From Indigenous Peoples in Brazil
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Violência contra povos tradicionais cresce apesar de queda nos dados oficiais

17/06/2025

Autor: Nicoly Ambrosio

Fonte: Amazonia Real - https://amazoniareal.com.br



Manaus (AM) - O Amazonas registrou uma queda nos casos de crimes ambientais entre 2023 e 2024, mas a violência contra as populações tradicionais continua avançando na região e em todo o País. A contradição está presente do boletim "Além da Floresta: conflitos socioambientais e deserto de informações", divulgado pela Rede de Observatórios da Segurança nesta terça-feira (17/06), a cinco meses para a realização da COP30, o evento global do clima que acontecerá em novembro deste ano em Belém, capital do Pará.

O estudo identificou a ocorrência de 645 crimes ambientais no Amazonas em 2024. O número caiu 31,31% em relação ao ano anterior, quando chegou a 936 casos. Essa foi a segunda maior redução percentual entre os nove Estados monitorados pelo estudo, mas o decréscimo não representa uma melhora concreta na realidade amazonense.

Segundo o estudo, os dados oficiais refletem falta de padronização nos registros de informações e apagamento institucional das comunidades tradicionais. Os números também aprofundam o impacto das ações legais e oficiais, como abertura de estradas, construção de hidrelétricas, desmatamento para pecuária e agronegócios, além da mineração legalizada.

No caso do Amazonas, crimes contra a fauna representaram 58,78% das infrações ambientais. As estatísticas, contudo, dizem pouco sobre o que ocorre nos territórios, devido à falta de registros da violência contra populações indígenas, quilombolas, ribeirinhas e extrativistas nos documentos oficiais. Em Lábrea, o assassinato do trabalhador rural José Jacó Cosotle, em janeiro, expôs a escalada da violência agrária na comunidade Marielle Franco, alvo de grilagem e ataques armados. A área é palco de um violento conflito agrário no sul do Amazonas e faz divisa com o Acre. Os moradores denunciam expulsões, derrubada de barracos e presença de jagunços, muitas vezes sem mandado judicial.

Em agosto de 2020, uma operação da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas na região dos rios Abacaxis e Mari-Mari, entre os municípios de Nova Olinda do Norte e Borba, resultou na morte de dois indígenas Munduruku e quatro ribeirinhos, além de denúncias de tortura e outras violações de direitos humanos. A ação foi deflagrada dias após o então secretário-executivo do Fundo de Promoção Social, Saulo Moysés Rezende Costa, ser baleado durante pesca esportiva ilegal na Terra Indígena Kwatá Laranjal, onde fica o rio Abacaxis. No dia 3 de agosto, homens encapuzados, identificados como policiais militares, invadiram comunidades sob o pretexto de combater o tráfico. Dois PMs foram mortos e, no dia seguinte, 50 agentes retornaram à região. Para a Rede de Observatórios, esse caso simboliza como o aparato estatal age com truculência e impunidade sobre os territórios dos povos originários.

Tayná Boaes, cientista social e pesquisadora do Observatório da Segurança Amazonas, ressalta que, desde o episódio no rio Abacaxis, pouco mudou nas práticas de segurança pública no Estado. Entre 2022 e 2023, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) registrou 2.401 casos de violência contra povos indígenas no Brasil em seu levantamento anual, lançado em 2024. Nos Estados que enviaram dados específicos para a Rede sobre comunidades indígenas, foi registrado um aumento de 15,08% nos crimes sofridos por esses grupos, evidenciando a intensificação da violência.

"As polícias raramente direcionam sua atuação de forma estratégica e, em geral, repetem erros e abusos que marcam o contexto preocupante da chamada guerra às drogas no estado", diz Tayná. Segundo ela, medidas têm sido implementadas sob o discurso de combate ao narcotráfico, com foco em operações ostensivas. "Não há uma política explícita de planejamento para redução da letalidade policial, muito menos o reconhecimento da gravidade de chacinas ocorridas nos últimos anos, como as do rio Abacaxis e de Tabatinga em 2021."

Violência invisível

Em todo o País, foram registrados mais de 41 mil crimes ambientais entre 2023 e 2024, segundo dados oficiais obtidos via Lei de Acesso à Informação junto às Secretarias de Segurança Pública e órgãos correlatos do Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo. Delitos contra a fauna e flora representam 69,54% dos registros. Apesar do número elevado, os pesquisadores consideram que esses dados ainda são insuficientes para se ter garantia do diagnóstico sobre a realidade socioambiental.

Boaes observa que o problema está na conivência do poder público com empreendimentos que impactam territórios tradicionais. "Quando o poder público, de forma empenhada, se alia a projetos que promovem a destruição de ecossistemas inteiros por meio da exploração predatória de recursos naturais, afetando diretamente territórios de povos tradicionais", disse.

A pesquisadora destacou que o monitoramento de crimes ambientais é um processo complexo. Muitas vezes, nem a polícia nem a imprensa conseguem acompanhar o ritmo da devastação, e os dados disponíveis refletem dificuldades na tipificação legal e na categorização desses conflitos. Conforme os dados da sexta edição do Atlas da Notícia, pelo menos 13% da população brasileira ainda vive em cidades onde não há qualquer tipo de cobertura jornalística. Esse vazio informativo se concentra, sobretudo, nas regiões Norte e Nordeste.

Nesta edição do boletim, os pesquisadores também buscaram na mídia relatos sobre conflitos socioambientais, identificando um volume de ocorrências muito aquém do esperado. Entre 2023 e 2024, a imprensa abordou apenas 495 casos, pouco mais de 1% dos crimes reportados pelas Secretarias de Segurança Pública. Entre os outros Estados da Amazônia mapeados pela Rede, Pará e Maranhão concentram quase metade de todos os casos de conflitos socioambientais entre 2023 e 2024, cerca de 242 ocorrências. Os dois Estados lideram em número de crimes de exploração ilegal do patrimônio ambiental, cada um com 28 casos, representando 62,22% do total.

Boaes explica que o trabalho de monitoramento independente feito pela Rede busca suprir justamente essas lacunas institucionais. O acompanhamento considera não apenas os crimes tipificados em lei, mas também conflitos com pano de fundo socioambiental. "Trata-se de um monitoramento sensível, que permite à Rede de Observatórios identificar crimes que possuem evidências, mas não são formalmente reconhecidas pela polícia, possibilitando nomeá-los corretamente, produzindo análises mais precisas sobre o que ocorre na realidade, complementando e contribuindo com os dados oficiais", afirma.

No Maranhão, a realidade é marcada por violência extrema e desinformação. O Estado registrou 43,21% dos casos como de invasão a territórios de povos tradicionais (indígenas, quilombolas, marisqueiras e outros) e 36,84%, de exploração ilegal de madeira. Também foi o que mais concentrou conflitos socioambientais no período analisado pelos pesquisadores, com 132 ocorrências, 26,7% do total monitorado. Parte delas envolve a prática de "banhos de veneno", em que agrotóxicos são pulverizados por aviões sobre áreas habitadas por quilombolas, quebradeiras de coco e camponeses, como estratégia de expulsão de territórios.

Já o Pará, Estado-sede da próxima COP, lidera o ranking de garimpo e mineração ilegal, com 48 registros - quase 70% dos casos do País. Também concentra todos os registros de tráfico de pessoas identificados pela Rede (9 casos).

No limite da impunidade

O relatório também apontou a ameaça do projeto da empresa Potássio do Brasil, que já obteve 21 licenças ambientais junto ao Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), todas sem qualquer consulta prévia ao povo Mura. O projeto de mineração ameaça diretamente as aldeias Lago do Soares e Urucurituba, em Autazes, interior do Amazonas. A aldeia Lago do Soares, situada na bacia do rio Madeira, é a mais impactada, já que a área da mina de potássio se sobrepõe ao seu território.

"O avanço de projetos como a mineração é sintoma de percursos sistemáticos de exploração predatória dos recursos naturais, muitas vezes sustentados por promessas de atender a uma suposta demanda nacional", avalia Tayná Boaes. Ela lembra que, no último ano, o então diretor-presidente do Ipaam, Juliano Valente, foi exonerado após operação da Polícia Federal que investigou a emissão irregular de licenças ambientais, suspensão de multas e autorizações para desmatamento.

A situação se repete em outras áreas críticas do Amazonas, como a Terra Indígena Vale do Javari, situada na fronteira com o Peru, entre os municípios de Atalaia do Norte, Benjamin Constant e São Paulo de Olivença. Na segunda maior terra indígena do Brasil, onde vivem sete povos, os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips expuseram ao mundo a face brutal da violência nas fronteiras amazônicas, impulsionada por redes criminosas transnacionais de pesca ilegal e tráfico de animais.

Caminhos para adiar o fim do mundo

Diante desse cenário, o boletim "Além da Floresta" propõe caminhos urgentes para enfrentar a escalada da violência socioambiental. A Rede defende que é essencial criar órgãos públicos específicos para investigar e acompanhar crimes cometidos contra povos e comunidades tradicionais, uma vez que esses não se enquadram nas categorias comuns da Lei dos Crimes Ambientais e possuem dinâmicas próprias que exigem atenção diferenciada.

Tayná Boaes destaca que o primeiro passo para construir um sistema de dados mais justo seria atualizar os boletins de ocorrência, incluindo campos obrigatórios que identifiquem se a vítima pertence a povos ou comunidades tradicionais. "Outro ponto importante é a adoção de dados abertos que permitam a troca de conhecimento interdisciplinar na produção desses conjuntos de informações", afirma. Para a pesquisadora, é necessário também uma condução mais técnica e o uso de softwares estatísticos capazes de estruturar os dados com códigos alinhados à Lei de Crimes Ambientais.

A Rede defende que as Secretarias de Segurança Pública precisam incluir nas estatísticas oficiais informações sobre a identidade coletiva das vítimas e reconhecer conflitos fundiários e territoriais como elementos centrais dos crimes ambientais. Também é necessário padronizar os dados em nível nacional, para que seja possível comparar realidades entre os estados e construir políticas públicas eficazes.

Por fim, o estudo aponta a importância de escutar as lideranças locais, com atenção especial às mulheres, jovens e guardiões do território, que frequentemente estão na linha de frente da resistência, mas seguem invisibilizados pelas instituições. "Sem dados, não há políticas públicas. Sem políticas públicas, a floresta continuará morrendo. E com ela, quem vive dela e a protege", conclui Silvia Ramos, coordenadora da Rede de Observatórios.

https://amazoniareal.com.br/violencia-contra-povos-tradicionais-cresce-apesar-de-queda-nos-dados-oficiais/
 

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