From Indigenous Peoples in Brazil
News
Policiais federais traziam armas sem registro
28/04/2004
Fonte: O Globo, O Pais, p.8
Policiais federais traziam armas sem registro
Rodrigo Rangel
O cacique Pio Cinta-Larga, um dos chefes da reserva Roosevelt, em Rondônia, disse ontem que policiais federais forneceram armas ilegais para os índios se protegerem das invasões de garimpeiros interessados em explorar as jazidas de diamantes. As armas foram vendidas aos índios em 2002, quando o garimpo foi fechado numa operação da própria PF. Pio disse que só na aldeia dele, que tem 40 índios, a extração de diamantes rende de R$ 70 mil a R$ 110 mil por quinzena. Segundo ele, os caciques decidiram suspender a garimpagem esta semana devido às dificuldades impostas por operação da PF para impedir a exploração irregular das jazidas. A PF não respondeu às acusações do cacique. O que motivou o ataque contra os garimpeiros? CACIQUE PIO CINTA-LARGA: Eu não estava na hora, estava indo para Porto Velho, mas sabia que tinha invasor lá. Nós, líderes, falamos que era para pegar o pessoal e entregar à Funai. E realmente o pessoal pegou e estava vindo com os garimpeiros na picada para entregar à polícia e à Funai. Nisso, tinha um garimpeiro chamado Baiano Doido que ficava ameaçando os índios, entrava escondido na reserva e falava que ia matar os índios na tocaia. Os índios ficaram sabendo e falaram: Já que estão ameaçando dentro da área da gente, vamos matar eles. Aí aconteceu isso. Os guerreiros ficaram com raiva porque prendiam os garimpeiros e entregavam à Funai, à polícia e à Justiça do branco e ninguém estava fazendo nada. Eles não tinham paciência de ficar entregando e na mesma hora os caras estarem voltando e ameaçando. Por que os índios suspenderam a extração de diamantes na reserva? PIO: Nós temos de conversar com o governo. Não adianta ficar trabalhando e ser perseguido. A gente não pode sair com nada. Tem essa operação próxima da área e eles (os policiais) estão tirando até a roupa dos índios, mexendo em tudo. O que adianta trabalhar para querer manter a comunidade e ser perseguido, tipo bandido? Até essa decisão de suspender o garimpo, a venda de diamantes rendia quanto? PIO: Não posso dizer o total porque não sou só eu que controlo. Tem outros caciques. A gente não fez o levantamento. Mas só a parte da aldeia do senhor dava quanto? PIO: Eu posso dizer que dava R$ 70 mil, R$ 110 mil por venda. Depende da qualidade e da produção. Não tem quantidade certa. E essas vendas acontecem com que freqüência? Por semana são quantas? PIO: Não tem por semana. É de 15 em 15 dias. A venda é feita para quem? PIO: Para quem pagar mais. O compradores vão até a aldeia? PIO: Não. A gente ia lá fora. Isso que estão dizendo que contrabandista ia na aldeia trocar diamante por arma é mentira. Há a possibilidade de a Justiça decretar a prisão do senhor e de outros cintas-largas. PIO: Eles estão se precipitando. Não conversam com os índios. Não procuram saber. Acho que tem que conversar mais para ver quem é culpado. Porque o garimpeiro vai lá e diz que fulano fez isso ou aquilo, e o juiz dá a prisão preventiva sem saber. Pode haver mais corpos dentro da reserva? PIO: Isso eu não garanto porque os índios não falaram mais nada. Tem fofoca de que tem mais corpos. Mas eu não acredito que foram os índios. Hoje mesmo falei para o pessoal da Funai para chamar essas pessoas que estão falando e levar lá, para ver se tem ou não. Há informações de que os índios têm fuzis AR-15, pistolas automáticas... PIO: Isso é conversa fiada. Não existe. E as armas que estão lá, chegaram como? PIO: Eu mesmo não sei como chegou arma na mão do João (Bravo). João falou que foi algum agente de Polícia Federal que trouxe diretamente de São Paulo. Eu posso estar enganado. O João falou só isso. O senhor está falando do cacique João Bravo? É ele quem tem as armas? PIO: Ele tinha, mas já devolveu. Quais eram as armas? PIO: O João é quem sabe. Ele mora numa aldeia e eu moro em outra. Não posso ver tudo o que acontece lá dentro. O senhor disse que a Polícia Federal levou essas armas? PIO: Na época que fecharam o garimpo, o pessoal estava ameaçando os índios, dizendo que se não abrisse o garimpo iam matar a gente. Aí a Polícia Federal falou para algum filho do João que trazia armas de São Paulo, sem registro, sem nada. Talvez aconteceu assim. Mas eu não tenho participação nessa negociação de arma. Sabe-se que os cintas-largas têm muito dinheiro... PIO: Nós estamos devendo. É conserto de carro, peça, compra. Eu fico meio chateado porque o pessoal fala que a gente é rico. Se soubéssemos trabalhar antes, poderíamos até ser. Mas por enquanto, não. Por enquanto, estamos no vermelho. É verdade que o senhor tem vários carros? PIO: Só um Gol que eu comprei num consórcio. Entrei no consórcio em 1999. Eu tinha também uma Toyota, mas dei para a comunidade. E aquelas caminhonetes importadas na aldeia? PIO: Aquilo lá é da comunidade. A gente não considera assim, é meu. É da comunidade. E quem cuida do dinheiro da venda dos diamantes? PIO: Cada cacique cuida. E os demais índios, ganham também parte desse dinheiro? PIO: Se eles estiverem trabalhando, ganham. O senhor tem conta em banco? Quanto tem na conta? PIO: Tenho mas está zerado (risos). Se tivesse dinheiro eu mostrava. E onde está o dinheiro dos diamantes? PIO: O que nós ganhamos dá para pagar o que a gente faz lá dentro. Paga funcionários, recupera estradas, faz casa, compra mercadoria, gado. Se os garimpeiros entrarem de novo na reserva, o que vocês vão fazer? PIO: Como aconteceram essas mortes, o pessoal só critica a gente. Queremos pegar os caras, deixar na aldeia e chamar os repórteres. Não vão matar de novo, então? PIO: Só se teimarem.
O Globo, 28/04/2004, p. 8
Rodrigo Rangel
O cacique Pio Cinta-Larga, um dos chefes da reserva Roosevelt, em Rondônia, disse ontem que policiais federais forneceram armas ilegais para os índios se protegerem das invasões de garimpeiros interessados em explorar as jazidas de diamantes. As armas foram vendidas aos índios em 2002, quando o garimpo foi fechado numa operação da própria PF. Pio disse que só na aldeia dele, que tem 40 índios, a extração de diamantes rende de R$ 70 mil a R$ 110 mil por quinzena. Segundo ele, os caciques decidiram suspender a garimpagem esta semana devido às dificuldades impostas por operação da PF para impedir a exploração irregular das jazidas. A PF não respondeu às acusações do cacique. O que motivou o ataque contra os garimpeiros? CACIQUE PIO CINTA-LARGA: Eu não estava na hora, estava indo para Porto Velho, mas sabia que tinha invasor lá. Nós, líderes, falamos que era para pegar o pessoal e entregar à Funai. E realmente o pessoal pegou e estava vindo com os garimpeiros na picada para entregar à polícia e à Funai. Nisso, tinha um garimpeiro chamado Baiano Doido que ficava ameaçando os índios, entrava escondido na reserva e falava que ia matar os índios na tocaia. Os índios ficaram sabendo e falaram: Já que estão ameaçando dentro da área da gente, vamos matar eles. Aí aconteceu isso. Os guerreiros ficaram com raiva porque prendiam os garimpeiros e entregavam à Funai, à polícia e à Justiça do branco e ninguém estava fazendo nada. Eles não tinham paciência de ficar entregando e na mesma hora os caras estarem voltando e ameaçando. Por que os índios suspenderam a extração de diamantes na reserva? PIO: Nós temos de conversar com o governo. Não adianta ficar trabalhando e ser perseguido. A gente não pode sair com nada. Tem essa operação próxima da área e eles (os policiais) estão tirando até a roupa dos índios, mexendo em tudo. O que adianta trabalhar para querer manter a comunidade e ser perseguido, tipo bandido? Até essa decisão de suspender o garimpo, a venda de diamantes rendia quanto? PIO: Não posso dizer o total porque não sou só eu que controlo. Tem outros caciques. A gente não fez o levantamento. Mas só a parte da aldeia do senhor dava quanto? PIO: Eu posso dizer que dava R$ 70 mil, R$ 110 mil por venda. Depende da qualidade e da produção. Não tem quantidade certa. E essas vendas acontecem com que freqüência? Por semana são quantas? PIO: Não tem por semana. É de 15 em 15 dias. A venda é feita para quem? PIO: Para quem pagar mais. O compradores vão até a aldeia? PIO: Não. A gente ia lá fora. Isso que estão dizendo que contrabandista ia na aldeia trocar diamante por arma é mentira. Há a possibilidade de a Justiça decretar a prisão do senhor e de outros cintas-largas. PIO: Eles estão se precipitando. Não conversam com os índios. Não procuram saber. Acho que tem que conversar mais para ver quem é culpado. Porque o garimpeiro vai lá e diz que fulano fez isso ou aquilo, e o juiz dá a prisão preventiva sem saber. Pode haver mais corpos dentro da reserva? PIO: Isso eu não garanto porque os índios não falaram mais nada. Tem fofoca de que tem mais corpos. Mas eu não acredito que foram os índios. Hoje mesmo falei para o pessoal da Funai para chamar essas pessoas que estão falando e levar lá, para ver se tem ou não. Há informações de que os índios têm fuzis AR-15, pistolas automáticas... PIO: Isso é conversa fiada. Não existe. E as armas que estão lá, chegaram como? PIO: Eu mesmo não sei como chegou arma na mão do João (Bravo). João falou que foi algum agente de Polícia Federal que trouxe diretamente de São Paulo. Eu posso estar enganado. O João falou só isso. O senhor está falando do cacique João Bravo? É ele quem tem as armas? PIO: Ele tinha, mas já devolveu. Quais eram as armas? PIO: O João é quem sabe. Ele mora numa aldeia e eu moro em outra. Não posso ver tudo o que acontece lá dentro. O senhor disse que a Polícia Federal levou essas armas? PIO: Na época que fecharam o garimpo, o pessoal estava ameaçando os índios, dizendo que se não abrisse o garimpo iam matar a gente. Aí a Polícia Federal falou para algum filho do João que trazia armas de São Paulo, sem registro, sem nada. Talvez aconteceu assim. Mas eu não tenho participação nessa negociação de arma. Sabe-se que os cintas-largas têm muito dinheiro... PIO: Nós estamos devendo. É conserto de carro, peça, compra. Eu fico meio chateado porque o pessoal fala que a gente é rico. Se soubéssemos trabalhar antes, poderíamos até ser. Mas por enquanto, não. Por enquanto, estamos no vermelho. É verdade que o senhor tem vários carros? PIO: Só um Gol que eu comprei num consórcio. Entrei no consórcio em 1999. Eu tinha também uma Toyota, mas dei para a comunidade. E aquelas caminhonetes importadas na aldeia? PIO: Aquilo lá é da comunidade. A gente não considera assim, é meu. É da comunidade. E quem cuida do dinheiro da venda dos diamantes? PIO: Cada cacique cuida. E os demais índios, ganham também parte desse dinheiro? PIO: Se eles estiverem trabalhando, ganham. O senhor tem conta em banco? Quanto tem na conta? PIO: Tenho mas está zerado (risos). Se tivesse dinheiro eu mostrava. E onde está o dinheiro dos diamantes? PIO: O que nós ganhamos dá para pagar o que a gente faz lá dentro. Paga funcionários, recupera estradas, faz casa, compra mercadoria, gado. Se os garimpeiros entrarem de novo na reserva, o que vocês vão fazer? PIO: Como aconteceram essas mortes, o pessoal só critica a gente. Queremos pegar os caras, deixar na aldeia e chamar os repórteres. Não vão matar de novo, então? PIO: Só se teimarem.
O Globo, 28/04/2004, p. 8
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