From Indigenous Peoples in Brazil
News
Garimpeiros foram torturados e mortos a tiros
21/04/2004
Fonte: O Globo, O Pais, p.5
Garimpeiros foram torturados e mortos a tiros
Tensão e Pressão: Representante da Funai diz que índios temiam vingança de sobreviventes do massacre
Legistas de Rondônia dizem que, além de bordunas e flechas, cintas-largas também usaram armas de fogo
PORTO VELHO. Após examinar os restos mortais de 26 dos 29 garimpeiros assassinados na reserva Roosevelt dos índios cintas-largas há duas semanas, o Instituto Médico-Legal de Porto Velho chegou à conclusão de que eles foram executados não apenas com golpes de borduna e flechadas mas também com tiros de armas de calibre ainda não especificado. Muitos levaram pancadas na cabeça quando estavam amarrados, segundo a perícia. Com a ajuda de amigos e parentes, os legistas conseguiram identificar até agora apenas sete corpos.
Os garimpeiros foram mortos com ferimentos provocados por objetos contundentes (bordunas) no crânio e perfuro-contundentes (flechas, facas e armas de fogo). Tudo indica também que muitos foram mortos amarrados disse o legista Cláudio de Paula.
Laudo deve ficar pronto até sábado
O laudo final deve ser divulgado até sábado e enviado à Polícia Federal, que abriu inquérito para apurar as responsabilidades pelo massacre. Apesar da violência constatada pelos peritos, Walter Blos, principal representante da Funai na reserva, disse que os cintas-largas mataram garimpeiros porque temiam serem atacados por eles.
Segundo Blos, a suspeita da vingança surgiu quando dois dos 29 homens detidos pelos índios comentaram que voltariam à reserva para acertar contas com seus algozes. Um cinta-larga, que fala português, escutou a conversa, avisou aos colegas e, imediatamente, um grupo de aproximadamente cem guerreiros executou os prisioneiros.
Eles não sabiam que os índios entendiam muito bem o português. Foi aí que os índios resolveram matar os garimpeiros. Eles queriam defender a integridade deles disse Blos.
Segundo ele, a briga começou no mês passado. Cerca de 300 garimpeiros invadiram uma área isolada da aldeia do cacique Pio e começaram a explorar uma jazida de diamantes sem autorização dos índios. Após longas caçadas, os cintas-largas descobriram casualmente o garimpo.
Parentes depuseram ontem na Polícia Federal
No início da tarde, os garimpeiros que estiveram na reserva e alguns parentes de mortos foram chamados para depor na superintendência da PF. Antes do interrogatório, Antônio José Alves dos Santos, um dos sobreviventes, explicou como fugiu:
Um índio apontou a arma para mim e me mandou ficar quieto. Fui me afastando devagar. Quando ele se virou para ameaçar outro garimpeiro, pulei para trás de uma árvore e corri. O índio ainda deu dois tiros, mas não me acertou.
A fase inicial da identificação dos corpos foi acompanhada por 47 parentes e amigos de garimpeiros. Socorro Malheiros reconheceu o filho, Odair José Malheiros de Souza, de 25 anos, por uma tatuagem em forma de abelha no braço esquerdo. Já uma ponte de metal, em dois dentes da frente, foi o detalhe que ajudou a professora Solange Mariane da Silva Ribeiro a reconhecer o marido, Antônio da Luz Ribeiro, de 38 anos, entre as vítimas do massacre.
GOVERNADOR PEDE INTERVENÇÃO FEDERAL
Cassol diz que, apesar das mortes, garimpo em Rondônia continua ativo
O governador de Rondônia, Ivo Cassol (PSDB), pediu ontem ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva intervenção federal na reserva Roosevelt, onde 29 garimpeiros foram assassinados. Num ofício enviado a Lula, Cassol solicita a presença do Exército na terra dos índios cintas-largas para garantir a proibição do garimpo de diamantes. O governador disse que, apesar do massacre, o garimpo continua funcionando:
Pode ser que, agora, com a chegada da força-tarefa, o trabalho seja interrompido. Mas, em sobrevôos, é possível ver máquinas funcionando e índios e brancos garimpando na reserva contou, por telefone.
Em setembro de 2003, o primeiro aviso
No documento enviado a Lula, o governador lembra que, em setembro de 2003, entregara na Presidência um outro ofício, relatando a gravidade da situação na reserva.
Na época, também avisei ao Ministério da Justiça que, mais dia menos dia, ia acontecer um conflito entre índios e garimpeiros disse Cassol.
Já na ocasião, o governador propunha que a extração de diamantes nas terras indígenas fosse legalizada. Os garimpeiros seriam cadastrados e os diamantes só poderiam ser comprados pela Caixa Econômica Federal.
No documento protocolado ontem na Presidência, Cassol sugere a criação de um grupo de trabalho, com representantes dos ministérios da Justiça, Meio Ambiente, Minas e Energia e Fazenda e do governo estadual, para estudar como seria o garimpo na reserva. Pelo inciso XVI do artigo 49 da Constituição, a atividade somente pode ser autorizada pelo Congresso.
A jazida da reserva é a maior do mundo e os diamantes são considerados os melhores do planeta. É muito dinheiro em jogo. Lógico que isso atrai todo tipo de interesse, inclusive o de quadrilhas. Se o garimpo for legalizado, haverá maior fiscalização afirmou o governador.
Os diamantes de sangue
O Brasil é um dos 60 países signatários do processo de Kimberley, que criou um sistema de certificação, em 2002, com o objetivo de impedir o comércio de diamantes explorados ilegalmente. De acordo com a ONU, essa atividade alimentava o tráfico de armas: guerrilheiros compravam armamento com a venda dos diamantes que exploravam de forma ilegal, o que ajudou na derrubada de vários governos legitimamente estabelecidos no continente africano. Essas pedras ficaram conhecidas como diamantes de conflito ou diamantes de sangue.
A lei que exige certificação para a comercialização de diamantes brutos no Brasil é de outubro de 2003. O Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), órgão ligado ao Ministério das Minas e Energia, publicou portaria no Diário Oficial da União, também em outubro, com os procedimentos para que os produtores de diamante possam obter o Certificado do Processo de Kimberley.
O problema é que a medida deve ter pouco efeito prático na produção nacional, já que 90% da produção saem do país ilegalmente, como é o caso das pedras retiradas da reserva Roosevelt.
As armas que os cintas-largas têm hoje foram fornecidas pelos garimpeiros e madeireiros ilegais diz o professor Artur Moret, da Universidade Federal de Rondônia.
O diretor da ONG Amigos da Terra, Roberto Smeraldi, diz que desde 2002 os ambientalistas pediam ao governo brasileiro a implementação do acordo de Kimberley e a repressão aos garimpos ilegais em áreas indígenas.
Achavam que éramos uns ongueiros exagerados que comparavam a nossa civilizada Rondônia com a barbárie de Angola. Dissemos que os mortos viriam, e agora chegaram.
O problemas da exploração e do comércio ilegais dos diamantes começou a ser discutido no ano 2000 pelos países produtores da pedra no sul da África. O movimento cresceu e hoje inclui 60 países envolvidos na produção, exportação e importação das pedras.
O comércio dos diamantes do conflito resultou em violações brutais dos direitos humanos nas áreas afetadas, pondo em risco as economias de muitos países cujas economias apóiam-se no comércio do diamante, diz o site do processo de Kimberley.
O Globo, 21/04/2004, p.5
Tensão e Pressão: Representante da Funai diz que índios temiam vingança de sobreviventes do massacre
Legistas de Rondônia dizem que, além de bordunas e flechas, cintas-largas também usaram armas de fogo
PORTO VELHO. Após examinar os restos mortais de 26 dos 29 garimpeiros assassinados na reserva Roosevelt dos índios cintas-largas há duas semanas, o Instituto Médico-Legal de Porto Velho chegou à conclusão de que eles foram executados não apenas com golpes de borduna e flechadas mas também com tiros de armas de calibre ainda não especificado. Muitos levaram pancadas na cabeça quando estavam amarrados, segundo a perícia. Com a ajuda de amigos e parentes, os legistas conseguiram identificar até agora apenas sete corpos.
Os garimpeiros foram mortos com ferimentos provocados por objetos contundentes (bordunas) no crânio e perfuro-contundentes (flechas, facas e armas de fogo). Tudo indica também que muitos foram mortos amarrados disse o legista Cláudio de Paula.
Laudo deve ficar pronto até sábado
O laudo final deve ser divulgado até sábado e enviado à Polícia Federal, que abriu inquérito para apurar as responsabilidades pelo massacre. Apesar da violência constatada pelos peritos, Walter Blos, principal representante da Funai na reserva, disse que os cintas-largas mataram garimpeiros porque temiam serem atacados por eles.
Segundo Blos, a suspeita da vingança surgiu quando dois dos 29 homens detidos pelos índios comentaram que voltariam à reserva para acertar contas com seus algozes. Um cinta-larga, que fala português, escutou a conversa, avisou aos colegas e, imediatamente, um grupo de aproximadamente cem guerreiros executou os prisioneiros.
Eles não sabiam que os índios entendiam muito bem o português. Foi aí que os índios resolveram matar os garimpeiros. Eles queriam defender a integridade deles disse Blos.
Segundo ele, a briga começou no mês passado. Cerca de 300 garimpeiros invadiram uma área isolada da aldeia do cacique Pio e começaram a explorar uma jazida de diamantes sem autorização dos índios. Após longas caçadas, os cintas-largas descobriram casualmente o garimpo.
Parentes depuseram ontem na Polícia Federal
No início da tarde, os garimpeiros que estiveram na reserva e alguns parentes de mortos foram chamados para depor na superintendência da PF. Antes do interrogatório, Antônio José Alves dos Santos, um dos sobreviventes, explicou como fugiu:
Um índio apontou a arma para mim e me mandou ficar quieto. Fui me afastando devagar. Quando ele se virou para ameaçar outro garimpeiro, pulei para trás de uma árvore e corri. O índio ainda deu dois tiros, mas não me acertou.
A fase inicial da identificação dos corpos foi acompanhada por 47 parentes e amigos de garimpeiros. Socorro Malheiros reconheceu o filho, Odair José Malheiros de Souza, de 25 anos, por uma tatuagem em forma de abelha no braço esquerdo. Já uma ponte de metal, em dois dentes da frente, foi o detalhe que ajudou a professora Solange Mariane da Silva Ribeiro a reconhecer o marido, Antônio da Luz Ribeiro, de 38 anos, entre as vítimas do massacre.
GOVERNADOR PEDE INTERVENÇÃO FEDERAL
Cassol diz que, apesar das mortes, garimpo em Rondônia continua ativo
O governador de Rondônia, Ivo Cassol (PSDB), pediu ontem ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva intervenção federal na reserva Roosevelt, onde 29 garimpeiros foram assassinados. Num ofício enviado a Lula, Cassol solicita a presença do Exército na terra dos índios cintas-largas para garantir a proibição do garimpo de diamantes. O governador disse que, apesar do massacre, o garimpo continua funcionando:
Pode ser que, agora, com a chegada da força-tarefa, o trabalho seja interrompido. Mas, em sobrevôos, é possível ver máquinas funcionando e índios e brancos garimpando na reserva contou, por telefone.
Em setembro de 2003, o primeiro aviso
No documento enviado a Lula, o governador lembra que, em setembro de 2003, entregara na Presidência um outro ofício, relatando a gravidade da situação na reserva.
Na época, também avisei ao Ministério da Justiça que, mais dia menos dia, ia acontecer um conflito entre índios e garimpeiros disse Cassol.
Já na ocasião, o governador propunha que a extração de diamantes nas terras indígenas fosse legalizada. Os garimpeiros seriam cadastrados e os diamantes só poderiam ser comprados pela Caixa Econômica Federal.
No documento protocolado ontem na Presidência, Cassol sugere a criação de um grupo de trabalho, com representantes dos ministérios da Justiça, Meio Ambiente, Minas e Energia e Fazenda e do governo estadual, para estudar como seria o garimpo na reserva. Pelo inciso XVI do artigo 49 da Constituição, a atividade somente pode ser autorizada pelo Congresso.
A jazida da reserva é a maior do mundo e os diamantes são considerados os melhores do planeta. É muito dinheiro em jogo. Lógico que isso atrai todo tipo de interesse, inclusive o de quadrilhas. Se o garimpo for legalizado, haverá maior fiscalização afirmou o governador.
Os diamantes de sangue
O Brasil é um dos 60 países signatários do processo de Kimberley, que criou um sistema de certificação, em 2002, com o objetivo de impedir o comércio de diamantes explorados ilegalmente. De acordo com a ONU, essa atividade alimentava o tráfico de armas: guerrilheiros compravam armamento com a venda dos diamantes que exploravam de forma ilegal, o que ajudou na derrubada de vários governos legitimamente estabelecidos no continente africano. Essas pedras ficaram conhecidas como diamantes de conflito ou diamantes de sangue.
A lei que exige certificação para a comercialização de diamantes brutos no Brasil é de outubro de 2003. O Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), órgão ligado ao Ministério das Minas e Energia, publicou portaria no Diário Oficial da União, também em outubro, com os procedimentos para que os produtores de diamante possam obter o Certificado do Processo de Kimberley.
O problema é que a medida deve ter pouco efeito prático na produção nacional, já que 90% da produção saem do país ilegalmente, como é o caso das pedras retiradas da reserva Roosevelt.
As armas que os cintas-largas têm hoje foram fornecidas pelos garimpeiros e madeireiros ilegais diz o professor Artur Moret, da Universidade Federal de Rondônia.
O diretor da ONG Amigos da Terra, Roberto Smeraldi, diz que desde 2002 os ambientalistas pediam ao governo brasileiro a implementação do acordo de Kimberley e a repressão aos garimpos ilegais em áreas indígenas.
Achavam que éramos uns ongueiros exagerados que comparavam a nossa civilizada Rondônia com a barbárie de Angola. Dissemos que os mortos viriam, e agora chegaram.
O problemas da exploração e do comércio ilegais dos diamantes começou a ser discutido no ano 2000 pelos países produtores da pedra no sul da África. O movimento cresceu e hoje inclui 60 países envolvidos na produção, exportação e importação das pedras.
O comércio dos diamantes do conflito resultou em violações brutais dos direitos humanos nas áreas afetadas, pondo em risco as economias de muitos países cujas economias apóiam-se no comércio do diamante, diz o site do processo de Kimberley.
O Globo, 21/04/2004, p.5
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