From Indigenous Peoples in Brazil
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Em extinção
08/11/2007
Fonte: FSP, Ilustrada, p. E4
Em extinção
Catálogo elenca produtos gastronômicos ameaçados de desaparecer; sete ingredientes brasileiros estão em projeto para proteção
Janaina Fidalgo
Da reportagem local
Quando Noé construiu sua arca, protegeu do dilúvio casais de animais. Fosse hoje, talvez o personagem bíblico incluísse também alimentos tradicionais ameaçados de extinção. E eles não seriam poucos, conforme revela um catálogo mundial feito pela associação Slow Food que identifica e divulga produtos em risco de desaparecer. Dos mais de 750 produtos listados na Arca do Gosto -uma alusão à embarcação de Noé-, 23 são do Brasil, entre eles o feijão canapu, o babaçu, o pirarucu e a castanha-de-baru.
"A Arca reúne produtos de pequenos agricultores, extrativistas e indígenas", diz Roberta de Sá, coordenadora dos projetos do Slow Food no Brasil. "Para entrar na lista, o produto deve ter excelência gastronômica, ser ligado à história da comunidade, ter produção artesanal com ênfase na sustentabilidade e estar em risco de extinção."
A ameaça de desaparecimento, segundo Roberta, pode ser justificada de inúmeras maneiras, como a perda da tradição do modo de fazer -caso da marmelada de Santa Luzia-, ou pela localização do alimento em uma área devastada.
A partir do catálogo, a fundação, que prega a combinação do prazer à alimentação consciente e responsável, partiu para a captação de recursos financeiros para bancar as Fortalezas, projetos que visam a melhoria da qualidade dos produtos ameaçados. No Brasil, elas são sete e muitas participaram no último mês, em Brasília, do Terra Madre Brasil, um encontro nacional de ecogastronomia.
Não existe um padrão para as Fortalezas. As iniciativas variam de acordo com a realidade e as necessidades de cada comunidade, mas objetivam: 1) promover os produtos artesanais; 2) criar padrões de produção; 3) e garantir a viabilidade futura dos produtos.
Na Fortaleza do palmito-juçara, planta nativa da mata Atlântica que há 12 anos está sendo plantada pelos guaranis da aldeia Ribeirão Silveira (litoral norte de São Paulo), a próxima etapa é conseguir um selo que permita aos índios comercializarem o caule comestível.
"Estamos inventariando as palmeiras nativas para criar um plano de manejo, provar que somos produtores e conseguirmos a autorização para vendê-lo", diz o cacique Adolfo Timótio Verá Mirim.
Na Fortaleza do umbu, que reúne os municípios baianos de Uauá, Curaçá e Canudos, por exemplo, foram construídas minifábricas onde o fruto é transformado em doces, geléia e polpa pasteurizada. Da produção total, 55% é destinada à merenda de escolas do sertão do Estado, 30% vai para países como França e Áustria, 10% é vendida em feiras e exposições e 5% fica no mercado regional.
"É mais fácil exportar que vender aqui dentro", diz Jussara Dantas de Souza, da Fortaleza do Umbu. "Lá fora, a Associação Comércio Justo deposita 50% do valor antes de começarmos a produção. Aqui, você investe, entrega o produto e só recebe 60 dias depois."
Mas, para quem acredita que, para preservar, é preciso fazer a população conhecer os produtos, ainda há um importante passo a ser dado, que é o da distribuição dentro do Brasil. Como se faz hoje para comprar os produtos da Arca? "Há realmente uma dificuldade muito grande que é a parte do transporte. [A distribuição] É o nosso maior desafio", diz Roberta.
Os sete produtos brasileiros transformados em fortalezas
Castanha-de-Baru
Árvore nativa do cerrado ameaçada pelo desmatamento, o baruzeiro produz um fruto cuja castanha, quando torrada, lembra o sabor do amendoim. Pode ser consumido puro ou em doces típicos, como pé-de-moleque e paçoquinha. Entre as iniciativas do projeto, estão a coleta sustentável, o processamento e a promoção da castanha
Arroz Vermelho
O cultivo de arroz vermelho tem hoje como refúgio o Vale do Piancó, uma bacia hidrográfica na Paraíba que, por seu isolamento geográfico, manteve o arroz intocado, sem modificações nem uso de agrotóxicos. Ali, pequenos agricultores plantam, anualmente, cerca de 5.000 hectares. Entre as ações da Fortaleza, está o desenvolvimento de uma marca e de uma embalagem para o arroz
Feijão Canapu
Foi trazido da África Oriental e é cultivado no semi-árido nordestino, especialmente no sul do Piauí. Por ser um feijão de ciclo longo, ou seja, que leva de 90 a 120 dias para produzir, quase entrou em extinção. Como apoio da Embrapa e da Emater, a Fortaleza está atuando em Campo Grande do Piauí para organizar os produtores e divulgar o feijão
Néctar de Abelhas nativas
Além de polinizarem grande parte da flora na Amazônia, as abelhas-canudo-que são silvestres e não têm ferrão-, vivem nas aldeias dos índios saterés-maués e produzem um mel aromático. Esta Fortaleza está ligada à do guaraná, pois o néctar é obtido a partir das flores desta planta. A intenção do projeto é ampliara domesticação dessas abelhas de 15 para 80 aldeias da terra indígena Andirá Marau, entre o Amazonas e o Pará
Umbu
Árvore nativa do Nordeste e típica da caatinga, produz frutas que podem ser consumidas cruas ou transformadas em doces e geléias. Os coletores dos municípios baianos de Uauá, Curaçá e Canudos se uniram em uma cooperativa para processar o umbu e vender seus subprodutos, principalmente, para o mercado externo. Com a criação da Fortaleza, foram construídas minifábricas que facilitaram o processamento da fruta
Guaraná Sateré-Maué
Cultivado há séculos na parte brasileira da Amazônia, na região próxima aos rios Tapajós e Madeira, o guaraná está extremamente ligado à cultura dos saterés-maués. As sementes que caem das árvores são coletadas pelos índios e plantadas na floresta. A intenção é preservar não só o guaraná, mas o bastão tradicional feito a partir da"torra"das sementes, que depois são piladas, moldadas e defumadas
Palmito-Juçara
Delgada e alta, a palmeira juçara é própria da mata Atlântica, leva cerca de sete anos para produzir o palmito e é uma das espécies mais ameaçadas. Ao perceberem o risco de extinção da juçara em sua região, os índios guaranis da aldeia Ribeirão Silveira, em São Sebastião (litoral norte de São Paulo), começaram a plantar mudas da espécie. 0 projeto prevê o mapeamento de juçaras nativas
Arca do gosto
Os critérios para catalogar os ingredientes ameaçados
1 Ter qualidade especial do ponto de vista gastronômico e organoléptico
2 Ser ligado à memória e à identidade de um grupo
3 Ter relação com o território -ligado a uma área específica do ponto de vista ambiental, socioeconômico e histórico
4 Ser produzido por unidades familiares ou de transformação artesanais e de pequeno porte
5 Apresentar risco de extinção, real ou potencial
Saiba mais sobre os projetos em www.slowfoodbrasil.com
FSP, 08/11/2007, Ilustrada, p. E4
Catálogo elenca produtos gastronômicos ameaçados de desaparecer; sete ingredientes brasileiros estão em projeto para proteção
Janaina Fidalgo
Da reportagem local
Quando Noé construiu sua arca, protegeu do dilúvio casais de animais. Fosse hoje, talvez o personagem bíblico incluísse também alimentos tradicionais ameaçados de extinção. E eles não seriam poucos, conforme revela um catálogo mundial feito pela associação Slow Food que identifica e divulga produtos em risco de desaparecer. Dos mais de 750 produtos listados na Arca do Gosto -uma alusão à embarcação de Noé-, 23 são do Brasil, entre eles o feijão canapu, o babaçu, o pirarucu e a castanha-de-baru.
"A Arca reúne produtos de pequenos agricultores, extrativistas e indígenas", diz Roberta de Sá, coordenadora dos projetos do Slow Food no Brasil. "Para entrar na lista, o produto deve ter excelência gastronômica, ser ligado à história da comunidade, ter produção artesanal com ênfase na sustentabilidade e estar em risco de extinção."
A ameaça de desaparecimento, segundo Roberta, pode ser justificada de inúmeras maneiras, como a perda da tradição do modo de fazer -caso da marmelada de Santa Luzia-, ou pela localização do alimento em uma área devastada.
A partir do catálogo, a fundação, que prega a combinação do prazer à alimentação consciente e responsável, partiu para a captação de recursos financeiros para bancar as Fortalezas, projetos que visam a melhoria da qualidade dos produtos ameaçados. No Brasil, elas são sete e muitas participaram no último mês, em Brasília, do Terra Madre Brasil, um encontro nacional de ecogastronomia.
Não existe um padrão para as Fortalezas. As iniciativas variam de acordo com a realidade e as necessidades de cada comunidade, mas objetivam: 1) promover os produtos artesanais; 2) criar padrões de produção; 3) e garantir a viabilidade futura dos produtos.
Na Fortaleza do palmito-juçara, planta nativa da mata Atlântica que há 12 anos está sendo plantada pelos guaranis da aldeia Ribeirão Silveira (litoral norte de São Paulo), a próxima etapa é conseguir um selo que permita aos índios comercializarem o caule comestível.
"Estamos inventariando as palmeiras nativas para criar um plano de manejo, provar que somos produtores e conseguirmos a autorização para vendê-lo", diz o cacique Adolfo Timótio Verá Mirim.
Na Fortaleza do umbu, que reúne os municípios baianos de Uauá, Curaçá e Canudos, por exemplo, foram construídas minifábricas onde o fruto é transformado em doces, geléia e polpa pasteurizada. Da produção total, 55% é destinada à merenda de escolas do sertão do Estado, 30% vai para países como França e Áustria, 10% é vendida em feiras e exposições e 5% fica no mercado regional.
"É mais fácil exportar que vender aqui dentro", diz Jussara Dantas de Souza, da Fortaleza do Umbu. "Lá fora, a Associação Comércio Justo deposita 50% do valor antes de começarmos a produção. Aqui, você investe, entrega o produto e só recebe 60 dias depois."
Mas, para quem acredita que, para preservar, é preciso fazer a população conhecer os produtos, ainda há um importante passo a ser dado, que é o da distribuição dentro do Brasil. Como se faz hoje para comprar os produtos da Arca? "Há realmente uma dificuldade muito grande que é a parte do transporte. [A distribuição] É o nosso maior desafio", diz Roberta.
Os sete produtos brasileiros transformados em fortalezas
Castanha-de-Baru
Árvore nativa do cerrado ameaçada pelo desmatamento, o baruzeiro produz um fruto cuja castanha, quando torrada, lembra o sabor do amendoim. Pode ser consumido puro ou em doces típicos, como pé-de-moleque e paçoquinha. Entre as iniciativas do projeto, estão a coleta sustentável, o processamento e a promoção da castanha
Arroz Vermelho
O cultivo de arroz vermelho tem hoje como refúgio o Vale do Piancó, uma bacia hidrográfica na Paraíba que, por seu isolamento geográfico, manteve o arroz intocado, sem modificações nem uso de agrotóxicos. Ali, pequenos agricultores plantam, anualmente, cerca de 5.000 hectares. Entre as ações da Fortaleza, está o desenvolvimento de uma marca e de uma embalagem para o arroz
Feijão Canapu
Foi trazido da África Oriental e é cultivado no semi-árido nordestino, especialmente no sul do Piauí. Por ser um feijão de ciclo longo, ou seja, que leva de 90 a 120 dias para produzir, quase entrou em extinção. Como apoio da Embrapa e da Emater, a Fortaleza está atuando em Campo Grande do Piauí para organizar os produtores e divulgar o feijão
Néctar de Abelhas nativas
Além de polinizarem grande parte da flora na Amazônia, as abelhas-canudo-que são silvestres e não têm ferrão-, vivem nas aldeias dos índios saterés-maués e produzem um mel aromático. Esta Fortaleza está ligada à do guaraná, pois o néctar é obtido a partir das flores desta planta. A intenção do projeto é ampliara domesticação dessas abelhas de 15 para 80 aldeias da terra indígena Andirá Marau, entre o Amazonas e o Pará
Umbu
Árvore nativa do Nordeste e típica da caatinga, produz frutas que podem ser consumidas cruas ou transformadas em doces e geléias. Os coletores dos municípios baianos de Uauá, Curaçá e Canudos se uniram em uma cooperativa para processar o umbu e vender seus subprodutos, principalmente, para o mercado externo. Com a criação da Fortaleza, foram construídas minifábricas que facilitaram o processamento da fruta
Guaraná Sateré-Maué
Cultivado há séculos na parte brasileira da Amazônia, na região próxima aos rios Tapajós e Madeira, o guaraná está extremamente ligado à cultura dos saterés-maués. As sementes que caem das árvores são coletadas pelos índios e plantadas na floresta. A intenção é preservar não só o guaraná, mas o bastão tradicional feito a partir da"torra"das sementes, que depois são piladas, moldadas e defumadas
Palmito-Juçara
Delgada e alta, a palmeira juçara é própria da mata Atlântica, leva cerca de sete anos para produzir o palmito e é uma das espécies mais ameaçadas. Ao perceberem o risco de extinção da juçara em sua região, os índios guaranis da aldeia Ribeirão Silveira, em São Sebastião (litoral norte de São Paulo), começaram a plantar mudas da espécie. 0 projeto prevê o mapeamento de juçaras nativas
Arca do gosto
Os critérios para catalogar os ingredientes ameaçados
1 Ter qualidade especial do ponto de vista gastronômico e organoléptico
2 Ser ligado à memória e à identidade de um grupo
3 Ter relação com o território -ligado a uma área específica do ponto de vista ambiental, socioeconômico e histórico
4 Ser produzido por unidades familiares ou de transformação artesanais e de pequeno porte
5 Apresentar risco de extinção, real ou potencial
Saiba mais sobre os projetos em www.slowfoodbrasil.com
FSP, 08/11/2007, Ilustrada, p. E4
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