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Índios alertaram Cassol para mortes em garimpo ilegal antes de massacre

12/06/2005

Fonte: OESP, Nacional, p.A12-13



Índios alertaram Cassol para mortes em garimpo ilegal antes de massacre
Vídeo mostra que governador de RO não tentou apaziguar os ânimos e incentivou cacique a continuar garimpagem de diamantes
Nilton Salina Especial para o Estado PORTO VELHO

Uma fita de vídeo em poder da Polícia Federal mostra que o governador de Rondônia, Ivo Cassol (PSDB), foi avisado por dois caciques cintas-largas que haveria mortes no garimpo ilegal de diamantes na Reserva Roosevelt, sete meses antes do massacre de 29 garimpeiros, em 7 de abril de 2004.
As cenas mostram que Cassol não tentou convencer os indígenas a não matar e incentivou os caciques a prosseguir a garimpagem, alegando que no mundo "tudo gira em torno de dinheiro e que é preciso explorar as riquezas". Na gravação feita em uma aldeia, o governador conversa com os caciques Nacoça Pio Cinta-Larga e João Bravo Cinta-Larga.

"Então é por isso que nós tem medo (sic). Não é o medo de entrar (no garimpo)...É o medo de nós morrer, nós matar também. A legalização do garimpo, tem possibilidade?", indaga Nacoça Pio. Cassol diz que sim e explica as vantagens da regularização da atividade ilegal.

Em depoimento à PF após o massacre, o cacique João Bravo Cinta-Larga disse que lideranças da tribo não permitiram que o governador instalasse máquinas para extrair diamantes, por isso Cassol teria retirado os policiais militares responsáveis pela segurança na reserva e incentivado garimpeiros a invadir a terra indígena. A matança aconteceu logo após a invasão.

As primeiras imagens da fita são do governador chegando de helicóptero em uma aldeia. Ele sempre negou à imprensa ter ido ao garimpo e nunca obteve autorização da Funai para isso. Com Cassol está o vereador de Cacoal, Chiquinho da Funai (PSDB), que também negava ter ido até o local.

O governador entra no escritório da Funai e inicialmente incentiva a garimpagem. "Se não andar com as próprias pernas vocês estão enrolado (sic). Se vocês não se organizar (sic), ninguém vai fazer nada pra vocês."

O governador afirma que deseja organizar o garimpo e faz acusações de corrupção à polícia de Rondônia. "Então vocês poderiam explorar... sem tá precisando comprar policial civil... policial militar."

Em seguida conta que no dia anterior estava em Brasília onde discutiu "pesado" com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e aconselha os caciques a autorizar uma reportagem que mostrasse só aspectos positivos da garimpagem, sugerindo que haveria um preço para isso. "Se vocês fossem pagar, ou se eu fosse pagar essa matéria, um milhão não pagaria."

Citando diversas vezes riqueza e jogo de interesses, Cassol fala dos custos que estaria tendo. "Eu tô com uns polícia (sic) aí, só que tem um custo pra isso tudo, eu pago uns 20 mil por mês para esses policiais militares ficarem aqui... e eu tenho que pagar adiantado, senão eles não vêm", alega.

O governador tenta convencer os caciques de que não adianta esperar ajuda do governo federal. "O negócio deles não é nós aqui não, nem vocês. O negócio deles é fazer a conversa do FMI, do Banco Mundial. Quanto mais pobre o Brasil, melhor para os americanos."

Cassol explica o que, a seu ver, seria a solução ideal para os cintas-largas. "Eu quero ajudar vocês. Mas pra mim entrar aqui tem que ter autorização de vocês e do governo federal, porque vocês são tutores do governo federal (sic), da Funai... então o que podemos dizer é: queremos que o governo do Estado nos ajuda (sic)", orienta o governador. Na realidade, o governo federal é que é tutor dos índios.

Mesmo depois da explicação, ainda parece haver dúvidas dos caciques em relação à proposta de Cassol. Os índios querem conversar com alguma autoridade que possa ajudá-los. Nacoça Pio pergunta se o governador conhece algum deputado. Cassol responde: "É o (ministro da Justiça, Márcio) Thomaz Bastos. Eu marco a hora que vocês quiser (sic)... eu vou lá com vocês... mas eles vão enrolar vocês", diz.

Nacoça Pio pede ajuda para que diamantes apreendidos pela Polícia Federal possam ser leiloados e o dinheiro revertido em benefício das aldeias. Chiquinho da Funai faz uma pergunta e dá a resposta, lançando suspeitas sobre a atuação da Polícia Federal. "Sabe por que falaram isso (que era proibido fazer o leilão de diamantes)? Porque não existe mais diamante." O vereador já foi interrogado pela PF sobre seu suposto envolvimento com o contrabando de diamantes da reserva.

Poucos dias após o massacre dos garimpeiros, Cassol disse que os cintas-largas mataram por dinheiro e que até então a PF só havia investigado "lambaris" e não "os peixes graúdos". Também alegou que o crime organizado controla o contrabando de diamantes e o narcotráfico.

Procurada pelo Estado, a Assessoria de Imprensa do governo de Rondônia inicialmente argumentou que poderia não ser Cassol no vídeo.

Informada de que o equipamento usado para a gravação é muito bom, que o governador aparece em close e que a câmera não estava escondida, pediu para se pronunciar no dia seguinte. A resposta foi: "Essa fita não existe. Informado do que consta nela, o governador afirmou que trata-se de algo tão absurdo que nem merece resposta".

Veto a desmatamento maior gerou briga

PESADA: A "discussão pesada" com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, citada pelo governador Ivo Cassol (PSDB) na conversa com os caciques cintas-largas, aconteceu no dia 3 de setembro de 2003, no próprio ministério, e foi amplamente divulgada pela imprensa. Ele se irritou porque o governo federal não aceitou a proposta de ampliar a área permitida para desmatamento em Rondônia de 20% para 50%. O massacre dos 29 garimpeiros na Reserva Roosevelt aconteceu em 7 de abril do ano seguinte, quando guerreiros cintas-largas aprisionaram um grupo extraindo diamantes sem autorização dos caciques. Segundo depoimentos dos acusados, um dos garimpeiros teria dito que depois eles voltariam à reserva armados, para se vingar. Os indígenas entendem português, por isso decidiram executar imediatamente os prisioneiros. Depois disso os caciques passaram meses sem deixar a reserva. A maior parte deles mora em Cacoal, a cerca de 500 quilômetros de Porto Velho.

Doleiro acusa Cassol de permitir contrabando
Prisão de dois contrabandistas levaram a Polícia Federal a suspeitar do governador de Rondônia, em 2004
Nilton Salina


As suspeitas da Polícia Federal sobre o envolvimento do governador de Rondônia, Ivo Cassol (PSDB), na extração ilegal de diamantes começaram em março de 2004 - um mês antes do massacre dos 29 garimpeiros -, quando agentes prenderam em Porto Velho o doleiro Marcos Glikas com aproximadamente mil quilates de pedras extraídas na Reserva Roosevelt.
Glikas já esteve preso nos EUA, acusado de lavagem de dinheiro. Ele entregou à PF fotografias tiradas em reunião no Palácio Presidente Vargas, sede do governo estadual, nas quais aparece ao lado de Cassol. Também disse que tinha permissão do governador para contrabandear diamantes.

A prisão de José Roberto Gonsalez - identificado pela PF como contrabandista de diamantes -, em setembro de 2004, também é outro fato que aponta para o governador. Gonsalez estava no interior da Reserva Roosevelt com um crachá da Companhia de Mineração de Rondônia (CMR), estatal onde o presidente é nomeado por Ivo Cassol. Gonsalez apresentou uma declaração onde a CMR lhe autorizava a representar Rondônia em assuntos comerciais no Brasil e no exterior.

Durante a investigação do massacre dos garimpeiros, depoimentos de caciques cintas-largas à PF também pesam contra o governador. Eles disseram que Cassol foi até a reserva sem autorização da Funai e se comprometeu a construir escolas e passar máquinas nas estradas de acesso às aldeias em troca de autorização para garimpar diamantes.

João Bravo Cinta-Larga disse que recusou a proposta depois de conversar com outros caciques. Com a resposta, os índios disseram que o governador se irritou e ordenou a retirada dos policiais militares e depois incentivou garimpeiros a invadir a reserva. O massacre aconteceu após a invasão.

À imprensa, Cassol sempre negou que tivesse pedido qualquer vantagem aos cintas-largas e que sua intenção sempre foi organizar o garimpo. Ele também negou ligação com Glikas e disse que a CMR não tinha a informação de que Gonsalez contrabandeava diamantes. Cassol alega que havia alertado o governo federal para a possibilidade de um massacre na reserva e se diz autor da denúncia sobre a garimpagem ilegal.


OESP, 12/06/2005, Nacional, p.A12-13
 

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