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Encontro interinstitucional amplia protagonismo da comunidade tradicional de pescadores em Barra de Mamanguape, na Paraíba

22/09/2025

Fonte: MPF - https://www.mpf.mp.br



O Ministério Público Federal (MPF) participou de um encontro com a comunidade tradicional de pescadores da Barra de Mamanguape, no litoral norte da Paraíba, a 62 km da capital. O evento, organizado pela base avançada do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio Mamanguape), localizada dentro do território tradicional, reuniu representantes da Superintendência do Patrimônio da União (SPU) e da Comissão Pastoral dos Pescadores (CPP).

A comunidade sofre pressões pela ausência de políticas públicas adequadas e pelos impactos de ações governamentais e empreendimentos privados, que afetam o abastecimento de água, restringem o acesso a manguezais e praias e intensificam conflitos territoriais.

Durante o encontro, que se estendeu por toda a manhã e a tarde do dia 15 de setembro, foram traçadas estratégias em conjunto para garantir as condições de permanência e sobrevivência da comunidade no próprio território.

A atividade ocorreu em formato participativo, com dinâmicas em grupo e apresentação de propostas, fortalecendo o protagonismo da comunidade na defesa de seus direitos territoriais. Os principais pontos apresentados pela comunidade tradicional durante as discussões refletem suas necessidades urgentes de segurança territorial, garantia de seu modo de vida e interrupção da especulação imobiliária, baseando-se em um histórico de perseguição e exclusão.

Expectativas da comunidade - Na oportunidade, a comunidade tradicional apontou três expectativas prioritárias: a regularização fundiária e a demarcação do território como condição de sobrevivência, diante do avanço da especulação imobiliária. Os pescadores denunciaram que o preço de um terreno na região saltou de R$ 5 mil para R$ 250 mil, o que tem acelerado a expulsão econômica das famílias. Para conter a especulação, eles demonstraram interesse em formalizar o pedido de um termo de autorização de uso sustentável (Taus), considerado um instrumento mais rápido para iniciar a regularização de áreas da União.

Os moradores também pediram a criação de uma lista das famílias que desejam permanecer na Barra, mas não têm onde construir, e a definição de locais para novas moradias. Eles relataram ainda o bloqueio dos acessos ao manguezal e à praia, a perda de uma antiga salina e de uma lagoa de camarão de água doce e a falta de áreas para secagem de peixe, o que compromete atividades tradicionais. Os pescadores também reforçaram o pedido de remoção de cercas que impedem o acesso ao manguezal.

A comunidade ainda pediu a paralisação imediata de obras que avançam sobre o território tradicional. Segundo os pescadores, prédios são erguidos sem fiscalização, enquanto nativos enfrentam proibições até para reformas em suas próprias casas. Também defenderam a criação de um fórum das comunidades e de uma câmara temática de populações tradicionais para garantir representação e participação nas decisões.

MPF explicou situação jurídica - O procurador da República José Godoy apresentou o panorama jurídico das possibilidades de demarcação de territórios de povos e comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas, para que a comunidade pudesse, de maneira consciente e bem informada, decidir o caminho que considerar mais adequado para a regularização de suas terras de uso tradicional.

Em seguida, Godoy apresentou aos participantes, o que chamou de "mosaico" de instrumentos jurídicos disponíveis, detalhando as diferentes ferramentas disponíveis para regularizar cada porção do território tradicional de acordo com a situação legal de cada área, combinando termo de autorização de uso sustentável, para zonas de mar e areia; cessão de direito real de uso (CDRU) para moradias em terras da União, e instrumentos como usucapião, desapropriação ou regularização fundiária urbana (Reurb) para áreas privadas. Também sugeriu que a comunidade avalie a possibilidade de transformar a área de proteção ambiental em reserva extrativista (Resex) ou reserva de desenvolvimento sustentável (RDS), garantindo maior proteção e direitos.

O procurador reforçou que a decisão final cabe exclusivamente à comunidade, que deve refletir sobre o caminho a seguir, e ressaltou a urgência de liberar o acesso ao mangue e à praia, inclusive por meio do direito de passagem previsto no Código Civil. Ele frisou ainda que o mapa de uso elaborado pelos moradores na Plataforma de Territórios Tradicionais do Ministério Público Federal já é referência nacional e deve servir de base para qualquer medida oficial. Godoy afirmou que o MPF está pronto para atuar como parceiro e, se necessário, acionar a Justiça para assegurar a demarcação, considerada essencial para a sobrevivência da comunidade diante da especulação imobiliária.

ICMBio reforça gestão participativa - Durante as discussões, o ICMBio apresentou um conjunto de ações voltadas à reestruturação interna da unidade, à definição de novas estratégias de gestão e à retomada da confiança da comunidade. Um dos pontos centrais foi o enfrentamento da invisibilidade das comunidades tradicionais. O instituto destacou a importância da caracterização das famílias que vivem no território, identificando práticas e modos de vida para construir um perfil detalhado dos beneficiários.
Conforme explicado pela equipe do ICMbio, essa etapa é fundamental porque, hoje, o instrumento interno que permite a indicação para políticas públicas, como o programa Bolsa Verde, existe apenas para categorias como reserva extrativista, reserva de desenvolvimento sustentável ou floresta nacional (Flona), mas não contempla áreas de proteção ambiental (APA).

Para avançar, a gerência regional da autarquia informou que incluiu a APA do Mamanguape em um projeto-piloto de caracterização, que servirá de base para acesso a recursos e políticas. O mapeamento deverá integrar o plano de manejo, principal documento de gestão da unidade, garantindo que o planejamento não entre em conflito com o mapa tradicional da comunidade, informado pela própria comunidade na Plataforma de Territórios Tradicionais do MPF.

SPU explica o Taus - A equipe da Secretaria de Patrimônio da União (SPU) informou à comunidade que 95,5% do território delimitado pelos moradores na Plataforma de Territórios Tradicionais é área federal, abrangendo terrenos de marinha, acrescidos, praias e manguezais. Explicou ainda que o termo de autorização de uso sustentável é o instrumento indicado para iniciar a regularização fundiária, por ser uma alternativa mais ágil, já que dispensa a homologação da linha de demarcação da União.

Os técnicos esclareceram, contudo, que o Taus tem caráter provisório e pode ser revogado caso não sejam cumpridos os requisitos de uso sustentável e preservação ambiental. O termo garante uma proteção mínima e funciona como "porta de entrada" para a regularização definitiva.

A SPU orientou que, para dar andamento ao processo, a comunidade deve formalizar o pedido no Portal SPU (SPU de Todos) e apresentar toda a documentação exigida, destacando a importância de instruir corretamente os documentos para que o procedimento avance com eficiência.

CPP destaca voz da comunidade - A Comissão Pastoral dos Pescadores defendeu a adoção de medidas imediatas para garantir a regularização fundiária e fortalecer a comunidade pesqueira da Barra de Mamanguape. Com experiência acumulada desde 1968 em reservas extrativistas e protocolos de consulta em várias regiões do país, a entidade compartilhou exemplos de Alagoas, Pernambuco e do Projeto Calha Norte, na Amazônia, propondo que o território seja incluído em um projeto-piloto desenvolvido com o Ministério da Pesca e alguma universidade.

Sobre a possibilidade de uso do Taus, cogitada pela comunidade, a CPP apontou a necessidade de que o instrumento contemple o uso múltiplo do território (moradia, áreas de convivência, espaços de produção e toda a faixa marinha e estuarina) e proteja atividades complementares como turismo de base comunitária, culinária local e artesanato. A entidade alertou, porém, para o risco de intervenções de prefeituras em processos de regularização, que podem priorizar projetos de urbanização em detrimento dos pescadores.

Entre as orientações, a CPP destacou a importância do protocolo de consulta, mecanismo que garante o direito da comunidade a ser ouvida em decisões que afetem seu modo de vida, conforme previsto na Convenção 169 da OIT. Reforçou ainda que o plano de manejo da APA precisa refletir fielmente o mapa de uso tradicional elaborado pela própria comunidade, preservando sua identidade já reconhecida como comunidade pesqueira tradicional.

Encaminhamentos - Os participantes pactuaram a realização de novos encontros e a promoção de oficinas e reuniões setoriais ao longo de 2025 e 2026. O ICMBio assumiu uma série de compromissos para atender às demandas da comunidade tradicional da Barra de Mamanguape. Em até 30 dias, o órgão vai avaliar os trâmites necessários para liberar o acesso ao mangue e à praia em áreas da União.

O instituto também marcou para 2026 reuniões de apresentação do plano de manejo e uma oficina, prevista para novembro de 2025, destinada à restituição de dados e à complementação da caracterização das famílias. Em outubro de 2025, representantes do ICMBio participarão de uma reunião com o MPF e a comunidade para discutir um termo de ajustamento de conduta que suspenda autorizações de novas construções.

Além disso, o instituto iniciará um debate interno sobre a criação de uma reserva extrativista ou a recategorização do território e promoverá reunião aberta para explicar o funcionamento desse tipo de unidade. A colônia de pescadores se comprometeu a formalizar junto ao ICMBio a proposta de construção comunitária.

A SPU também se responsabilizou por medidas de acesso ao território. Em 30 dias, vai verificar o instrumento adequado para reabrir as passagens do mangue e avaliar a possibilidade de declarar interesse público para garantir a servidão que permita o acesso à praia, localizada em área particular. A SPU consultará ainda sua unidade central, em Brasília, e o MPF poderá recorrer ao direito de passagem previsto no Código Civil para assegurar a entrada da comunidade.

O MPF garantiu apoio em várias frentes. O órgão reafirmou a importância da paralisação das obras e do combate à especulação imobiliária, considerados essenciais para evitar a expulsão econômica dos moradores. O MPF também disponibilizará o mapa da Plataforma de Territórios Tradicionais com as feições de uso já identificadas.

Recomendações - Em abril de 2025, o MPF emitiu duas recomendações para proteger os direitos e o modo de vida da comunidade tradicional de pescadores de Barra de Mamanguape. A primeira orientando a prefeitura de Rio Tinto e os órgãos ambientais a não concederem licenças ou alvarás que possam impactar a área sem prévia consulta ao MPF. A segunda indicando que a prefeitura e o cartório local se abstenham de praticar atos administrativos ou registrais relacionados à venda, licenciamento, regularização fundiária ou emissão de documentos de imóveis no território tradicional, incluindo a suspensão e revisão de alvarás, registros e autorizações já existentes.

https://www.mpf.mp.br/pb/sala-de-imprensa/noticias-pb/encontro-interinstitucional-amplia-protagonismo-da-comunidade-tradicional-de-pescadores-em-barra-de-mamanguape-na-paraiba
 

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