From Indigenous Peoples in Brazil

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Prazo para desocupações em MS vence hoje

19/01/2004

Fonte: OESP, Nacional, p. A7



Prazo para desocupações em MS vence hoje
Os 3,2 mil índios falavam ontem em "matar ou morrer" para resistir à ordem de despejo

João Naves de Oliveira

Às vésperas do fim do prazo determinado pela Justiça federal para a desocupação de 14 fazendas invadidas por caiovás-guaranis, os 3,2 mil índios em Japorã e Iguatemi falavam ontem em "matar ou morrer" para resistir à ordem de despejo ou até mesmo praticar suicídio coletivo. Um domingo tenso e de muita tristeza foi descrito pelos quatro principais caciques que comandam as invasões das propriedades rurais no extremo sul de Mato Grosso do Sul, na divisa com o Paraguai.

Hoje vence o prazo para que os indígenas deixem pacificamente a área, que chega a 9.400 hectares, mas a Polícia Federal e a Polícia Militar se preparam para promover a desocupação apenas a partir de quarta-feira. Para evitar o confronto, a Funai intensifica a partir de hoje as negociações com os caciques na tentativa de garantir a retirada sem maiores problemas.

O procurador da República em Dourados, Ramiro Rockenback da Silva, estará hoje em São Paulo para tentar derrubar no Tribunal Regional Federal da 3.ª Região a decisão do juiz Odilon de Oliveira que, na quinta-feira, determinou a reintegração de posse. A iniciativa, porém, não tem o apoio da Fundação Nacional do Índio (Funai). O próprio presidente nacional da fundação, Mércio Pereira Gomes, não reconhece as áreas ocupadas à força pelos caiovás-guaranis desde o dia 22 de dezembro. "A Funai tem apenas um rascunho de um trabalho antropológico sobre a área em conflito no extremo sul do MS.

Não é nada definitivo, oficial", disse na quarta-feira o presidente da Funai.

O procurador acredita que tem mais documentos além de um "simples rascunho" e pretende levá-los ao TRF. Ele garante possuir vários documentos que comprovam serem todos os 9.400 hectares em questão terras indígenas. Ele deverá anexar ao pedido, ainda, uma carta escrita pela adolescente indígena da área de conflito Agda Rocha Riquelme, ou Kunã Yvoty ("Flor de Mulher" em Tupi Guarani). Ela diz que seu povo está disposto a dar a própria vida para defender sua terra
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Rockenback esteve reunido ontem com os líderes das invasões e os dirigentes estaduais da Funai, entre eles o antropólogo Cláudio Romero, que saiu otimista do encontro. Para Romero, é possível sim reverter a decisão judicial.

O governador José Orcírio Miranda dos Santos, o Zeca do PT, garante que não existe base legal para deixar as áreas em disputa com os índios e insiste que as desocupações deverão começar hoje. Mas segundo o superintendente da Polícia Federal no Mato Grosso do Sul, Wantuir Jatene, a instituição terá condições de promover o despejo somente a partir de quarta-feira.

Enquanto isso, a Funai está reforçando o diálogo com os índios para tentar a saída pacífica. As negociações estão sendo feitas por quatro indigenistas que estão no local do conflito, e por um enviado de Brasília que ficará no Estado e será o responsável pela interlocução direta entre a Funai, os índios, o governo estadual, a Polícia Federal e a Justiça Federal.

A estratégia foi montada pelo governador Zeca do PT, pelo presidente da Funai, assessores de assuntos fundiários do órgão, secretários de Estado e o superintendente da PF. Segundo o governador, ainda hoje será criado um grupo de trabalho com técnicos da Funai, do Incra e do governo para fazer o levantamento de toda a situação indígena do Estado.


Dono de fazenda invadida teme ampliação do conflito
Pecuarista Flávio Teles de Menezes diz que o desrespeito à lei criará clima de insegurança
Roldão Arruda

Desde o dia 6, quando um grupo de índios expulsou as 4 famílias que trabalhavam na Fazenda Remanso e bloqueou todas as vias de acesso, o seu proprietário, o pecuarista Flávio Teles de Menezes não sabe o que está acontecendo lá. "Nem sei se estão alimentando o gado", diz ele, enquanto aguarda uma solução da Justiça para o impasse.
Menezes é um dos pecuaristas mais conhecidos do País. Já presidiu a Sociedade Rural Brasileira em duas ocasiões e hoje integra o conselho de economia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Em entrevista ao Estado, ele disse que a solução do impasse em Mato Grosso do Sul deve ser vista com atenção, pois vai indicar o que pode acontecer nos próximos anos: "Vai ser uma espécie de farol. Vamos saber se o País quer que você trabalhe, dentro da lei, ou não. Vamos saber se a lei pode ser afrontada, ou não."

Estado - Como ocorreu a invasão de sua fazenda?

Flávio Teles de Menezes - No dia 6, um grupo de índios armados e alcoolizados invadiu a propriedade, expulsando os funcionários e suas famílias. Eles foram expulsos à força de seus domicílios, sem poder sequer levar suas roupas. Isso é o maior abuso que pode ocorrer contra um cidadão numa democracia. Desde então, a propriedade está sob soberania guarani. Os índios fizeram barreiras nos três pontos de acesso à gleba e controlam a entrada de pessoas. Não sei se o gado está sendo alimentado, se recebe as vacinas, nada.

Estado - Há alguma irregularidade no título de propriedade da fazenda?

Menezes - É uma propriedade como qualquer outra: comprada, matriculada, paga. Como se trata de faixa de fronteira, foi ratificada pela União. E isso é o que é mais preocupante, pois o que está acontecendo ali pode acontecer em qualquer outro lugar, em qualquer fazenda, num clima de insegurança jurídica.

Estado - Os índios afirmam, baseados num laudo antropológico em poder da Funai, que a terra já foi deles.

Menezes - O laudo, elaborado pelo antropólogo Fábio Mura, um cidadão italiano, de Roma, ainda não foi concluído. A Funai devolveu a ele, porque não estava completo. Na verdade, o que existe até agora é a opinião pessoal do antropólogo.

Estado - O presidente da Funai disse ao Estado que o antropólogo é brasileiro.

Menezes - Ele deveria consultar seus arquivos.

Estado - Os laudos da Funai se baseiam em provas de que os índios já moraram nas regiões que reivindicam. Sua propriedade teria pertencido aos antepassados deles.

Menezes - Há mais de dois anos estamos estudando esse assunto, procurando depoimentos das pessoas mais antigas, estudos arqueológicos, históricos. Não há nada, nenhum vestígio que prove a presença de índios na Fazenda Remanso, que começou a ser aberta em 1947. Ali jamais foi terra indígena.

Estado - Por que os índios teriam decidido agora invadir as propriedades?

Menezes - Essa é uma excelente questão. Foi só depois da passagem desse antropólogo por aqui, em 2001, que surgiu todo esse debate. Antes disso, todos viviam na paz. Os índios sempre trabalharam para os fazendeiros da região, numa convivência normal.

Estado - O que o senhor pretende fazer agora?

Menezes - Eu e minha família vamos seguir o caminho da Justiça. Acreditamos na ordem jurídica e pretendemos fazer o que a Justiça mandar. Espero que os outros atores do caso, como cidadãos brasileiros, embora de outra origem étnica, também se curvem às determinações da Justiça. Ninguém, nem mesmo comunidades organizadas, podem estar acima da lei.

Estado - Os fazendeiros pretendem recorrer à violência para defender suas propriedades?

Menezes - Minha família jamais usará de violência. No dia em que for necessário fazer justiça com as próprias mãos, saberemos que o País já não oferece mais condições para produzir e trabalhar. A única força aceitável é a da Justiça.

Estado - O senhor apóia a proposta de mudança dos atuais critérios de desapropriação, no sentido de garantir a completa indenização dos ocupantes das terras?

Menezes - Em tese está correta. Digo em tese porque não considero a hipótese de estar ocupando uma área indígena. Na minha opinião, se o governo está disposto a desenvolver uma política de ampliação das atuais reservas indígenas, deve comprar e pagar, como faz quando precisa de uma área para construir um hospital, uma estrada, uma hidrelétrica. Tomar não tem o menor cabimento.

Estado - Como o senhor viu as declarações do governador Zeca do PT, criticando a Funai, que estaria trazendo índios de outras regiões para participar das invasões?

Menezes - Acho que ele está bem informado. Qualquer pessoa que você entrevistar na região do conflito vai dizer a mesma coisa. O governador também está preocupado com o futuro do Estado, onde existem vários outros conflitos. Os índios estariam reivindicando quase 200 mil hectares de terra.


OESP, 19/01/2004, Nacional, p. A7
 

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