From Indigenous Peoples in Brazil
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News

Guaranis já usam as estratégias do MST

25/01/2004

Fonte: O Globo, O País, p.14



Guaranis já usam as estratégias do MST
Fazendeiros se organizam para tentar uma solução política depois de verem o despejo suspenso na Justiça

Na barraca erguida na entrada da fazenda, guerreiros fazem a vigília, com pinturas ou máscaras de desenhos assustadores. Patrulhas a cavalo percorrem as áreas ocupadas e emissários chegam com suprimentos da aldeia. Um cacique usa celular e mostra estar informado das notícias sobre a ação. Na Fazenda São Jorge, uma das 15 ocupadas na região, os guaranis de Mato Grosso do Sul iniciaram em dezembro um novo tipo de relação com o homem branco: sai de cena o diálogo para dar lugar à ação direta, organizada e radical, numa versão indígena para as ocupações dos sem-terra.

Em sucessivas reuniões realizadas nos últimos anos, os caciques aprovaram uma campanha sem limites pela recuperação da tecoha, como chamam sua terra tradicional. Maior grupo do segundo maior estado em população indígena do país (Mato Grosso do Sul só perde para Amazônia), os guaranis estão decididos a voltar à sua terra depois de cortar cana em usinas de álcool, fazer biscates em casas das cidades ou mendigar e se tornar alcoólatras.

Eles escolheram um lugar estratégico para iniciar esta batalha: o extremo Sul do estado, onde a soja chegou há três anos e, da noite para o dia, fez multiplicar por seis o valor do alqueire. Os fazendeiros tentaram partir para o confronto físico. Não adiantou. Na Justiça, viram a sentença de despejo ser suspensa. Agora, remontam às pressas suas entidades rurais para tentar uma ação política.

Considerados até então uma etnia de pouca força política, os guaranis conseguiram o que poucas tribos tinham feito até então: ocupar 15 propriedades numa área de nove mil hectares sem ferir ninguém. Destruíram as casas ocupadas e ficaram com os pertences de seus donos, mas afirma um dos líderes do movimento, Gumercindo Fernandes, as famílias expulsas tiveram três dias para sair.

Os guaranis explicam que escolheram a região porque seus antepassados contaram que era terra indígena. Estes relatos orais serviram de base para o relatório do antropólogo Fábio Mura, que reconhece o direito guarani aos nove mil alqueires entre os municípios de Japorã e Iguatemi.

Mate dominou a área por 70 anos

Durante 70 anos, entre os séculos XIX e XX, a região foi dominada pela Companhia Matte Larangeiras, que chegou a controlar seis milhões de hectares de terras e empregar centenas de guaranis pagos com comida e banha. Nos anos 40, com o fim do monopólio da erva-mate, o governo Vargas distribuiu terras para colonos gaúchos, catarinenses e paranaenses.

Os forasteiros teriam empurrado os índios para áreas mais distantes onde trabalharam em regime de semi-escravidão. Os guaranis garantem que ainda há rastros de sua presença ali, como cemitérios, mas a certeza vem muito mais dos relatos dos mais velhos.

Os proprietários expulsos acusam os índios de trazer primos do Paraguai. Os índios não negam, mas dizem que se trata de um único povo. Reunindo 45 mil índios no estado, eles garantem que o movimento vai continuar:

- Está prevista a ocupação de mais quatro áreas ainda este ano - diz Gumercindo.


EM BUSCA DAS TERRAS GUARANIS
Relatório de antropólogo confirma que área é dos índios

Em Iguatemi, município do Sul de Mato Grosso do Sul, fronteira do Brasil com o Paraguai, antropólogo é sinônimo de vilão. Esta hostilidade se deve principalmente ao ítalo-argentino Fábio Mura, autor do relatório que indica como área guarani um naco de terra de 9.600 hectares entre Iguatemi e Japorã. Alto e claro, aparentando ter mais que seus 39 anos, ele é tido na aldeia Porto Novo como um dos melhores amigos dos índios entre os homens brancos.

Fábio Mura disse que, em setembro de 2001, foi contratado pela Funai para fazer um estudo sobre as terras guaranis na região com recursos da Unesco. Com um grupo de trabalho, passou 20 dias fazendo um levantamento de campo. Ouviu os índios mais velhos, procurou vestígios dos guaranis e documentos de época. Um dos mais valiosos, segundo ele, foi produzido em 1927 por um funcionário do antigo Serviço de Proteção ao Índio (SIP), que menciona a presença da etnia numa área que vai do córrego Guassari ao Rio Iguatemi, justamente onde estão as 15 fazendas ocupadas.

Ele rebate a idéia de que os guaranis são nômades, razão pela qual nunca teriam se estabelecido na região. Ele diz que o grupo de fato se movimenta muito, mas dentro de um raio de ação, onde percorrem trilhas em visitas a parentes e festas. Mura sorri à pergunta se seria um agitador da causa indígena e diz que tenta cumprir uma missão técnica:

- Se a Constituição reconheceu uma divida histórica do país com a população indígena, que culpa tenho eu? (C.O.)

Um mês de tensão

O ano começou com tensão nas relações com os indígenas no dia 7, duas semanas depois de o governo anunciar a homologação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol. Até o fim do mês, uma onda de protestos deixou Roraima isolada. Manifestantes, entre eles ruralistas e índios contrários à reserva, fecharam pontes e todas as rodovias de acesso à capital, Boa Vista. A sede da Funai na cidade foi invadida por índios Macuxi contrários à demarcação, que também invadiram a Aldeia de Surumu e fizeram reféns dois padres e um missionário. No dia 10 eles desistiram dos bloqueios mas ameaçam com outras formas de protesto.
Em Mato Grosso do Sul, desde 22 de dezembro índios guarani-caiová ocupam áreas nos municípios de Iguatemi e Japorã. Já são quatro mil índios em 14 fazendas. A Justiça ordenou a reintegração de posse mas os índios anunciaram que resistiriam. A Polícia Federal se preparava para cumprir a ordem judicial, que acabou sendo revogada no dia 21, mesmo dia em que, armados e pintados para a guerra, os índios entraram em confronto com fazendeiros. Eles querem a ampliação da reserva de Porto Lindo de 1.600 hectares para 9.400 hectares.
No dia 12, 40 índios pancararu invadiram a Funai de Recife, enfrentando o Batalhão do Choque. Eles tomaram um servidor como refém e a polícia os dispersou com bombas de efeito moral. Eles queriam a readmissão de Gilberto Manoel Freire, chefe do um posto no sertão.

FUNAI: MANIFESTAÇÕES DOS ÍNDIOS SÃO ISOLADAS

'A determinação dos guaranis é forte, eles são prioridade', diz presidente da entidade

O presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, considera as recentes rebeliões indígenas manifestações isoladas. Para ele, os conflitos em Mato Grosso do Sul e Roraima não caracterizam uma situação de descontrole.

- Essas atitudes ocorrem ao longo dos anos. Os guajajaras já fecharam estradas e prenderam e ameaçaram policiais federais. Os xavantes também são muito determinados. Essa movimentação não é nova - disse.

Mércio reconhece que a entidade não tem controle sobre o comportamento dos indígenas e que muitas vezes o governo não consegue dissuadi-los de fazer protesto. Em Roraima, os índios macuxi participaram da maior manifestação do estado contra a homologação da reserva Raposa Serra do Sol. Em Mato Grosso do Sul, os guarani-caiovás ocuparam 15 fazendas.

- Há uma determinação muito forte dos guaranis. Não sabemos de onde vem esse ímpeto, que é real. Mas elegemos esse caso como prioridade em 2004 - disse Mércio.

Para ele, pode estar ocorrendo o esgotamento dos índios com o Estado, que não soluciona com agilidade problemas de demarcação de terra. O Estatuto do Índio tramita no Congresso há 12 anos.

Márcio Santilli, ex-presidente da Funai, acha que os dois casos resultam de processos que se arrastam no tempo:

- Sempre que se volta ao tema, não há a preocupação em recuperar a memória das crises anteriores.

Santilli diz que o governo está longe de decidir sua política indigenista. Para ele, o caso dos guarani-caiovás é mais delicado. Eles formam o mais numeroso grupo guarani, que é a maior entre as mais de 200 etnias que vivem no Brasil:

- São cerca de 30 mil índios, que ocupam 28 terras de pequena extensão em Mato Grosso do Sul, somando cerca de 50 mil hectares. Confinados nessas ilhas, cercados de bois e de soja, estes índios são recordistas em suicídios.

O Globo, 25/01/2004, O País, p.14
 

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