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Educação que navega pelos rios: projeto transforma ensino em comunidades ribeirinhas do Amazonas

08/06/2025

Autor: Vanessa Alcântara

Fonte: A Critica - https://www.acritica.com



Às margens do Parque Nacional de Anavilhanas, onde o som dos pássaros se mistura ao motor das pequenas embarcações que cortam as "ruas fluviais", dona Angelina Dias Teixeira, de 43 anos, observa com orgulho as crianças entrando e saindo da nova sede da escola da comunidade Sobrado, a cerca de 20 quilômetros do município de Novo Airão, no Amazonas.

"A nossa escola foi fundada em 2004, construída pelo prefeito da época. Desde então - eu cheguei aqui em 2015, como secretária da associação - a gente lutava por uma reforma. Os professores também sofriam: eram quatro e não tinham onde ficar. Chegavam na comunidade e ficavam na beira do rio", relembra.

Durante anos, o acesso à educação formal foi um obstáculo para as famílias ribeirinhas do Sobrado e de outras comunidades próximas. Em muitos casos, as crianças precisavam viajar horas de barco ou abandonar os estudos. Onde havia escola, a estrutura era precária: casebres improvisados, sem banheiro, refeitório ou ventilação adequada.


Foi nesse cenário que nasceu o Projeto Educação Ribeirinha: Fortalecimento da Educação Básica nas Comunidades Ribeirinhas de Novo Airão, uma iniciativa da Fundação Almerinda Malaquias (FAM), que há 25 anos promove educação ambiental para crianças e jovens. O projeto prevê a construção de 27 escolas em áreas isoladas do município, além de moradias de apoio para professores. As duas primeiras unidades, nas comunidades Sobrado e Renascer, estão em funcionamento há mais de três anos.

"Em 2021, esse projeto foi inserido para construir novas escolas e também casas de apoio para os professores. Para a nossa comunidade, foi algo grandioso: ganhamos uma escola nova, com mais salas", comemora dona Angelina.

A estrutura física melhorou, mas os desafios continuam. Por conta do calor intenso da região, especialmente nas tardes mais secas e abafadas, as aulas são concentradas no turno da manhã. A medida visa garantir um ambiente minimamente confortável para o aprendizado. Atualmente, cerca de 70 alunos estão divididos em quatro turmas.

"À tarde é muito quente. Nossa região já é quente normalmente, mas depois de agosto e setembro fica terrível", relata. A escola tem ventilação natural, mas, segundo ela, "teria que ter ar-condicionado". Ainda assim, a nova estrutura representa um avanço importante diante das dificuldades do passado.
Com apenas quatro profissionais atuando - um da própria comunidade, dois de Novo Airão e um de Manaus - muitos professores precisam dar aulas fora de sua área de formação para suprir as necessidades básicas dos alunos. Reinventar-se, adaptar-se e manter a qualidade do ensino virou rotina para esses educadores.

Professores que reinventam o ensino
Entre os principais desafios da educação ribeirinha está a escassez de profissionais especializados. Muitos, apesar da formação em uma área específica, precisam assumir diversas disciplinas. É o caso do professor Leonel Santos, que há dois anos leciona para os 8o e 9o anos do Ensino Fundamental na comunidade. Ele mora em Novo Airão e passa a semana na comunidade, longe da família, para garantir o ensino.

"Sou formado e pós-graduado em Biologia, mas também trabalho com Português, Matemática, Geografia e outras disciplinas. Tento, de toda forma, trazer os alunos para dentro da sala de aula. Nestes dois anos, já vi uma melhora significativa no desempenho deles, principalmente nas áreas fora da minha base", explica.

Leonel aposta na construção de vínculos com os estudantes. "Tenho um carinho muito grande por eles. Não me vejo trabalhando com outras séries. Trabalhar com adolescentes é sempre um desafio, mas tento motivá-los, criar engajamento", afirma. Uma das estratégias da equipe docente é adaptar os conteúdos à realidade local, conectando os temas do material didático ao cotidiano da comunidade.

Aulas presenciais e on-line

Outro pilar é a professora Railene Vasconcelos, formada em Pedagogia e pós-graduada em Letramento e Alfabetização. Pela manhã, comanda as turmas do 2o ao 5o ano do Ensino Fundamental; à noite, atua como mediadora das aulas on-line para jovens e adultos, transmitidas por uma antena via satélite instalada no polo tecnológico da escola.

"A maior dificuldade é a internet travando e oscilando", relata. Quando o sinal cai, ela recorre às cartilhas impressas para manter o conteúdo em dia. "A gente se vira, mas o importante é o aluno não ficar sem aula."
Railene destaca que, quando chegou à comunidade, muitas crianças que deveriam estar no 5o ano ainda não sabiam ler e escrever. Com o apoio do projeto, houve um salto no desenvolvimento dessas turmas.

Comunidade Renascer e a identidade preservada
Na vizinha comunidade indígena Renascer, a construção da escola trouxe dignidade à educação das crianças e um sentimento coletivo de conquista. Sônia Clemente Martins, representante local, lembra com orgulho o momento em que a comunidade foi contemplada.

"Nós fomos os primeiros beneficiados pelo projeto. Ficamos muito felizes de ter ganhado um colégio tão bonito", afirma.

Além da educação, o projeto fortaleceu a economia local. Cinco famílias produzem artesanato com fibra de arumã e cipó - como cestos e utilitários - que agora ganham visibilidade graças ao fluxo gerado pela escola. Parte da produção é vendida por meio da Associação dos Artesãos de Novo Airão (AANA).

"A gente trabalha com a AANA por encomenda. Eles revendem nossos produtos", diz Sônia.

Seca e desafios logísticos

A professora Naline dos Santos Cabral, 41 anos, indígena e com 12 anos de atuação em educação, lidera turmas do 2o ao 5o ano. A logística de acesso é um dos maiores desafios enfrentados.

"Durante a cheia, as crianças chegam de voadeira. Mas, quando o rio seca, não tem mais como navegar. Quem ainda consegue vir, vem por terra - caminha longas distâncias. Outros simplesmente não vêm, porque realmente fica difícil", relata.

Outro problema recorrente é a falta de energia elétrica. Com a nova construção, pensada para o contexto amazônico, o cenário mudou: a escola elevada permite a circulação natural do vento e o aprendizado resiste mesmo sem eletricidade constante.

"A escola hoje é climatizada naturalmente, com muita ventilação. Conseguimos trabalhar até mesmo quando não temos energia."
Naline sonha com mais apoio. Espera ver as crianças com fardamento digno e os adolescentes com acesso a cursos técnicos ou de graduação. A escola, construída com participação ativa dos moradores, é vista hoje como um patrimônio da comunidade.

"Foi uma conquista muito grande. Ganhamos uma escola que tem a nossa cara, pensada para a nossa realidade. Os próprios moradores ajudaram a construir e foram remunerados por isso. É o nosso espaço, com a nossa identidade. As pessoas cuidam, zelam. A gente estuda, aprende e volta pra casa diferente, levando algo novo. E isso muda tudo."

Avanços do projeto Educação Ribeirinha
Comunidades atendidas: 23
Escolas construídas e entregues: 9
Casas de apoio ao professor entregues: 9
Escolas e casas em construção: 7
Previstas para 2025/2026: 6

Escolas e casas já entregues: Renascer, Sobrado, Caioé, Tanauaú, Maracacá, Palestina, Lázaro (Parque Nacional do Jaú), Deus me Deus (Resex Baixo Rio Branco), Rio Jauaperi e Cachoeira (Parque Nacional do Jaú).

Em finalização: Tambor (primeira comunidade quilombola do projeto; entrega prevista para julho).

Em construção: Mirituba, Gaspar, Nova Esperança, Nova Aliança, São Cristóvão e Lázaro.

Previstas: Curidiqui, São Pedro, Castanho e Aturiá.

Premiação e reconhecimento nacional

Em março de 2024, o projeto foi reconhecido com o Design Award 2024, na categoria Excelência em Design e Inovação - Arquitetura. A arquitetura das escolas, assinada pelo Ateliê Marko Brajovic, destaca-se pelo conceito sustentável e socioambiental, incorporando elementos culturais das populações ribeirinhas, indígenas e quilombolas da Amazônia.

Investimento e impacto

R$ 1,4 milhão foram investidos no projeto, beneficiando 3.200 pessoas - entre alunos, professores e ribeirinhos - com apoio de 35 doadores.

Formação de educadores

Em parceria com a Secretaria Municipal de Educação (Semed), o projeto também oferece formação continuada aos educadores, com capacitações presenciais e on-line adaptadas à realidade local. Além disso, promove intercâmbios pedagógicos entre professores das comunidades e a equipe técnica da Fundação Almerinda Malaquias (FAM), fortalecendo uma rede de apoio e troca de experiências.

*Repórter viajou com apoio do Mirante do Gavião Amazon Lodge e da Expedição Katerre Ecoturismo.

https://www.acritica.com/geral/educac-o-que-navega-pelos-rios-projeto-transforma-ensino-em-comunidades-ribeirinhas-do-amazonas-1.374724
 

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