From Indigenous Peoples in Brazil
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PF investiga contrabando de diamantes
15/11/2004
Fonte: FSP, Brasil, p.A5-A6
PF investiga contrabando de diamantes
Pelo menos oito empresas multinacionais são alvo do inquérito, que apura ações em quatro Estados brasileiros
Elvira Lobato
Enviada especial a Rondônia
A Polícia Federal investiga o envolvimento de empresas estrangeiras de mineração com o contrabando de diamantes em Rondônia, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. Pelo menos oito empresas estão sob investigação. O inquérito foi aberto em julho como conseqüência da operação Rondônia/Mamoré, iniciada no ano passado para apurar indícios de corrupção e de desvio de dinheiro público no Estado.
A primeira empresa intimada foi a Mineração Paraguaçu, que tem como acionista a empresa canadense Vaaldiam Resources. Ela despertou a atenção da PF em maio deste ano, quando transferiu sua sede para o município de Espigão do Oeste (RO), vizinho à reserva Roosevelt, dos índios Cintas Largas, onde 29 garimpeiros foram mortos em abril.
Segundo o delegado Mauro Spósito, coordenador da operação Rondônia/Mamoré, multinacionais se instalaram nas imediações da reserva indígena a pretexto de pesquisar a existência de diamantes, ouro e outros minerais. A PF desconfia que a pesquisa seja apenas fachada para atividades ilegais.
""A suspeita maior é a de que elas façam contrabando de diamante. Não acreditamos que estejam pesquisando", diz o delegado. Segundo ele, um fato comum às empresas investigadas é que elas têm sede em paraísos fiscais.
Spósito trabalha com mais duas hipóteses para explicar o interesse das multinacionais pelas áreas de garimpo: conter a produção para evitar a desvalorização da pedra no mercado internacional e assegurar a prioridade na exploração.
Citando o instituto de pesquisa ""US Geological Survey", o delegado diz que o Brasil aparece com apenas 0,96% da reserva mundial de diamantes nas estatísticas internacionais. ""Por que as empresas estrangeiras gastariam dinheiro para montar uma estrutura aqui, se o potencial fosse tão pequeno?", questiona.
Troca-troca
A Mineração Paraguaçu, segundo consta no inquérito policial, foi constituída em 2001, em Cuiabá (MT), por duas empresas brasileiras: Mineração Santa Elina e MSP Participações.
Em fevereiro do ano passado, a Mineração Santa Elina transferiu sua parte no capital para uma empresa registrada nas Ilhas Virgens Britânicas, paraíso fiscal do Caribe, de nome Santa Elina Mines Corporation. Sete meses depois, as ações foram repassadas para a Vaaldiam, com sede em Ontário, Canadá.
Assim que formalizou sua associação com a Santa Elina, a Vaaldiam anunciou que havia adquirido uma área para prospecção de diamantes de 176 mil hectares adjacente à reserva indígena, em Rondônia.
Com o alvará de pesquisa expedido pelo DNPM (Departamento Nacional da Produção Mineral, do do Ministério das Minas e Energia), ela emitiu ações e captou cerca de US$ 4 milhões no Canadá para financiar o empreendimento em Espigão do Oeste.
Segundo o consultor da Vaaldiam para o projeto, Luiz Bizzi -ex-diretor da CPRM (Companhia de Pesquisas de Recursos Minerais, do Ministério das Minas e Energia)- há mais três ou quatro firmas canadenses pesquisando diamantes nas imediações da reserva Roosevelt, mas ele nega que elas extraiam diamantes ou façam contrabando.
Canadá
As canadenses são as principais investigadas. Segundo especialistas, a legislação fiscal do Canadá estimula a prospecção de diamantes dentro e fora do país. O investimento em ações dessas empresas pode ser descontado do Imposto de Renda a pagar.
Desde 1994, há um crescente interesse de empresas daquele país pelo Brasil. Um estudo encomendado pelo DNPM, no ano passado, retratou o fenômeno.
O DNPM listou 12 empresas que captaram US$ 165 milhões no mercado de ações no Canadá para investir em pesquisa de diamante no Brasil. Os alvarás de pesquisa em poder delas abrangiam 738 mil hectares em 2001. O estudo chama a atenção para um outro fenômeno: os alvarás mudam de mãos com grande freqüência, e o mesmo acontece com o controle da empresas.
O alvará para pesquisa de diamante em Espigão do Oeste em poder da Paraguaçu pertenceu, até o ano passado, à Rio Tinto, uma das maiores mineradoras do mundo. Segundo o advogado da Santa Elina, Augusto Botelho, a Rio Tinto investiu US$ 20 milhões na região, e não chegou a resultado economicamente viável, mas sua cliente entende que deve insistir na busca.
O diretor-geral do DNPM, Miguel Cedraz Nery, entregou à Polícia Federal a relação das 30 empresas e pessoas físicas que obtiveram alvará de pesquisa mineral nos municípios próximos à reserva Roosevelt nos últimos três anos. Segundo Nery, o DNPM não expediu até hoje nenhuma autorização para extração de diamantes nos municípios próximos da reserva indígena. Portanto, toda produção local é ilegal. Na semana passada, a PF desativou um garimpo nas imediações de Espigão do Oeste, fora da reserva.
Outro lado
Empresa nega envolvimento em irregularidade
O geólogo Luiz Augusto Bizzi, consultor da Vaaldiam Resources, negou que a empresa utilize a licença de pesquisa do governo para extrair diamantes nas imediações da reserva indígena Roosevelt. Ele também negou envolvimento com o contrabando de diamantes.
Em entrevista à Folha, o geólogo disse que a Vaaldiam ainda não localizou reserva que possibilite a extração. "As regras para exploração de minerais são definidas, não se faz na base do jeitinho." Segundo ele, a descoberta da jazida de diamantes na reserva indígena mostrou a possibilidade de existir diamante nas áreas contíguas. Afirmou que a Vaaldiam informa o governo sobre suas atividades na região.
"Pelo que estou informado, não há ilegalidade de qualquer natureza ligada à Vaaldiam", afirmou. O geólogo disse conhecer o inquérito aberto pela PF e que entende que ele visa identificar "quem é quem" neste setor. O advogado Augusto Botelho, da Mineração Santa Elina, disse que a empresa fez uma troca de ações com a Vaaldiam e que a operação foi autorizada pelo Banco Central. Segundo Botelho, foi entregue à PF a relação dos profissionais responsáveis pelas duas empresas e cópias das atas relativas às mudanças societárias. Para ele, existem garimpeiros "travestidos" de empresas de mineração, mas este não seria o caso de sua cliente.
O diretor de Fiscalização do DNPM, Walter Arcoverde, disse que é importante atrair investimentos estrangeiros para pesquisas na área mineral. Segundo ele, o governo avançou no combate à extração ilegal e ao contrabando de diamantes.
Para Pio Cinta Larga, envolvimento com hábito urbano é irreversível
Líder cinta-larga afirma que diamante é pior que cocaína
Da enviada especial a Cacoal (RO)
A Polícia Federal está na iminência de concluir o inquérito que vai apontar os autores e os mandantes dos assassinatos de 29 garimpeiros na reserva indígena Roosevelt, ocorridos em abril deste ano. No centro da investigação estão líderes indígenas que teriam autorizado o massacre.
Nacoça Pio Cinta Larga, 45 presumidos, um dos principais líderes dos cintas-largas, diz que os índios estão com medo e são hostilizados pela população branca.
Ele diz que o diamante ""é pior do que cocaína", por causa da extração e do comércio clandestinos, e defende a legalização do garimpo pelo governo federal.
A extração mineral em terras indígenas é proibida pela legislação.
Com português fluente, Pio falou com a Folha no escritório da Funai, em Cacoal, Rondônia.
(ELVIRA LOBATO)
Folha - O diamante foi uma benção ou uma desgraça para os cintas-largas?
Nacoça Pio Cinta Larga - Por um lado é bom, mas por outro trouxe muita coisa ruim. Nós queria que o governo legalizasse, mas, com a morte dos garimpeiros, a população revoltou contra a gente. Um índio foi amarrado [na praça central em Espigão do Oeste, após o massacre, em abril]. A gente ficou com medo também. Hoje o pessoal só critica índio. Metem o pau no índio pelos jornais. Não vêem o que o branco está fazendo lá dentro. Qualquer fazendeiro branco, se um monte de gente trabalhar sem permissão na terra dele, vai fazer igual. O diamante é pior do que cocaína. Não deixam a gente vender, não deixam trabalhar. Não queremos coisa irregular como agora, vender com medo. Estamos tipo bandido.
Folha - Quando o homem branco entrou na reserva pela primeira vez?
Pio Cinta Larga - Nosso primeiro contato com o homem branco foi com garimpeiro. Eu era menino quando chegou o pessoal com peneira.
Folha - O senhor se lembra do primeiro contato?
Pio Cinta Larga - Me lembro. Umas aldeias contavam que tinha branco dando coisas. Nós achava que quando a gente fosse aparecer eles iam matar nós, mas receberam bem nós. Não teve briga nem nada. Eles davam comida pra gente. Em 1972, eu já era rapaz, conheci dinheiro. Perdi meu pai, minha mãe, família, quase tudo. Comecei a se enturmar no meio de branco. Foi onde nós não teve saída para continuar no mato. Aprendi a comer comida de branco. Foi difícil, sabe. Qualquer comida pra mim tinha cheiro forte. Eu aprendi devagarinho.
Fui aprendendo a falar um pouco [o português]. O pessoal falava e não tinha significado. Aí comecei a trabalhar, e a Funai pagou salário [de intérprete].
Folha - É verdade que os cintas-largas se acostumaram com o conforto e não querem viver como antes?
Pio Cinta Larga - Olha, a cultura branca obriga. Não tem como voltar mais. Acostumamos a comer comida temperada. A cultura do branco é muito problemática pro índio. Tem de dar conta da família, tem de dar estudo, tem de pagar conta de luz e água na cidade. Na aldeia, nem tanto, mas quando precisa de alguma coisa é preciso sair para comprar na cidade. Hoje se você entrar numa loja não gasta menos de R$ 100. O índio tem de comprar tudo. Tem de ir ao supermercado, mas na hora de vender o diamante, é proibido. O índio é perseguido. A polícia pega ele se tiver com diamante. Se tiver com muito dinheiro, querem saber onde conseguiu.
Folha - Tem saudade do tempo em que viviam isolados?
Pio Cinta Larga - Não. Estou chegando à idade avançada, estou vivendo o que posso. Estou preocupado em levar crianças para estudar. Hoje, a gente quer defender o que é da gente, defender nossos direitos. Para defender direitos, tem de estudar.
Folha - Quando só conhecia a selva, o índio era mais feliz?
Pio Cinta Larga - Era mais feliz. Não tinha essa preocupação.
Folha - Qual é a produção de diamante dentro da reserva?
Pio Cinta Larga - Depende.
Folha - Uma pedra por dia?
Pio Cinta Larga - Duas, três.
Folha - Os senhores sabem avaliar as pedras?
Pio Cinta Larga - Mais ou menos. Tem um pessoal que trabalha lá e tem noção. (...) O preço varia, depende da cor, se é perfeito ou não. O diamante para indústria varia de US$ 30 a US$ 60 o quilate. O diamante bom [para joalheria] chega a US$ 1.800 o quilate. O preço é calculado em dólar, mas o pagamento é em real.
Folha - O que compraram para as aldeias com o dinheiro?
Pio Cinta Larga - No Roosevelt, onde moro, fizemos a casa de material, pasto, compramos um pouco de gado. Não é como o pessoal de fora diz, que há muito diamante. Tem um ano e pouco que ninguém branco entra lá.
Folha - Como chegam aos compradores, já que é ilegal?
Pio Cinta Larga - Tem pessoas que vão lá, vêem o negócio, e tal. Tem sempre comprador. Quem pagar leva.
Folha - Os compradores que vêm a Rondônia são os mesmos que agem nos demais Estados?
Pio Cinta Larga - Parece que é uma máfia só. Quando um paga um preço, os outros sabem tudo.
Folha - Como eles sabem que foi achado um diamante?
Pio Cinta Larga - Tem muita fofoca. O próprio índio diz.
Folha - Quando um índio acha um diamante valioso ele divide a riqueza com os outros?
Pio Cinta Larga - Os mais velhos dividem, mas os mais jovens, que têm a idéia do branco, não querem nem saber. Uma pedra foi vendida por US$ 7 milhões nos Estados Unidos [ela teria sido comprada por R$ 100 mil dos índios]. Deu no jornal. Quem descobriu não contou para os outros.
Folha - Por que foram mortos os 29 garimpeiros?
Pio Cinta Larga - Eu sei mais ou menos. Tinha um tal de Baiano Doido que comandava os garimpeiros. Falaram que ele ia assaltar, que ia matar [os índios]. O índio descobriu que tinham achado outra grota [com diamante]. Baiano Doido quis ficar só pra ele e disse que ia matar os índios. (...) Aí mataram lá. Eu não estava na aldeia. Isso foi o que a Funai e a Polícia descobriram. Hoje eu vejo que o garimpeiro é um pobre coitado. Entra lá por necessidade.
Folha - O senhor disse à PF, em junho, que o governador de Rondônia pediu participação na produção de diamantes para autorizar a construção de escolas e melhorar a estrada de acesso às aldeias.
Pio Cinta Larga - Nós teve conversa em Rolim [município de Rolim de Moura, RO], no ano passado. Pedimos que ajudasse na estrada. Daí ele falou: tem que ter ajuda da parte de vocês também. Vê 2% aí, e a gente faz estrada. (...).Queremos escola da 1ª à 8ª série. Na aldeia só tem até a 4ª série, e depois é preciso mandar as crianças para a cidade. Aí elas aprendem a beber, a fumar. Isso não queremos. A aldeia fica vazia.
300 garimpeiros ainda estão na reserva Roosevelt
Da enviada especial a Rondônia
Sete meses depois do massacre de 29 garimpeiros dentro da reserva Roosevelt, dos índios Cintas Largas, há risco de que ocorram novas mortes. Cerca de 300 garimpeiros voltaram a trabalhar na extração de diamantes no interior da reserva, segundo informação do Sindicato dos Garimpeiros do Estado de Rondônia e da Prefeitura de Espigão do Oeste, município vizinho à reserva.
A prefeita reeleita Lúcia Tereza Santos (PTB) disse que o garimpo nunca parou, mas que há três semanas aumentou o fluxo de homens na reserva. Os próprios índios, segundo ela, escolhem os garimpeiros. "A situação me preocupa muito. Já vi esse filme antes."
A extração mineral em terra indígena é proibida. (EL)
FSP, 15/11/2004, p. A5-A6
Pelo menos oito empresas multinacionais são alvo do inquérito, que apura ações em quatro Estados brasileiros
Elvira Lobato
Enviada especial a Rondônia
A Polícia Federal investiga o envolvimento de empresas estrangeiras de mineração com o contrabando de diamantes em Rondônia, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. Pelo menos oito empresas estão sob investigação. O inquérito foi aberto em julho como conseqüência da operação Rondônia/Mamoré, iniciada no ano passado para apurar indícios de corrupção e de desvio de dinheiro público no Estado.
A primeira empresa intimada foi a Mineração Paraguaçu, que tem como acionista a empresa canadense Vaaldiam Resources. Ela despertou a atenção da PF em maio deste ano, quando transferiu sua sede para o município de Espigão do Oeste (RO), vizinho à reserva Roosevelt, dos índios Cintas Largas, onde 29 garimpeiros foram mortos em abril.
Segundo o delegado Mauro Spósito, coordenador da operação Rondônia/Mamoré, multinacionais se instalaram nas imediações da reserva indígena a pretexto de pesquisar a existência de diamantes, ouro e outros minerais. A PF desconfia que a pesquisa seja apenas fachada para atividades ilegais.
""A suspeita maior é a de que elas façam contrabando de diamante. Não acreditamos que estejam pesquisando", diz o delegado. Segundo ele, um fato comum às empresas investigadas é que elas têm sede em paraísos fiscais.
Spósito trabalha com mais duas hipóteses para explicar o interesse das multinacionais pelas áreas de garimpo: conter a produção para evitar a desvalorização da pedra no mercado internacional e assegurar a prioridade na exploração.
Citando o instituto de pesquisa ""US Geological Survey", o delegado diz que o Brasil aparece com apenas 0,96% da reserva mundial de diamantes nas estatísticas internacionais. ""Por que as empresas estrangeiras gastariam dinheiro para montar uma estrutura aqui, se o potencial fosse tão pequeno?", questiona.
Troca-troca
A Mineração Paraguaçu, segundo consta no inquérito policial, foi constituída em 2001, em Cuiabá (MT), por duas empresas brasileiras: Mineração Santa Elina e MSP Participações.
Em fevereiro do ano passado, a Mineração Santa Elina transferiu sua parte no capital para uma empresa registrada nas Ilhas Virgens Britânicas, paraíso fiscal do Caribe, de nome Santa Elina Mines Corporation. Sete meses depois, as ações foram repassadas para a Vaaldiam, com sede em Ontário, Canadá.
Assim que formalizou sua associação com a Santa Elina, a Vaaldiam anunciou que havia adquirido uma área para prospecção de diamantes de 176 mil hectares adjacente à reserva indígena, em Rondônia.
Com o alvará de pesquisa expedido pelo DNPM (Departamento Nacional da Produção Mineral, do do Ministério das Minas e Energia), ela emitiu ações e captou cerca de US$ 4 milhões no Canadá para financiar o empreendimento em Espigão do Oeste.
Segundo o consultor da Vaaldiam para o projeto, Luiz Bizzi -ex-diretor da CPRM (Companhia de Pesquisas de Recursos Minerais, do Ministério das Minas e Energia)- há mais três ou quatro firmas canadenses pesquisando diamantes nas imediações da reserva Roosevelt, mas ele nega que elas extraiam diamantes ou façam contrabando.
Canadá
As canadenses são as principais investigadas. Segundo especialistas, a legislação fiscal do Canadá estimula a prospecção de diamantes dentro e fora do país. O investimento em ações dessas empresas pode ser descontado do Imposto de Renda a pagar.
Desde 1994, há um crescente interesse de empresas daquele país pelo Brasil. Um estudo encomendado pelo DNPM, no ano passado, retratou o fenômeno.
O DNPM listou 12 empresas que captaram US$ 165 milhões no mercado de ações no Canadá para investir em pesquisa de diamante no Brasil. Os alvarás de pesquisa em poder delas abrangiam 738 mil hectares em 2001. O estudo chama a atenção para um outro fenômeno: os alvarás mudam de mãos com grande freqüência, e o mesmo acontece com o controle da empresas.
O alvará para pesquisa de diamante em Espigão do Oeste em poder da Paraguaçu pertenceu, até o ano passado, à Rio Tinto, uma das maiores mineradoras do mundo. Segundo o advogado da Santa Elina, Augusto Botelho, a Rio Tinto investiu US$ 20 milhões na região, e não chegou a resultado economicamente viável, mas sua cliente entende que deve insistir na busca.
O diretor-geral do DNPM, Miguel Cedraz Nery, entregou à Polícia Federal a relação das 30 empresas e pessoas físicas que obtiveram alvará de pesquisa mineral nos municípios próximos à reserva Roosevelt nos últimos três anos. Segundo Nery, o DNPM não expediu até hoje nenhuma autorização para extração de diamantes nos municípios próximos da reserva indígena. Portanto, toda produção local é ilegal. Na semana passada, a PF desativou um garimpo nas imediações de Espigão do Oeste, fora da reserva.
Outro lado
Empresa nega envolvimento em irregularidade
O geólogo Luiz Augusto Bizzi, consultor da Vaaldiam Resources, negou que a empresa utilize a licença de pesquisa do governo para extrair diamantes nas imediações da reserva indígena Roosevelt. Ele também negou envolvimento com o contrabando de diamantes.
Em entrevista à Folha, o geólogo disse que a Vaaldiam ainda não localizou reserva que possibilite a extração. "As regras para exploração de minerais são definidas, não se faz na base do jeitinho." Segundo ele, a descoberta da jazida de diamantes na reserva indígena mostrou a possibilidade de existir diamante nas áreas contíguas. Afirmou que a Vaaldiam informa o governo sobre suas atividades na região.
"Pelo que estou informado, não há ilegalidade de qualquer natureza ligada à Vaaldiam", afirmou. O geólogo disse conhecer o inquérito aberto pela PF e que entende que ele visa identificar "quem é quem" neste setor. O advogado Augusto Botelho, da Mineração Santa Elina, disse que a empresa fez uma troca de ações com a Vaaldiam e que a operação foi autorizada pelo Banco Central. Segundo Botelho, foi entregue à PF a relação dos profissionais responsáveis pelas duas empresas e cópias das atas relativas às mudanças societárias. Para ele, existem garimpeiros "travestidos" de empresas de mineração, mas este não seria o caso de sua cliente.
O diretor de Fiscalização do DNPM, Walter Arcoverde, disse que é importante atrair investimentos estrangeiros para pesquisas na área mineral. Segundo ele, o governo avançou no combate à extração ilegal e ao contrabando de diamantes.
Para Pio Cinta Larga, envolvimento com hábito urbano é irreversível
Líder cinta-larga afirma que diamante é pior que cocaína
Da enviada especial a Cacoal (RO)
A Polícia Federal está na iminência de concluir o inquérito que vai apontar os autores e os mandantes dos assassinatos de 29 garimpeiros na reserva indígena Roosevelt, ocorridos em abril deste ano. No centro da investigação estão líderes indígenas que teriam autorizado o massacre.
Nacoça Pio Cinta Larga, 45 presumidos, um dos principais líderes dos cintas-largas, diz que os índios estão com medo e são hostilizados pela população branca.
Ele diz que o diamante ""é pior do que cocaína", por causa da extração e do comércio clandestinos, e defende a legalização do garimpo pelo governo federal.
A extração mineral em terras indígenas é proibida pela legislação.
Com português fluente, Pio falou com a Folha no escritório da Funai, em Cacoal, Rondônia.
(ELVIRA LOBATO)
Folha - O diamante foi uma benção ou uma desgraça para os cintas-largas?
Nacoça Pio Cinta Larga - Por um lado é bom, mas por outro trouxe muita coisa ruim. Nós queria que o governo legalizasse, mas, com a morte dos garimpeiros, a população revoltou contra a gente. Um índio foi amarrado [na praça central em Espigão do Oeste, após o massacre, em abril]. A gente ficou com medo também. Hoje o pessoal só critica índio. Metem o pau no índio pelos jornais. Não vêem o que o branco está fazendo lá dentro. Qualquer fazendeiro branco, se um monte de gente trabalhar sem permissão na terra dele, vai fazer igual. O diamante é pior do que cocaína. Não deixam a gente vender, não deixam trabalhar. Não queremos coisa irregular como agora, vender com medo. Estamos tipo bandido.
Folha - Quando o homem branco entrou na reserva pela primeira vez?
Pio Cinta Larga - Nosso primeiro contato com o homem branco foi com garimpeiro. Eu era menino quando chegou o pessoal com peneira.
Folha - O senhor se lembra do primeiro contato?
Pio Cinta Larga - Me lembro. Umas aldeias contavam que tinha branco dando coisas. Nós achava que quando a gente fosse aparecer eles iam matar nós, mas receberam bem nós. Não teve briga nem nada. Eles davam comida pra gente. Em 1972, eu já era rapaz, conheci dinheiro. Perdi meu pai, minha mãe, família, quase tudo. Comecei a se enturmar no meio de branco. Foi onde nós não teve saída para continuar no mato. Aprendi a comer comida de branco. Foi difícil, sabe. Qualquer comida pra mim tinha cheiro forte. Eu aprendi devagarinho.
Fui aprendendo a falar um pouco [o português]. O pessoal falava e não tinha significado. Aí comecei a trabalhar, e a Funai pagou salário [de intérprete].
Folha - É verdade que os cintas-largas se acostumaram com o conforto e não querem viver como antes?
Pio Cinta Larga - Olha, a cultura branca obriga. Não tem como voltar mais. Acostumamos a comer comida temperada. A cultura do branco é muito problemática pro índio. Tem de dar conta da família, tem de dar estudo, tem de pagar conta de luz e água na cidade. Na aldeia, nem tanto, mas quando precisa de alguma coisa é preciso sair para comprar na cidade. Hoje se você entrar numa loja não gasta menos de R$ 100. O índio tem de comprar tudo. Tem de ir ao supermercado, mas na hora de vender o diamante, é proibido. O índio é perseguido. A polícia pega ele se tiver com diamante. Se tiver com muito dinheiro, querem saber onde conseguiu.
Folha - Tem saudade do tempo em que viviam isolados?
Pio Cinta Larga - Não. Estou chegando à idade avançada, estou vivendo o que posso. Estou preocupado em levar crianças para estudar. Hoje, a gente quer defender o que é da gente, defender nossos direitos. Para defender direitos, tem de estudar.
Folha - Quando só conhecia a selva, o índio era mais feliz?
Pio Cinta Larga - Era mais feliz. Não tinha essa preocupação.
Folha - Qual é a produção de diamante dentro da reserva?
Pio Cinta Larga - Depende.
Folha - Uma pedra por dia?
Pio Cinta Larga - Duas, três.
Folha - Os senhores sabem avaliar as pedras?
Pio Cinta Larga - Mais ou menos. Tem um pessoal que trabalha lá e tem noção. (...) O preço varia, depende da cor, se é perfeito ou não. O diamante para indústria varia de US$ 30 a US$ 60 o quilate. O diamante bom [para joalheria] chega a US$ 1.800 o quilate. O preço é calculado em dólar, mas o pagamento é em real.
Folha - O que compraram para as aldeias com o dinheiro?
Pio Cinta Larga - No Roosevelt, onde moro, fizemos a casa de material, pasto, compramos um pouco de gado. Não é como o pessoal de fora diz, que há muito diamante. Tem um ano e pouco que ninguém branco entra lá.
Folha - Como chegam aos compradores, já que é ilegal?
Pio Cinta Larga - Tem pessoas que vão lá, vêem o negócio, e tal. Tem sempre comprador. Quem pagar leva.
Folha - Os compradores que vêm a Rondônia são os mesmos que agem nos demais Estados?
Pio Cinta Larga - Parece que é uma máfia só. Quando um paga um preço, os outros sabem tudo.
Folha - Como eles sabem que foi achado um diamante?
Pio Cinta Larga - Tem muita fofoca. O próprio índio diz.
Folha - Quando um índio acha um diamante valioso ele divide a riqueza com os outros?
Pio Cinta Larga - Os mais velhos dividem, mas os mais jovens, que têm a idéia do branco, não querem nem saber. Uma pedra foi vendida por US$ 7 milhões nos Estados Unidos [ela teria sido comprada por R$ 100 mil dos índios]. Deu no jornal. Quem descobriu não contou para os outros.
Folha - Por que foram mortos os 29 garimpeiros?
Pio Cinta Larga - Eu sei mais ou menos. Tinha um tal de Baiano Doido que comandava os garimpeiros. Falaram que ele ia assaltar, que ia matar [os índios]. O índio descobriu que tinham achado outra grota [com diamante]. Baiano Doido quis ficar só pra ele e disse que ia matar os índios. (...) Aí mataram lá. Eu não estava na aldeia. Isso foi o que a Funai e a Polícia descobriram. Hoje eu vejo que o garimpeiro é um pobre coitado. Entra lá por necessidade.
Folha - O senhor disse à PF, em junho, que o governador de Rondônia pediu participação na produção de diamantes para autorizar a construção de escolas e melhorar a estrada de acesso às aldeias.
Pio Cinta Larga - Nós teve conversa em Rolim [município de Rolim de Moura, RO], no ano passado. Pedimos que ajudasse na estrada. Daí ele falou: tem que ter ajuda da parte de vocês também. Vê 2% aí, e a gente faz estrada. (...).Queremos escola da 1ª à 8ª série. Na aldeia só tem até a 4ª série, e depois é preciso mandar as crianças para a cidade. Aí elas aprendem a beber, a fumar. Isso não queremos. A aldeia fica vazia.
300 garimpeiros ainda estão na reserva Roosevelt
Da enviada especial a Rondônia
Sete meses depois do massacre de 29 garimpeiros dentro da reserva Roosevelt, dos índios Cintas Largas, há risco de que ocorram novas mortes. Cerca de 300 garimpeiros voltaram a trabalhar na extração de diamantes no interior da reserva, segundo informação do Sindicato dos Garimpeiros do Estado de Rondônia e da Prefeitura de Espigão do Oeste, município vizinho à reserva.
A prefeita reeleita Lúcia Tereza Santos (PTB) disse que o garimpo nunca parou, mas que há três semanas aumentou o fluxo de homens na reserva. Os próprios índios, segundo ela, escolhem os garimpeiros. "A situação me preocupa muito. Já vi esse filme antes."
A extração mineral em terra indígena é proibida. (EL)
FSP, 15/11/2004, p. A5-A6
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