastronômico semelhante. "Tem o tucupi preto, as farinhas, os óleos de palmeiras, os cogumelos comestíveis, o mel de abelhas nativas."
VIVÊNCIAS
Mara Salles, que receberá novamente dona Brazi para um jantar a quatro mãos no Tordesilhas, diz que aprendeu a "pescar" saúva e a pôr a pimenta inteira nos caldos, no fim do cozimento. "Sem falar na complexidade das farinhas, o tanto de processamentos da mandioca."
Neste ano, outra chef esteve em uma comunidade indígena pesquisando os modos de fazer. Ana Luiza Trajano, do Brasil a Gosto, passou 27 dias na tribo dos yawanawá, no Acre. É com essa experiência que ela encerra seu novo livro, "Cardápios do Brasil", a ser lançado pela editora Senac/SP em novembro.
"Foi lindo vê-los sair para as caças coletivas. Ficam cinco dias na mata e voltam com alguns animais já moqueados. Os mais apreciados, como paca e anta, matam só no último dia, para a carne vir fresca", conta Ana Luiza, que está servindo um cardápio inspirado no que aprendeu com os yawanawá.
Impossibilitada de tratar as carnes na brasa, como os índios fazem para conservá-las, a chef criou uma cerâmica que emula um moquém. Sobre a peça, serve um pintado cozido com ervas amazônicas. No menu, a única caça é a paca, criada em cativeiro autorizado pelo Ibama.
Apresentadora de uma série de TV sobre gastronomia brasileira, a chef Bel Coelho esteve com os yanomami, no sul de Roraima, gravando um episódio para o Discovery e o canal franco-alemão ARTE.
Ajudou a colher mandioca, viu uma índia cozinhando um macaco recém-caçado e voltou impressionada com a forma como compartilham a comida. "Sabores e técnicas são muito simples. Foi uma experiência inspiradora. Gastronômica e socialmente."
Livro traz perfil de índia baré que cativou chefs com suas formigas
Com prefácio de Alex Atala, publicação bilíngue compila receitas da amazonense dona Brazi
Obra será lançada na próxima quarta no Tordesilhas; à noite, cozinheira fará jantar com produtos locais
Janaina Fidalgo Colaboração para a Folha
Tinha uma coisa que Josefa Antônia Gonçalves nunca imaginou que fosse acontecer. A publicação de um livro com a história de sua vida e a transcrição das "receitas da cozinha regional milenar" coletadas por mais de 50 anos e escritas por ela, com esferográfica, num caderno espiral.
Ainda não viu o livro e desconhecia até o título. "Qual é?", queria saber. Ouve, do outro lado da linha, que tem o nome dela estampado na capa, um dona Brazi escrito em maiúsculas, sobre uma foto dela em trajes de chef.
Solta um riso, sem esconder o orgulho. Conta como os últimos dias foram corridos. Anda às voltas com os preparativos para a viagem que fará a São Paulo na próxima semana. Vem para o lançamento do livro na quarta que vem (dia 30), no Tordesilhas.
À noite, ela e a chef Mara Salles farão um jantar no restaurante (leia abaixo).
A edição bilíngue traz um relato gostoso da jornalista Maria da Paz Trefaut sobre a cozinheira de origem baré que cativou Alex Atala. É do chef, aliás, o prefácio de "Dona Brazi: Cozinha Tradicional Amazônica" (editora Bei). Apresentado a ela pelo antropólogo Beto Ricardo, do Instituto Socioambiental (ISA), Atala escreve no prefácio como ficou deslumbrado por sua quinhampira e mujeca, ambos caldos de peixe - o primeiro com tucupi; o outro, engrossado com farinha de mandioca.
Mas foram as formigas, diz dona Brazi, que a tornaram conhecida fora de São Gabriel da Cachoeira (AM). "Aqui é que nem farinha, não pode faltar", diz. Trazendo sob o braço saúvas recendendo a capim-santo, ela já esteve em São Paulo duas vezes. Cozinhou no Tordesilhas e foi convidada até para ir a Paris. Mas disse não ao francês Pascal Barbot, chef do estrelado L'Astrance que se enamorou das saúvas. E de dona Brazi.
Filha de um baré com uma índia da etnia tukano, dona Brazi nasceu numa comunidade na margem esquerda do rio Negro.
Antes de se mudar para a cidade, gostava de pegar a espingarda e se enfiar na mata atrás de cotias e tucanos. "Tacava tiro no que aparecia. Mas gosto mesmo é de tucano. Dá um caldinho bom."
Sabe que nem todas as receitas tradicionais da região podem ser feitas fora de lá pela falta de ingredientes. "Mas o peixe assado na folha de bananeira dá", diz. E seu famosos vinagrete de saúva, dona Brazi? "Ih, não dá. Meu marido diz que tô colocando o povo de São Paulo no mau caminho, ensinando vocês a comer formiga", diz, rindo.
Pesquisa cataloga tradições culinárias do alto Rio Negro
Colaboração para a Folha
Idária, Albertina, Bacilia, Lídia e Marilda são mulheres indígenas rionegrinas. Todas elas detentoras de uma sabedoria culinária local. Donas das receitas, como dizem por lá. Outras Brazi que o país desconhece.
Em "Comidas Tradicionais Indígenas do Alto Rio Negro", elas compartilham conhecimentos culinários das etnias de São Gabriel da Cachoeira e das aldeias do entorno.
Registro importante de uma cultura ameaçada especialmente pelo abandono dos rituais associados às práticas alimentares tradicionais. Mais de 80 receitas compõem o livro, organizado por Luiza Garnelo e pela baré Gilda da Silva Barreto.
Médica e antropóloga, Luiza visita a região há 25 anos. À Folha, conta ter ficado surpresa com a variedade de formas de preparo.
"A sabedoria do gerenciamento das relações com a natureza foi o que mais me impressionou. Elas aproveitam tudo, lidam muito bem com a escassez. Há receitas até para o peixinho de isca, quando não conseguem pescar um maior."
"O moqueado também. Quando demora para ser consumido, desidrata e fica duro. Tem muitas receitas para reaproveitar essa carne."
O consumo de formigas também chamou a atenção de Luiza. "Elas são uma fonte interessante de proteína."
"A capacidade de aproveitar o que se tem à volta é incrível. Moldam o gosto das gerações em função dessa disponibilidade. Raciocínio inverso ao nosso, que devastamos para plantar só o que queremos comer." (JF)
FPS, 23/10/2013, Comida, p. F1
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/comida/135155-saber-primitivo.shtml
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/comida/135157-livro-traz-perfil-de-india-bare-que-cativou-chefs-com-suas-formigas.shtml
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/comida/135158-pesquisa-cataloga-tradicoes-culinarias-do-alto-rio-negro.shtml
Livro com receitas de cozinheira da etnia baré e visitas de chefs a tribos marcam interesse pelas tradições indígenas
Janaina Fidalgo Colaboração para a Folha
Quando dona Brazi chegou a São Paulo quatro anos atrás, trazendo um embornal com saúvas, tucupi preto e beiju, foi um reboliço. Por semanas os chefs só falavam na índia baré e nas formigas que havia servido no Tordesilhas.
Agora a cozinheira volta à cidade para lançar "Dona Brazi: Cozinha Tradicional Amazônica", publicado pela editora Bei. "É raro as pessoas conseguirem pôr num livro suas histórias e receitas", diz à Folha, de São Gabriel da Cachoeira (AM). "Muita coisa aconteceu desde que o Alex veio me conhecer."
O Alex, a quem trata com intimidade, é o Atala. Foi ele o primeiro chef de São Paulo a visitar dona Brazi na cidade do alto Rio Negro em que quase 90% da população é indígena e onde só se chega de barco ou num turboélice.
Os paulistanos Mara Salles e Leo Botto, o catarinense Felipe Schaedler e o francês Pascal Barbot também foram a São Gabriel e visitaram comunidades indígenas da região. Conheceram ingredientes e modos de fazer dessa cozinha já algo cabocla.
"Os povos da região têm uma dieta variadíssima, com alimentos provenientes da floresta, do rio e das roças. Os baniwa, por exemplo, consomem 45 tipos de frutas", diz o ecólogo Adeilson Lopes da Silva, da equipe do programa Rio Negro do Instituto Socioambiental, o ISA.
São os baniwa que fazem a jiquitaia, pimenta em pó elaborada com diferentes variedades secas ao sol e piladas com sal. O ingrediente indígena é vendido em São Paulo e usado por chefs.
Para o ecólogo, a região dispõe de muitos outros produtos com potencial gastronômico semelhante. "Tem o tucupi preto, as farinhas, os óleos de palmeiras, os cogumelos comestíveis, o mel de abelhas nativas."
VIVÊNCIAS
Mara Salles, que receberá novamente dona Brazi para um jantar a quatro mãos no Tordesilhas, diz que aprendeu a "pescar" saúva e a pôr a pimenta inteira nos caldos, no fim do cozimento. "Sem falar na complexidade das farinhas, o tanto de processamentos da mandioca."
Neste ano, outra chef esteve em uma comunidade indígena pesquisando os modos de fazer. Ana Luiza Trajano, do Brasil a Gosto, passou 27 dias na tribo dos yawanawá, no Acre. É com essa experiência que ela encerra seu novo livro, "Cardápios do Brasil", a ser lançado pela editora Senac/SP em novembro.
"Foi lindo vê-los sair para as caças coletivas. Ficam cinco dias na mata e voltam com alguns animais já moqueados. Os mais apreciados, como paca e anta, matam só no último dia, para a carne vir fresca", conta Ana Luiza, que está servindo um cardápio inspirado no que aprendeu com os yawanawá.
Impossibilitada de tratar as carnes na brasa, como os índios fazem para conservá-las, a chef criou uma cerâmica que emula um moquém. Sobre a peça, serve um pintado cozido com ervas amazônicas. No menu, a única caça é a paca, criada em cativeiro autorizado pelo Ibama.
Apresentadora de uma série de TV sobre gastronomia brasileira, a chef Bel Coelho esteve com os yanomami, no sul de Roraima, gravando um episódio para o Discovery e o canal franco-alemão ARTE.
Ajudou a colher mandioca, viu uma índia cozinhando um macaco recém-caçado e voltou impressionada com a forma como compartilham a comida. "Sabores e técnicas são muito simples. Foi uma experiência inspiradora. Gastronômica e socialmente."
Livro traz perfil de índia baré que cativou chefs com suas formigas
Com prefácio de Alex Atala, publicação bilíngue compila receitas da amazonense dona Brazi
Obra será lançada na próxima quarta no Tordesilhas; à noite, cozinheira fará jantar com produtos locais
Janaina Fidalgo Colaboração para a Folha
Tinha uma coisa que Josefa Antônia Gonçalves nunca imaginou que fosse acontecer. A publicação de um livro com a história de sua vida e a transcrição das "receitas da cozinha regional milenar" coletadas por mais de 50 anos e escritas por ela, com esferográfica, num caderno espiral.
Ainda não viu o livro e desconhecia até o título. "Qual é?", queria saber. Ouve, do outro lado da linha, que tem o nome dela estampado na capa, um dona Brazi escrito em maiúsculas, sobre uma foto dela em trajes de chef.
Solta um riso, sem esconder o orgulho. Conta como os últimos dias foram corridos. Anda às voltas com os preparativos para a viagem que fará a São Paulo na próxima semana. Vem para o lançamento do livro na quarta que vem (dia 30), no Tordesilhas.
À noite, ela e a chef Mara Salles farão um jantar no restaurante (leia abaixo).
A edição bilíngue traz um relato gostoso da jornalista Maria da Paz Trefaut sobre a cozinheira de origem baré que cativou Alex Atala. É do chef, aliás, o prefácio de "Dona Brazi: Cozinha Tradicional Amazônica" (editora Bei). Apresentado a ela pelo antropólogo Beto Ricardo, do Instituto Socioambiental (ISA), Atala escreve no prefácio como ficou deslumbrado por sua quinhampira e mujeca, ambos caldos de peixe - o primeiro com tucupi; o outro, engrossado com farinha de mandioca.
Mas foram as formigas, diz dona Brazi, que a tornaram conhecida fora de São Gabriel da Cachoeira (AM). "Aqui é que nem farinha, não pode faltar", diz. Trazendo sob o braço saúvas recendendo a capim-santo, ela já esteve em São Paulo duas vezes. Cozinhou no Tordesilhas e foi convidada até para ir a Paris. Mas disse não ao francês Pascal Barbot, chef do estrelado L'Astrance que se enamorou das saúvas. E de dona Brazi.
Filha de um baré com uma índia da etnia tukano, dona Brazi nasceu numa comunidade na margem esquerda do rio Negro.
Antes de se mudar para a cidade, gostava de pegar a espingarda e se enfiar na mata atrás de cotias e tucanos. "Tacava tiro no que aparecia. Mas gosto mesmo é de tucano. Dá um caldinho bom."
Sabe que nem todas as receitas tradicionais da região podem ser feitas fora de lá pela falta de ingredientes. "Mas o peixe assado na folha de bananeira dá", diz. E seu famosos vinagrete de saúva, dona Brazi? "Ih, não dá. Meu marido diz que tô colocando o povo de São Paulo no mau caminho, ensinando vocês a comer formiga", diz, rindo.
Pesquisa cataloga tradições culinárias do alto Rio Negro
Colaboração para a Folha
Idária, Albertina, Bacilia, Lídia e Marilda são mulheres indígenas rionegrinas. Todas elas detentoras de uma sabedoria culinária local. Donas das receitas, como dizem por lá. Outras Brazi que o país desconhece.
Em "Comidas Tradicionais Indígenas do Alto Rio Negro", elas compartilham conhecimentos culinários das etnias de São Gabriel da Cachoeira e das aldeias do entorno.
Registro importante de uma cultura ameaçada especialmente pelo abandono dos rituais associados às práticas alimentares tradicionais. Mais de 80 receitas compõem o livro, organizado por Luiza Garnelo e pela baré Gilda da Silva Barreto.
Médica e antropóloga, Luiza visita a região há 25 anos. À Folha, conta ter ficado surpresa com a variedade de formas de preparo.
"A sabedoria do gerenciamento das relações com a natureza foi o que mais me impressionou. Elas aproveitam tudo, lidam muito bem com a escassez. Há receitas até para o peixinho de isca, quando não conseguem pescar um maior."
"O moqueado também. Quando demora para ser consumido, desidrata e fica duro. Tem muitas receitas para reaproveitar essa carne."
O consumo de formigas também chamou a atenção de Luiza. "Elas são uma fonte interessante de proteína."
"A capacidade de aproveitar o que se tem à volta é incrível. Moldam o gosto das gerações em função dessa disponibilidade. Raciocínio inverso ao nosso, que devastamos para plantar só o que queremos comer." (JF)
FPS, 23/10/2013, Comida, p. F1
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/comida/135155-saber-primitivo.shtml
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/comida/135157-livro-traz-perfil-de-india-bare-que-cativou-chefs-com-suas-formigas.shtml
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/comida/135158-pesquisa-cataloga-tradicoes-culinarias-do-alto-rio-negro.shtml
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