From Indigenous Peoples in Brazil
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News

Especialista diz que alertou governo há um mês

20/04/2004

Fonte: O Globo, O Pais, p.5



Especialista diz que alertou governo há um mês

Leticia Helena

O governo foi avisado há cerca de um mês que a situação na reserva Roosevelt era extremamente grave e podia culminar num conflito. O aviso partiu do mestre em educação e consultor de direitos humanos Jean-Pierre Leroy, que enviou uma carta à Secretaria-Geral da Presidência, contando que os cintas-largas, sentindo-se acuados por políticos e empresários interessados em extrair diamantes na reserva, podiam tentar alguma forma de resistência. Leroy é autor de um relatório sobre os cintas-largas feito a pedido da ONG Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais (Dhesc Brasil) e entregue no fim de 2003 aos ministérios da Justiça, Minas e Energia e Meio Ambiente e à Secretaria nacional de Direitos Humanos e Funai. Recebeu como resposta que a carta fora repassada ao ministro da Justiça.
O governo ficou discutindo se deveria tomar alguma atitude por meio de uma portaria ou de um decreto, o tempo passou e nada aconteceu. Não foi por falta de aviso diz Leroy, que enviará à ONU denúncia sobre a situação dos cintas-largas. Pedido de urgência para liberar garimpo na área
Na carta, Leroy pedia ao governo urgência para atender à principal reivindicação de seu relatório: liberar provisoriamente o garimpo. Os cintas-largas estão apavorados. As escolas da reserva fecharam, porque os pais proíbem os filhos de sair de casa. Há 40 anos, eles foram vítimas de um genocídio e a memória deste episódio é muito viva diz Leroy, numa referência ao chamado Massacre do Paralelo 11, em 1963, quando uma mineradora lançou dinamite sobre a aldeia, matando centenas de índios. No relatório, Leroy diz ainda que os índios cobravam a apuração do assassinato de cinco cintas-largas.
Não dá para saber exatamente o que aconteceu nesse caso dos garimpeiros, mas os cintas-largas estavam vivendo um momento muito conflituado. Sentem-se abandonados pelo poder público e, ao mesmo tempo, demonstram uma imensa vontade de recuperar sua identidade indígena. O misto de orgulho e desespero pode ter levado a uma situação extremada afirma ele.

Força-tarefa cerca hoje a reserva

Jailton de Carvalho
Enviado especial, PORTO VELHO.

Uma força-tarefa com 400 homens do Exército, da Polícia Federal e de mais 21 instituições deverá cercar hoje a reserva Roosevelt dos índios cintas-largas e intensificar as blitzes nas estradas de acesso às principais cidades do interior de Rondônia. A polícia espera apreender armas ilegais, prender contrabandistas de diamante e pôr um freio à crescente onda de violência na região. Ontem, os 26 corpos dos garimpeiros localizados na sexta-feira foram levados para o Instituto Médico-Legal de Porto Velho. A Polícia Federal decidiu transportar os corpos para Porto Velho numa tentativa de diminuir a pressão dos garimpeiros alojados em Espigão do Oeste, cidade que fica a aproximadamente 100 quilômetros da reserva indígena. A estratégia pode dar certo, mas não por muito tempo. Ontem mesmo, 80 garimpeiros contrataram dois ônibus e seguiram para a capital. Eles querem levar de volta os corpos para Espigão do Oeste para ajudar na identificação dos colegas e fazer um velório coletivo na praça principal da cidade. — Vamos trazer todos para Espigão. É aqui que estão nossos parentes e amigos — afirmou um dos dirigentes do Sindicato dos Garimpeiros de Rondônia, sem se identificar. Despesas foram pagas por assessores do governador Segundo um dos dirigentes do sindicato, as despesas com o transporte e com a alimentação do grupo de garimpeiros que viajou para Porto Velho foram custeadas por auxiliares do governador Ivo Cassol (PSDB), favorável ao garimpo na reserva indígena. A movimentação dos garimpeiros deixou preocupado o coordenador da operação de resgate dos corpos, o delegado da Polícia Federal Mauro Spósito. Ele teme que uma eventual exposição dos caixões em praça pública estimule a revolta e abra caminho para atos de vingança de parentes e amigos dos garimpeiros mortos. — Não podemos deixar que ninguém mais se aproxime da reserva. Senão vai ser outro derramamento de sangue — disse Spósito. O resgate dos corpos no interior da reserva Roosevelt começou ontem pela manhã. Os corpos foram içados em redes num helicóptero e levados até uma pista clandestina na região. Só então foram transportados num avião Caravan da Polícia Federal até uma determinado trecho e, no restante do caminho, foram levados num caminhão. A Polícia Federal usou um helicóptero, um avião e um caminhão para evitar que garimpeiros tentassem acompanhar a operação. A Polícia Federal também continua com as buscas por mais corpos. O sindicato dos garimpeiros fez novos levantamentos e agora afirma que pelo menos mais 20 corpos de vítimas do massacre ainda estão espalhados dentro no interior da reserva dos cintas-largas. Garimpeiros dizem que morreram 49 pessoas Os garimpeiros calculam que pelo 49 colegas foram massacrados a pauladas e a tiros pelos índios. — Eles cortaram braços e arrancaram os olhos dos nossos colegas. Nunca vi tanta crueldade — afirmou uma garimpeira. Amanhã, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e o diretor da Polícia Federal, Paulo Lacerda, estarão em Porto Velho para acompanhar de perto os desdobramentos da crise.
Opinião: Olho nos diamantes O MASSACRE de 29 garimpeiros em Rondônia, quase certamente por índios cintas-largas foi, em primeiro lugar, um crime. E a Constituição, que define os direitos da população indígena — vítima de secular exploração — não lhes concede imunidade para matar quem invade suas terras. RECONHECER OS direitos das tribos, enumerados detalhadamente no artigo 231 da Constituição, não significa uma licença para massacrar invasores. POR OUTRO lado, a lista de culpados pelas mortes — e pela tensão que domina a região — não se esgotaria com o julgamento de assassinos. SEJA COMO for, os grandes problemas da região não se resumem à legalidade da invasão e à brutal resposta dos indígenas. No caso específico da reserva de Rondônia, o “x” da questão está nos diamantes. É FUNDAMENTAL, fora o restabelecimento do primado da lei, uma iniciativa federal para a exploração das jazidas em benefício dos brasileiros de todas as etnias. Caso contrário, índios continuarão em pé de guerra, garimpeiros não mudarão de profissão — e logo os diamantes começarão a desaparecer da reserva para reaparecer, com passaporte falsificado, nos mercados mundiais.

O Globo, 20/04/2004, p. 5
 

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