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O Governo quer explodir o Pedral do Lourenção, morada dos Cascudos gigantes e do Nego d'Água

13/06/2025

Autor: Catarina Barbosa , Vila Praia Alta

Fonte: Sumauma - https://sumauma.com



Alice Oliveira, de 13 anos, e Esthefany Leal, de 12, nasceram e vivem na Comunidade Vila Praia Alta, às margens do Rio Tocantins, no estado do Pará. Conhecem cada pedaço do território. Sabem que é preciso cuidado para apanhar o Tucunaré, que costuma ficar em lagos formados nos pedrais. Aprenderam que a pesca segue o ritmo da lua e que o melhor lugar para plantar é nas vazantes, as áreas alagadas e férteis que se formam quando o Rio baixa.

Também narram histórias que ouviram dos mais velhos, como a do Nego d'Água - entidade que, dizem, habita as profundezas do Pedral do Lourenção, um conjunto de formações rochosas naquele trecho do Rio Tocantins. É ali que ele aborda os pescadores e pede peixe. Se não dão, bravo, o Nego d'Água vira a embarcação. Alice se empolga ao falar da criatura, mas a voz logo muda de tom. O entusiasmo vira tristeza: "Se fizerem esse projeto mesmo, ele vai ter que procurar outro lugar pra viver. Isso se der tempo". Sua preocupação não se refere apenas à história da entidade narrada por seus antepassados - mas a uma ameaça concreta que ronda sua casa, sua vila, o Rio e seus animais e, em última instância, sua própria existência.

No último dia 26 de maio, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, o Ibama, concedeu a licença de instalação autorizando o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, o DNIT, a iniciar o chamado "derrocamento" do Pedral do Lourenção - uma obra que vai explodir rochas para retirá-las do lugar, deixar o Rio mais largo e mais fundo e permitir a passagem de barcas maiores. Ela é parte do projeto de ampliação da Hidrovia Tocantins-Araguaia, uma rota fluvial que pretende ampliar a capacidade de escoamento da soja que desmata a Amazônia pelos portos do Pará, para que o produto chegue com mais facilidade a outros países.

A decisão do Ibama é questionada. A primeira licença prévia para o conjunto das obras da hidrovia saiu em 2022 e é alvo de contestação do Ministério Público Federal, para quem os impactos ainda não foram completamente avaliados. O MPF, que já havia pedido a anulação da licença prévia, agora contesta também a licença de instalação, por entender que ela fere uma decisão judicial em vigor. Em resposta à primeira ação do MPF, a Justiça não anulou a licença prévia, mas proibiu licenciamentos de outros trechos até que sejam cumpridas algumas exigências ambientais (ver abaixo).

Ao longo dos últimos meses, SUMAÚMA percorreu o Tocantins e visitou o Pedral do Lourenção. Ouviu histórias das múltiplas vidas que habitam o Rio e agora têm sua existência ameaçada.

'Se não tem pedral, não tem peixe'

Na Vila Praia Alta, as crianças aprendem que o pedral herda seu nome de um homem muito valente que viveu por ali, chamado Lourenço. Dizem que ele morreu afogado enquanto tomava banho em uma das cachoeiras. Era chamado de Lourenção - e assim permaneceu, na memória e nas palavras das comunidades. Com o tempo, quando os estudos técnicos começaram a ser realizados na região, o nome do lugar passou a aparecer nos documentos oficiais como Pedral do Lourenço.

Por respeito às comunidades ouvidas para esta reportagem, SUMAÚMA informa a grafia adotada pelas autoridades, mas registra o modo como o território é nomeado por quem o habita: Pedral do Lourenção.

Para os Ribeirinhos, explodir o pedral e alargar o Rio significa a morte de incontáveis vidas. "Se não tem pedral, não tem peixe, nem Camarão, nem Tartaruga, nem nada", diz Alice.

Erlan Moraes do Nascimento, de 30 anos, concorda. Ele lidera a Associação da Comunidade Ribeirinha Extrativista Vila Praia Alta e Pequenos Agricultores Familiares (Acrevpaf) e nasceu na comunidade onde vive até hoje. Seu pai está lá há mais de seis décadas. Erlan é pescador e sustenta a família com o que o Tocantins lhe dá: peixe, terra fértil, paz. "É uma tranquilidade que não tem nem como explicar. Já tive oportunidade de sair, fui até pro Exército, morei nove anos em Marabá. Mas o meu intuito sempre foi voltar."

Na comunidade, planta cupuaçu, mandioca, milho, abacaxi. No verão, cultiva nas vazantes. "A terra fica boa porque o Rio traz muita coisa. Quando a água sai, aí é tempo de plantar. Aprendi com o meu pai."

As notícias sobre a Hidrovia Tocantins-Araguaia têm tirado o sono de Erlan e de seus vizinhos. "As barcaças volta e meia passam aqui. Mês passado uma ficou encalhada aí na frente por quase um mês, cheia de soja. Erraram o canal. Se já é assim agora, imagina depois."

Erlan diz que, para quem conhece o leito do Rio desde menino, a proposta da hidrovia não faz sentido: "No verão tem lugar que o Rio não dá nem 100 metros. E é nesses lugares que a gente pesca. Agora me diz: como é que dizem que não vai atrapalhar? Eles falam de tirar as pedras. Mas as pedras seguram também os bancos de areia. Já imaginou o tamanho do estrago?".

Licenças contestadas

A explosão do pedral é uma das etapas mais contestadas do projeto da hidrovia, pois o lugar é considerado santuário por pescadores, estudiosos e comunidades tradicionais. O DNIT reconhece formalmente apenas 11 comunidades como diretamente afetadas. Mas, segundo lideranças locais, pelo menos 23 vivem da pesca, do extrativismo e da agricultura de subsistência nas áreas que seriam impactadas.

Explodir o pedral é um passo considerado estratégico para a Hidrovia Tocantins-Araguaia, corredor logístico de cerca de 3 mil quilômetros de extensão que conectaria as cidades de Barra do Garças, em Mato Grosso, ou Peixe, no Tocantins, ao Porto de Vila do Conde, em Barcarena, próximo a Belém, no Pará. Hoje os rios são navegáveis, mas não em todos os trechos, pois em alguns não há profundidade suficiente. A explosão permitiria a passagem ininterrupta, inclusive nos meses de estiagem, de barcaças carregadas de grãos e minérios.

A obra vai abrir um canal de 70 a 160 metros de largura na área do Pedral do Lourenço. A licença do Ibama fala em um trecho de 35 quilômetros de extensão a ser dinamitado entre Tucuruí e Marabá, no Pará. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, o DNIT, fala em 43 quilômetros de corredeiras.

Desde 2016, o projeto da Hidrovia Tocantins-Araguaia está incluído no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), criado no governo Michel Temer para acelerar concessões à iniciativa privada. O PPI conferiu à hidrovia o status de "prioridade nacional" e o projeto foi andando.

Em 11 de outubro de 2022, o Ibama concedeu a licença prévia no 676/2022 para o conjunto das obras da Hidrovia Tocantins-Araguaia. Ela inclui 49 condicionantes, segundo o Ministério Público Federal. Para o MPF, não foi cumprida a consulta prévia, livre e informada às comunidades afetadas, direito garantido pela Convenção 169 da OIT. A consulta, no entendimento dos procuradores, precisa ocorrer na fase de planejamento, antes da expedição de qualquer licença. Não foi o que aconteceu.

O MPF afirma ainda que uma decisão judicial reforçou a necessidade do cumprimento das condicionantes. Entre as exigências não atendidas estão, segundo o MPF: estudos aprofundados sobre a fauna aquática da região; análise dos impactos acumulados provocados pela barragem de Tucuruí; e a adoção de medidas concretas para mitigar danos ecológicos e sociais do empreendimento.

O Ministério Público Federal pediu a anulação da licença prévia. Alegou uma série de irregularidades, como ausência de consulta às comunidades tradicionais, precariedade de avaliação ambiental estratégica do conjunto da hidrovia e riscos à biodiversidade, especialmente aos peixes. A região é lar de espécies que os Ribeirinhos chamam de peixes de morada, como os Cascudos, e que podem deixar de existir se essa morada for implodida.

E aqui cabe um parêntese: dias antes de o Ibama emitir a licença de instalação do pedral, o Senado aprovou o projeto de lei que cria a Lei Geral do Licenciamento Ambiental, o PL 2159/2021, que ficou conhecido como PL da Devastação. Se passar na Câmara, ele vai liberar de vez obras como a do Rio Tocantins em um projeto de licenciamento a jato. Se o PL da Devastação já estivesse em vigor, as pedras que sustentam esse trecho do Rio Tocantins já poderiam ter deixado de existir há anos.

Em 4 de julho de 2024, o DNIT avançou, solicitando a licença de instalação somente para o trecho do Pedral do Lourenço. O MPF protesta, pois diz que as condicionantes não foram cumpridas. "As condicionantes não são burocracia. São ferramentas para proteger vidas humanas e não humanas", afirma o procurador da República Rafael Martins, coautor da ação civil pública que pede a anulação da licença prévia. Ele e o também procurador Felício Pontes Júnior sustentam que permitir a continuidade da obra sem o cumprimento dessas obrigações é rasgar a legislação ambiental.

Em 5 de fevereiro de 2025, o juiz José Airton de Aguiar Portela, da 9ª Vara Federal do Pará, proferiu decisão mantendo a licença prévia, mas proibindo a emissão de novas licenças relativas a outros trechos da hidrovia até que Indígenas, Quilombolas e Ribeirinhos sejam consultados e incluídos em programas de compensação, monitoramento pesqueiro e social.

Agora o MPF analisa alternativas jurídicas para dar continuidade à ação que reivindica a suspensão da licença prévia e, consequentemente, da posterior licença de instalação. Na última terça-feira, 10, em uma audiência de conciliação realizada no âmbito da ação movida pelo MPF, ficou definida a realização de uma inspeção judicial técnica na região do Pedral do Lourenço, em data ainda a ser definida.

Os procuradores também alertam sobre uma prática cada vez mais comum em grandes empreendimentos: o fatiamento do licenciamento ambiental. O projeto é apresentado em partes, e os empreendedores vão conseguindo licenças parciais, enquanto o conjunto dos danos nunca é plenamente avaliado. Na avaliação do MPF, essa estratégia embute uma irregularidade original, pois fragmenta os impactos como se não houvesse correlação entre eles. No caso da hidrovia, isso significa seguir com detonação de rochas e escavações antes mesmo de compreender o que pode desaparecer com elas. E a avaliação integral dos impactos ambientais e sociais fica comprometida.

O que dizem o DNIT e o Ibama

Questionado por SUMAÚMA, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes dissociou as obras do pedral do conjunto da hidrovia: "O DNIT não está conduzindo junto ao Ibama o licenciamento da Hidrovia Araguaia-Tocantins. O licenciamento ambiental em curso se refere às obras de Dragagem e Derrocamento na Via Navegável do Rio Tocantins, no trecho específico entre Marabá e Baião, no estado do Pará".

O DNIT afirma ainda ter cumprido as condicionantes da licença prévia. "É crucial entender que, nesta fase, o DNIT cumpriu todas as condicionantes da Licença Prévia (LP) diretamente relacionadas às obras de derrocamento", diz o texto enviado a SUMAÚMA.

O órgão sustenta que apenas 11 das 23 comunidades da região estão na área de influência direta da obra: "Parte das 23 comunidades mencionadas por lideranças locais está situada no Lago de Tucuruí, onde não haverá intervenção direta das obras". A nota, no entanto, ignora o caráter interdependente e sistêmico do Rio e das formas de vida que dele dependem. Tampouco reconhece que a pesca artesanal, a reprodução dos peixes e o modo de vida dos Ribeirinhos dependem justamente dos pedrais que serão removidos.

Procurado por SUMAÚMA em 15 de maio, o Ibama respondeu no dia 22 afirmando que recebeu do DNIT um comunicado declarando o cumprimento das condicionantes, mas mesmo assim solicitou informações complementares. Segundo o Ibama, o processo decisório estava em curso. O órgão reforçou que a licença de instalação é voltada exclusivamente para o derrocamento do Pedral do Lourenço, desconsiderando o projeto da Hidrovia Tocantins-Araguaia: "As informações apresentadas indicam que o projeto no trecho em licenciamento pode operar independentemente do licenciamento de outros trechos. Não há no Ibama informação de que haverá extensão do projeto".

O MPF contesta. Diz que o fato de a licença considerar apenas o impacto das obras do pedral e não do conjunto da hidrovia explicita que as comunidades estão sendo ignoradas no processo, bem como o fato de que "o objetivo final do empreendimento é a implantação da Hidrovia Araguaia-Tocantins".

Sobre o número de comunidades potencialmente impactadas, o Ibama afirmou que não há solicitação formal "de ampliação da área de influência para inclusão de outras comunidades". Já quanto à consulta às comunidades afetadas, o órgão destacou a realização de cinco audiências públicas, alegando saber que elas são diferentes das consultas livres, prévias e informadas exigidas pela OIT. E, mesmo se dizendo disposto a colaborar para cumprir a recomendação da OIT, ressaltou que não é papel do órgão licenciador - no caso, o próprio Ibama - garantir a realização dessas consultas.

Um projeto de muitos governos

O projeto da Hidrovia Tocantins-Araguaia não é obra de um governo só. Vem sendo gestado há mais de três décadas, atravessando administrações de diferentes partidos.

A primeira tentativa de tirar a hidrovia do papel ocorreu ainda nos anos 1990, durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). O projeto voltou à pauta nas gestões petistas e ganhou novo impulso no governo de Dilma Rousseff (PT). No governo de Michel Temer, o então ministro da Integração Nacional, Helder Barbalho (MDB), assinou o contrato para os estudos e projetos do derrocamento do Pedral do Lourenço.

Em abril de 2023, Helder, já governador do Pará, defendeu a hidrovia durante um evento com empresários em Marabá e reforçou a ofensiva no governo federal. O governo federal deve destinar cerca de 1 bilhão de reais, por meio do Novo PAC, para viabilizar o derrocamento do pedral.

No dia 26 de maio de 2025, o governador celebrou em suas redes a licença do Ibama. "Quero festejar esse momento. Acabo de falar com o ministro [dos Transportes] Renan Filho e nos próximos dias nós estaremos juntos em Itupiranga, em toda esta região, para assinar a ordem de serviço do início das obras para retirar as pedras da região do Lourenção e garantir com que o rio possa estar navegável com as barcaças, com as embarcações, com a produção podendo usar os nossos rios."

O Ministério de Portos e Aeroportos, em nota a SUMAÚMA, disse que a hidrovia permanece como prioridade e que "reforça seu compromisso com a legislação ambiental vigente, assegurando que todas as etapas do empreendimento sigam os trâmites legais e técnicos, com diálogo constante junto aos órgãos de controle e fiscalização". Para o ministério, a hidrovia é uma alternativa de transporte "mais sustentável, com menor custo e menor impacto ambiental", e o modal com maior potencial para reduzir a emissão de gases de efeito estufa. Permitiria ainda, segundo o ministério, a redução dos custos e o alívio da infraestrutura rodoviária.

O adeus silencioso de Tartarugas e Peixes de Morada

A professora Cristiane Vieira da Cunha, da Faculdade de Educação do Campo da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), conhece de perto o território do pedral. Em pelo menos dez comunidades na região coordena projetos de monitoramento de pesca e manejo de quelônios, o nome científico para Tartarugas, Cágados e Jabutis. Entre eles, a Tartaruga-da-amazônia e a Tracajá.

As famílias vivem da pesca artesanal, do extrativismo e da agricultura de subsistência - atividades que, na avaliação da professora, nem sequer foram consideradas nos estudos técnicos que embasaram o licenciamento da obra. "O canal de navegação previsto se sobrepõe exatamente às áreas de pesca e às praias de desova de quelônios", explica Cristiane. "Mesmo assim, não há qualquer levantamento in loco sobre a fauna aquática. As referências usadas são secundárias. A experiência dos pescadores, das mulheres que manejam os ninhos, tudo foi ignorado."

Entre 2017 e 2020, o monitoramento registrou 4.977 pescarias e quase 200 toneladas de peixes capturados nas regiões agora sob risco. Nesse período, a receita direta gerada às famílias ultrapassou 670 mil reais. Nos dados levantados pela pesquisa, comunidades como Vila Tauiry, Santo Antonino, Cajazeiras, Pimenteira e Praia Alta aparecem com destaque tanto pelo volume de pescado como pelos recursos gerados. Mas o monitoramento da pesca nessas comunidades está fora do radar oficial.

As famílias colaboram, desde 2017, em um projeto de manejo comunitário de quelônios que, de Marabá ao Lago de Tucuruí, garantiu a devolução de mais de 218 mil filhotes de Tartarugas-da-amazônia e Tracajás ao Rio, onde estarão protegidos dos predadores humanos e naturais.

Estariam protegidos. As praias onde essas espécies desovam também serão afetadas com as obras de derrocamento.

No pedral vive um peixinho de corpo alongado, de cerca de 18 centímetros de comprimento e uma coloração que varia de tons dourados, amarelados a verde metálico. Seus olhos grandes vigiam o entorno com atenção, enquanto a boca voltada para baixo cumpre a rotina de revirar grãos de areia e pequenas pedras em busca de alimento. Seu nome científico, Retroculus lapidifer, informa um de seus hábitos: lapidifer significa "portador de pedras", referência ao comportamento raro de construir com pedrinhas os ninhos onde cuida de sua prole. A espécie é endêmica da bacia Tocantins-Araguaia, ou seja, não existe em nenhuma outra região do mundo, e depende de ambientes bem oxigenados, com fluxo constante de água e fundo pedregoso.

O pesquisador Alberto Akama, professor do Museu Emílio Goeldi, em Belém (PA), explica que alguns peixes dependem exclusivamente dos trechos mais fundos e pedregosos do Tocantins para sobreviver. É o caso do Jaú, um peixe que se abriga entre as pedras; da Pirarara, que busca refúgio entre os rochedos; e de Cascudos-gigantes, como os Acanthicus hystrix e os Pseudacanthicus, que podem chegar a quase 1 metro e vivem exclusivamente abaixo dos 15 metros de profundidade. São espécies que os Ribeirinhos chamam de Peixes de Morada, que vivem no pedral.

Esses animais não migram, não sobem à tona e não têm outra casa possível: se as pedras forem explodidas, eles desaparecerão. São espécies invisíveis para quem nunca mergulhou ali, mas que sustentam a complexidade do ecossistema tocantinense. "Esses peixes não têm como ir pra outro lugar", afirma Akama. "Se tirar essas pedras, eles simplesmente somem. São espécies que ninguém vê, mas que estão ali há milhares de anos." Algumas dessas espécies não foram nem catalogadas - e correm o risco de desaparecer antes mesmo que saibamos seus nomes.

O professor vê com preocupação a concessão da licença. "Ela não oferece garantia alguma para as espécies que vivem ali. As medidas de mitigação são frágeis, quase simbólicas, e, mesmo assim, não se sabe se serão de fato implementadas. As ações de monitoramento propostas estão muito aquém do necessário. A gente precisaria, por exemplo, acompanhar em tempo real o que acontece com a fauna durante as explosões de rocha. Mas isso nem foi cogitado."

Akama também reforça algo que já foi alertado pelo MPF, a falta de consulta prévia, livre e informada às comunidades. "Eu não entro no mérito jurídico, mas conversando com os moradores fica evidente que o processo foi falho. E tem um detalhe técnico de que pouca gente está falando: o DNIT agora afirma que não se trata mais de uma hidrovia, mas de uma 'via navegável'. Isso muda tudo. [Uma hidrovia, segundo definição da própria Agência Nacional de Transportes Aquaviários, exige embarcações padronizadas, sinalização e controle.] Numa via navegável, não há controle: passam quantas balsas quiserem, na hora que quiserem. E ninguém sabe como elas vão operar. Ninguém responde por isso. Essa licença é prematura. Foi mal pensada. E, sinceramente, não parece ter sido emitida com a intenção de preservar o meio ambiente nem as espécies que estão em risco."

Para o DNIT, o Pedral do Lourenço é um gargalo a ser dinamitado. Para o agronegócio, é a chance de transformar o Rio em estrada. Mas para quem vive lá o Pedral do Lourenção é refúgio, sustento e lar. É o lugar onde as Tartarugas-da-amazônia, os Peixes de Morada, as crianças que aprendem a pescar, os velhos que contam lendas e a própria história do Nego d'Água, tudo faz parte da mesma rede de vida. Explodir o pedral é rasgar para sempre esse tecido.

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