From Indigenous Peoples in Brazil
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Tutãra: o colar sagrado dos Rikbaktsa e o desafio da proteção cultural
04/06/2025
Autor: Helena Corezomaé
Fonte: OPAN - https://amazonianativa.org.br
"O Tutãra é sagrado pra nós", diz Lucinete Mukda Rikbaktatsa, da Terra Indígena Erikpatsa, presidente da Associação Indígena de Mulheres Rikbaktsa (Aimurik). Mais que um colar de casamento, a peça é a representação da cultura, história e conexão do povo Rikbaktsa com o meio ambiente.
Feito a partir de uma concha rara, encontrada apenas no rio Arinos, em Mato Grosso, o Tutãra carrega em seus desenhos a figura do cará, peixe-mãe na mitologia Rikbaktsa, simbolizando a própria origem do povo, segundo o professor Juarez Paimy.
A confecção do colar é um processo complexo e cheio de significado. Inicia-se com o corte e arredondamento de cocos de tucum (uma palmeira local), que formam a base de seis voltas, longas o suficiente para descer do pescoço até abaixo do umbigo.
As conchas são colhidas em locais específicos e em períodos determinados no rio Arinos, onde habitam em abundância, misturadas com barro em áreas de praia. Após a coleta, apenas a casca é utilizada, sendo submetida a um longo processo de fervura por horas em fogo brando, misturada com cinza, para limpá-la profundamente.
A partir da casca limpa, as mulheres Rikbaktsa modelam e perfuram delicadamente os formatos de peixinhos, replicando o cará, para então pendurá-los em fios de algodão, formando de 12 a 20 fios com múltiplos peixes pendurados. O acabamento envolve pelos de caititu, penas de araras (amarelas, vermelhas, azuis) e mutum, que adornam a peça e protegem a nuca quando o colar é vestido nas costas.
"Casei e na cerimônia meus padrinhos usaram o Tutãra, quem usa o colar são os padrinhos", explica Juarez Paimy. Conforme o professor, na madrugada do dia marcado para o casamento, por volta das 3h, os padrinhos do casal vão à casa do noivo (o Mykyry), o acordam e o orientam a deixar sua rede. A rede, junto com os colares Tutãra, é então levada pelos padrinhos até a casa da noiva.
"A madrinha é quem leva, e é só à noite. Geralmente, o homem vai para casa do sogro e da sogra. E a madrinha é quem passa fazendo barulho com esse colar de casamento. Quem tiver acordado já sabe que está fazendo casamento", informa Lucinete.
Ao chegar na casa, a rede do rapaz é amarrada ao lado da moça. Os noivos são convidados a sentar em suas redes, um de frente para o outro, e recebem os conselhos dos padrinhos sobre a nova vida em família, a responsabilidade e os ensinamentos para o futuro.
Mesmo diante das influências externas, o povo Rikbaktsa se orgulha de proteger suas tradições e cerimônias. Contudo, a construção de uma Usina Hidrelétrica (UHE) no rio Arinos colocou o Tutãra sob risco.
Na época, a comunidade questionou veementemente o projeto, temendo o desaparecimento da matéria-prima e, consequentemente, o fim de seus casamentos tradicionais. A mobilização foi fundamental para evitar a construção da usina, garantindo a continuidade de um legado que é, para os Rikbaktsa, a própria essência de sua vida.
"Não deixamos fazer a usina, porque entendemos que se acontecesse ia acabar a matéria-prima, e poderia não existir mais os casamentos tradicionais, que até hoje são preservados. O pessoal coleta bastante e usam muito para fazer essa cerimônia", ressalta Juarez Paimy.
Apesar da importância para a vida cultural e espiritual do povo Rikbaktsa, o ritual do Tutãra ainda não é reconhecido como Patrimônio Imaterial do Brasil. Em Mato Grosso, por exemplo, apenas o ritual Yaokwa do povo Enawene Nawe possui esse registro oficial.
No entanto, o Tutãra é um bem cultural único, que simultaneamente representa patrimônio arqueológico, histórico e cultural. Ele só existe em um ambiente antropicamente construído pelos Rikbaktsa, sendo fruto de saberes singulares que perpassam desde a organização social até seus ritos anuais e formas de casamento. Não há outro povo capaz de produzir e usar o Tutãra da mesma maneira, o que ressalta sua exclusividade e a profunda conexão com a identidade Rikbaktsa.
Para garantir a proteção desse patrimônio imaterial, a Operação Amazônia Nativa (OPAN) desenvolveu o Projeto Tutãra, que foi aprovado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A iniciativa busca valorizar os elementos e modos de fazer centrais na identidade e memória Rikbaktsa, conforme destaca o indigenista Ricardo Carvalho, coordenador do projeto.
O projeto envolve um inventário participativo baseado na mediação, escuta e diálogo com o povo Rikbaktsa sobre a elaboração cultural do Tutãra, além da produção de um vídeo, documentação textual e audiovisual. Todo o trabalho visa gerar conhecimento, salvaguardar os bens culturais e subsidiar políticas públicas para a proteção dessa riqueza cultural.
Quer conhecer mais sobre o Tutãra? Veja o vídeo "Tutãra - Patrimônio Rikbaktsa", que está disponível no YouTube da OPAN no link. Para mais informações sobre o bivalve e sua importância cultural, leia também reportagem da revista Amazônia Nativa e o relatório técnico "Saber, fazer, existir: o povo Rikbaktsa, o tutãra e o rio Tutãra Itsik".
https://amazonianativa.org.br/2025/06/04/tutara-o-colar-sagrado-dos-rikbaktsa-e-o-desafio-da-protecao-cultural/
Feito a partir de uma concha rara, encontrada apenas no rio Arinos, em Mato Grosso, o Tutãra carrega em seus desenhos a figura do cará, peixe-mãe na mitologia Rikbaktsa, simbolizando a própria origem do povo, segundo o professor Juarez Paimy.
A confecção do colar é um processo complexo e cheio de significado. Inicia-se com o corte e arredondamento de cocos de tucum (uma palmeira local), que formam a base de seis voltas, longas o suficiente para descer do pescoço até abaixo do umbigo.
As conchas são colhidas em locais específicos e em períodos determinados no rio Arinos, onde habitam em abundância, misturadas com barro em áreas de praia. Após a coleta, apenas a casca é utilizada, sendo submetida a um longo processo de fervura por horas em fogo brando, misturada com cinza, para limpá-la profundamente.
A partir da casca limpa, as mulheres Rikbaktsa modelam e perfuram delicadamente os formatos de peixinhos, replicando o cará, para então pendurá-los em fios de algodão, formando de 12 a 20 fios com múltiplos peixes pendurados. O acabamento envolve pelos de caititu, penas de araras (amarelas, vermelhas, azuis) e mutum, que adornam a peça e protegem a nuca quando o colar é vestido nas costas.
"Casei e na cerimônia meus padrinhos usaram o Tutãra, quem usa o colar são os padrinhos", explica Juarez Paimy. Conforme o professor, na madrugada do dia marcado para o casamento, por volta das 3h, os padrinhos do casal vão à casa do noivo (o Mykyry), o acordam e o orientam a deixar sua rede. A rede, junto com os colares Tutãra, é então levada pelos padrinhos até a casa da noiva.
"A madrinha é quem leva, e é só à noite. Geralmente, o homem vai para casa do sogro e da sogra. E a madrinha é quem passa fazendo barulho com esse colar de casamento. Quem tiver acordado já sabe que está fazendo casamento", informa Lucinete.
Ao chegar na casa, a rede do rapaz é amarrada ao lado da moça. Os noivos são convidados a sentar em suas redes, um de frente para o outro, e recebem os conselhos dos padrinhos sobre a nova vida em família, a responsabilidade e os ensinamentos para o futuro.
Mesmo diante das influências externas, o povo Rikbaktsa se orgulha de proteger suas tradições e cerimônias. Contudo, a construção de uma Usina Hidrelétrica (UHE) no rio Arinos colocou o Tutãra sob risco.
Na época, a comunidade questionou veementemente o projeto, temendo o desaparecimento da matéria-prima e, consequentemente, o fim de seus casamentos tradicionais. A mobilização foi fundamental para evitar a construção da usina, garantindo a continuidade de um legado que é, para os Rikbaktsa, a própria essência de sua vida.
"Não deixamos fazer a usina, porque entendemos que se acontecesse ia acabar a matéria-prima, e poderia não existir mais os casamentos tradicionais, que até hoje são preservados. O pessoal coleta bastante e usam muito para fazer essa cerimônia", ressalta Juarez Paimy.
Apesar da importância para a vida cultural e espiritual do povo Rikbaktsa, o ritual do Tutãra ainda não é reconhecido como Patrimônio Imaterial do Brasil. Em Mato Grosso, por exemplo, apenas o ritual Yaokwa do povo Enawene Nawe possui esse registro oficial.
No entanto, o Tutãra é um bem cultural único, que simultaneamente representa patrimônio arqueológico, histórico e cultural. Ele só existe em um ambiente antropicamente construído pelos Rikbaktsa, sendo fruto de saberes singulares que perpassam desde a organização social até seus ritos anuais e formas de casamento. Não há outro povo capaz de produzir e usar o Tutãra da mesma maneira, o que ressalta sua exclusividade e a profunda conexão com a identidade Rikbaktsa.
Para garantir a proteção desse patrimônio imaterial, a Operação Amazônia Nativa (OPAN) desenvolveu o Projeto Tutãra, que foi aprovado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A iniciativa busca valorizar os elementos e modos de fazer centrais na identidade e memória Rikbaktsa, conforme destaca o indigenista Ricardo Carvalho, coordenador do projeto.
O projeto envolve um inventário participativo baseado na mediação, escuta e diálogo com o povo Rikbaktsa sobre a elaboração cultural do Tutãra, além da produção de um vídeo, documentação textual e audiovisual. Todo o trabalho visa gerar conhecimento, salvaguardar os bens culturais e subsidiar políticas públicas para a proteção dessa riqueza cultural.
Quer conhecer mais sobre o Tutãra? Veja o vídeo "Tutãra - Patrimônio Rikbaktsa", que está disponível no YouTube da OPAN no link. Para mais informações sobre o bivalve e sua importância cultural, leia também reportagem da revista Amazônia Nativa e o relatório técnico "Saber, fazer, existir: o povo Rikbaktsa, o tutãra e o rio Tutãra Itsik".
https://amazonianativa.org.br/2025/06/04/tutara-o-colar-sagrado-dos-rikbaktsa-e-o-desafio-da-protecao-cultural/
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