From Indigenous Peoples in Brazil
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News
Índios se associam a garimpeiros para explorar diamantes em reserva
11/11/2007
Fonte: OESP, Nacional, p. A12
Índios se associam a garimpeiros para explorar diamantes em reserva
Intermediários fazem ligação entre cintas-largas e traficantes de pedras preciosas, na maior parte estrangeiros
Vannildo Mendes
Endividados e sob forte pressão desde o massacre de 29 pessoas, num garimpo ilegal em suas terras, há três anos e meio, os índios da etnia cinta-larga fecharam uma sociedade informal com os garimpeiros para a exploração de diamantes na Reserva Roosevelt, em Rondônia. Eles se aliaram também a uma rede de sócios não-índios, tidos como capitalistas de garimpo, para viabilizar o negócio.
Como se fossem representantes comerciais da selva, esses intermediários fazem a ligação dos caciques das aldeias com traficantes de pedras preciosas, na maior parte estrangeiros, que circulam na região. Mais de 90% dos diamantes extraídos na área saem do País ilegalmente rumo à Europa, ao Oriente Médio e aos Estados Unidos.
Com aval dos caciques e auxílio dos índios, os garimpeiros construíram uma rede de acessos clandestinos na floresta para fugir das barreiras da polícia nas principais estradas que levam à reserva. Segundo estimativas das autoridades locais, cerca de 1.500 garimpeiros já voltaram sorrateiramente à área de mineração. Trabalhando em ritmo frenético, eles infestam uma faixa de 22 quilômetros às margens do Rio Roosevelt e seus afluentes. A destruição ambiental se amplia, enquanto as autoridades esperam a regulamentação do garimpo em terras indígenas.
"Precisamos de uma definição urgente que contemple todos os lados: os índios, os garimpeiros, o município e a União", reclama a prefeita de Espigão, Lúcia Tereza Rodrigues dos Santos.
A cidade é a mais próxima do garimpo. A prefeita defende a exploração das jazidas por cooperativas que agreguem garimpeiros, índios e empresas de alta tecnologia no ramo, evitando a evasão de impostos que ocorre hoje. "Do jeito que está, virou uma mina de corrupção, onde poucos colhem e muitos sofrem ou morrem", diz a prefeita. Entre os principais destinos dos diamantes extraídos ilegalmente estão Israel, Portugal e Bélgica. As pedras são adquiridas em estado bruto e vendidas por um valor até dez vezes maior no exterior, depois de trabalhadas.
O juiz de Espigão, Leonel Pereira da Rocha, se diz impressionado com a quantidade de estrangeiros circulando na sua pequena comarca. "Estão levando nossas riquezas para fora do Brasil debaixo dos nossos olhos", afirma.
"Eles não devem estar lá fazendo turismo", diz o deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP), que acompanha o drama da reserva dos cintas-largas desde o grande massacre de abril de 2004, quando era ministro da Articulação Política.
A fato chocou o Brasil e o mundo. A PF indiciou por homicídio triplamente qualificado 23 índios, entre caciques e guerreiros, além do coordenador da Funai na região, Walter Blos. Só Blos foi preso. Nenhum índio. O inquérito está paralisado à espera de laudo antropológico que ateste se eles têm ou não condições de avaliar a gravidade do ato. A lei brasileira considera os índios "relativamente incapazes" e, portanto, inimputáveis.
ROTINA
O delegado Guilherme Mattos de Oliveira, encarregado do inquérito, disse que a ação foi premeditada e os índios executaram as vítimas com extrema crueldade, sem lhes dar a mínima chance de defesa. Segundo ele, a matança é rotina no garimpo e os mortos já chegam a 57 desde 2001.
Apanhados numa emboscada num local chamado Gruta do Sossego, onde 200 garimpeiros extraíam diamantes clandestinamente, os 29, que não conseguiram fugir, foram amarrados e trucidados, um a um, a tiros, flechadas e golpes de tacape. Participaram do ataque 53 guerreiros, mas há suspeitas, não confirmadas, de que não-índios ajudaram no planejamento e na matança. As vítimas só foram retiradas da floresta duas semanas depois, com os corpos estraçalhados. Nove ainda permanecem não identificados.
O juiz e o deputado defendem não só a regularização, mas a profissionalização da extração mineral no Brasil, sobretudo em terras indígenas, para eliminar o risco de novas tragédias e pôr fim à rede de ilegalidades na região.
A área não-indígena da região também é rica em diamantes, além de esmeraldas e outros minérios, sobretudo cassiterita. Grupos de traficantes se valem de licenças de pesquisa obtidas por empresas de mineração no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) para extrair ilegalmente as pedras. Nos municípios de Cacoal, Pimenta Bueno e Espigão do Oeste, vizinhos da Reserva Roosevelt, existem seis grandes mineradoras e cerca de 20 de pequeno porte atuando.
Exploradores driblam barreiras da PF
Reserva tem 27 mil quilômetros quadrados, maior que Estado de Alagoas
Menos de 5% dos diamantes extraídos ilegalmente na Reserva Roosevelt são apreendidos, segundo estimativa do Ministério da Justiça. Na tentativa de cortar o suprimento de óleo diesel, equipamentos e utensílios para o garimpo, a Polícia Federal montou quatro barreiras fixas e mantém vigilância móvel, desde o massacre de 2004, ao longo de 200 quilômetros nas bordas da reserva. A tarefa é ingrata: o território da reserva é de 27 mil quilômetros quadrados, maior do que o Estado de Alagoas. Ali estão nove aldeias da etnia cinta-larga, quatro delas em volta do garimpo do Rio Roosevelt.
"Sabemos que não dá para coibir totalmente, então nosso objetivo é dificultar ao máximo o acesso, sufocando o abastecimento de óleo diesel e equipamentos para o garimpo nas principais estradas que levam às aldeias", explicou o delegado Rodrigo Carvalho, chefe da Operação Roosevelt, montada há três anos na região. O garimpo trouxe com ele uma cadeia de crimes, sobretudo violência e roubos, além de prostituição, alcoolismo e drogas.
Há 25 anos na região, 19 em Espigão, o comerciante Anildo Simas, dono da única mercearia próxima da Reserva Roosevelt, ficou satisfeito com a redução da violência, mas em contrapartida viu seu lucro despencar brutalmente. Dos 100 clientes em média que passavam por dia na mercearia, restaram cinco escassos fregueses, quase sempre índios. Para agravar o quadro, os índios empobreceram com a redução do garimpo e deixaram de pagar as contas, penduradas por meses. A dívida dos índios só na mercearia, segundo Anildo, chegou a R$ 32 mil.
"Ultimamente eles retomaram o pagamento, mas aos poucos", diz o comerciante, explicando que parou de vender fiado. Os fazendeiros e outros freqüentadores da região criaram atalhos para não passar nas barreiras da PF, onde são submetidos a minuciosas revistas em cada uma delas.
Desde que a febre do diamante começou, em 2000, foram realizadas três grandes evacuações da área. Na maior, em 2001, foram retirados 5 mil garimpeiros de uma vez. Outras grandes retiradas ocorreram em 2002 e 2003. A partir de 2004, o cerco virou permanente com a criação de uma força-tarefa pelo governo federal. Mas pouco tem adiantado: o garimpo sempre volta, porque interessa aos índios, conscientes do potencial de riqueza sob seus pés. Desta vez, foram abertas várias estradas clandestinas na selva para burlar os postos de fiscalização da Polícia Federal.
A cada operação, os índios aproveitam para se livrar da sucata do garimpo, utilizando os guindastes e tratores do governo para mandar para fora equipamentos imprestáveis, como escavadeiras e motores quebrados, além de velhos tambores de estocar combustível. O material, empilhado ao lado do posto montado pela força-tarefa na entrada da Aldeia Roosevelt, virou um estorvo e fonte de proliferação de mosquitos transmissores de doenças, como a dengue.
São 300 toneladas de tralhas, que dependem de autorização judicial para ir a leilão. "Eles (os índios) aproveitam essas ocasiões para se livrar do lixo, mas o maquinário novinho fica dentro da reserva", diz um policial que participou das remoções.
Jazidas mapeadas são as maiores do mundo
Capacidade para produzir até R$ 2 bilhões ao ano é motivo da cobiça e da violência na região
Situada no sul de Rondônia, a região dos cintas-largas tem, conforme estimativas dos Ministérios da Justiça e de Minas e Energia, entre 15 e 20 formações rochosas de onde saem os diamantes. Essas jazidas já mapeadas dão aos cintas-largas o título de donos da maior reserva de diamantes do planeta, com capacidade para produzir entre R$ 1 bilhão e R$ 2 bilhões ao ano, motivo da cobiça e da violência que marcam o convívio dos indígenas com os não-índios.
Os cintas-largas foram contactados pela primeira vez na década de 50 e, em 1969, a Funai iniciou o processo de integração da etnia. Mas o contato com os não-índios foi o pior possível.
Na década de 80, vieram os madeireiros, que devastaram milhares de hectares de floresta para extrair mogno e cerejeira, subjugando ou corrompendo os índios. No início da década atual, vieram os garimpeiros e contrabandistas de diamantes. No seu auge, com diamantes brotando na flor da terra, o garimpo, mesmo manual na maior parte, chegou a produzir cerca de R$ 20 milhões mensais. Hoje, com a repressão que se seguiu ao massacre de 2004, a extração não chega a R$ 10 milhões mensais.
Mas a riqueza já produzida pelo garimpo estimulou o consumismo entre os índios. Eles compraram muitos carros, inclusive caminhonetes de luxo, esbanjaram em festas e orgias e foram ludibriados por exploradores brancos, de modo que a maioria continua pobre. Mas alguns souberam aplicar bem o dinheiro e se tornaram verdadeiros capitalistas da selva.
Os caciques, por exemplo, possuem casas com padrão acima da média dos demais moradores em cidades como Riozinho e Cacoal. O ex-cacique Nacoça Pio, um dos indiciados no massacre de 2004, por exemplo, tem duas casas em Riozinho, com muro alto e proteção contra ladrões, outra em Cacoal e um chalé de dois andares, de madeira, na Aldeia Roosevelt, à margem do rio. Alvo da desconfiança dos demais por causa do enriquecimento rápido, ele perdeu a última eleição de cacique para um novo líder, o índio Azuma. Procurado pelo Estado, Pio mandou dizer por parentes que não falaria sobre o assunto ou sobre o massacre.
O mais bem-sucedido de todos, porém, é o cacique João Bravo, que modernizou sua aldeia, a Tenente Marques, e construiu invejável patrimônio. Ele tem 22 empregados brancos, de diversas áreas, incluindo mecânico, eletricista, motoristas, vaqueiros e serviçais para atender a ele e à família - que inclui três mulheres e um número incerto de filhos. Sua frota pessoal é hoje de seis veículos (já chegou a dez), dos quais três caminhonetes, um caminhão, carro de passeio e um microônibus de 22 lugares com ar-condicionado, além de motos.
Bravo recusou-se a falar com o Estado, alegando que a imprensa distorce suas declarações, mas mandou dizer por um emissário que não é rico e todo o patrimônio que conseguiu é posto a serviço de sua aldeia, de cerca de 80 índios. De fato a Tenente Marques é considerada modelo. Tem escola, posto de saúde, tratores, escavadeiras e caminhões. A sede tem telefone fixo, mas o cacique dispõe também de um aparelho celular.
A aldeia tem ainda um restaurante rústico e alojamento para visitantes. Insatisfeito com o barulho e os constantes apagões do gerador a diesel doado pela Funai, Bravo construiu com recursos próprios uma pequena hidrelétrica no Rio Roosevelt.
OESP, 11/11/2007, Nacional, p. A12
Intermediários fazem ligação entre cintas-largas e traficantes de pedras preciosas, na maior parte estrangeiros
Vannildo Mendes
Endividados e sob forte pressão desde o massacre de 29 pessoas, num garimpo ilegal em suas terras, há três anos e meio, os índios da etnia cinta-larga fecharam uma sociedade informal com os garimpeiros para a exploração de diamantes na Reserva Roosevelt, em Rondônia. Eles se aliaram também a uma rede de sócios não-índios, tidos como capitalistas de garimpo, para viabilizar o negócio.
Como se fossem representantes comerciais da selva, esses intermediários fazem a ligação dos caciques das aldeias com traficantes de pedras preciosas, na maior parte estrangeiros, que circulam na região. Mais de 90% dos diamantes extraídos na área saem do País ilegalmente rumo à Europa, ao Oriente Médio e aos Estados Unidos.
Com aval dos caciques e auxílio dos índios, os garimpeiros construíram uma rede de acessos clandestinos na floresta para fugir das barreiras da polícia nas principais estradas que levam à reserva. Segundo estimativas das autoridades locais, cerca de 1.500 garimpeiros já voltaram sorrateiramente à área de mineração. Trabalhando em ritmo frenético, eles infestam uma faixa de 22 quilômetros às margens do Rio Roosevelt e seus afluentes. A destruição ambiental se amplia, enquanto as autoridades esperam a regulamentação do garimpo em terras indígenas.
"Precisamos de uma definição urgente que contemple todos os lados: os índios, os garimpeiros, o município e a União", reclama a prefeita de Espigão, Lúcia Tereza Rodrigues dos Santos.
A cidade é a mais próxima do garimpo. A prefeita defende a exploração das jazidas por cooperativas que agreguem garimpeiros, índios e empresas de alta tecnologia no ramo, evitando a evasão de impostos que ocorre hoje. "Do jeito que está, virou uma mina de corrupção, onde poucos colhem e muitos sofrem ou morrem", diz a prefeita. Entre os principais destinos dos diamantes extraídos ilegalmente estão Israel, Portugal e Bélgica. As pedras são adquiridas em estado bruto e vendidas por um valor até dez vezes maior no exterior, depois de trabalhadas.
O juiz de Espigão, Leonel Pereira da Rocha, se diz impressionado com a quantidade de estrangeiros circulando na sua pequena comarca. "Estão levando nossas riquezas para fora do Brasil debaixo dos nossos olhos", afirma.
"Eles não devem estar lá fazendo turismo", diz o deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP), que acompanha o drama da reserva dos cintas-largas desde o grande massacre de abril de 2004, quando era ministro da Articulação Política.
A fato chocou o Brasil e o mundo. A PF indiciou por homicídio triplamente qualificado 23 índios, entre caciques e guerreiros, além do coordenador da Funai na região, Walter Blos. Só Blos foi preso. Nenhum índio. O inquérito está paralisado à espera de laudo antropológico que ateste se eles têm ou não condições de avaliar a gravidade do ato. A lei brasileira considera os índios "relativamente incapazes" e, portanto, inimputáveis.
ROTINA
O delegado Guilherme Mattos de Oliveira, encarregado do inquérito, disse que a ação foi premeditada e os índios executaram as vítimas com extrema crueldade, sem lhes dar a mínima chance de defesa. Segundo ele, a matança é rotina no garimpo e os mortos já chegam a 57 desde 2001.
Apanhados numa emboscada num local chamado Gruta do Sossego, onde 200 garimpeiros extraíam diamantes clandestinamente, os 29, que não conseguiram fugir, foram amarrados e trucidados, um a um, a tiros, flechadas e golpes de tacape. Participaram do ataque 53 guerreiros, mas há suspeitas, não confirmadas, de que não-índios ajudaram no planejamento e na matança. As vítimas só foram retiradas da floresta duas semanas depois, com os corpos estraçalhados. Nove ainda permanecem não identificados.
O juiz e o deputado defendem não só a regularização, mas a profissionalização da extração mineral no Brasil, sobretudo em terras indígenas, para eliminar o risco de novas tragédias e pôr fim à rede de ilegalidades na região.
A área não-indígena da região também é rica em diamantes, além de esmeraldas e outros minérios, sobretudo cassiterita. Grupos de traficantes se valem de licenças de pesquisa obtidas por empresas de mineração no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) para extrair ilegalmente as pedras. Nos municípios de Cacoal, Pimenta Bueno e Espigão do Oeste, vizinhos da Reserva Roosevelt, existem seis grandes mineradoras e cerca de 20 de pequeno porte atuando.
Exploradores driblam barreiras da PF
Reserva tem 27 mil quilômetros quadrados, maior que Estado de Alagoas
Menos de 5% dos diamantes extraídos ilegalmente na Reserva Roosevelt são apreendidos, segundo estimativa do Ministério da Justiça. Na tentativa de cortar o suprimento de óleo diesel, equipamentos e utensílios para o garimpo, a Polícia Federal montou quatro barreiras fixas e mantém vigilância móvel, desde o massacre de 2004, ao longo de 200 quilômetros nas bordas da reserva. A tarefa é ingrata: o território da reserva é de 27 mil quilômetros quadrados, maior do que o Estado de Alagoas. Ali estão nove aldeias da etnia cinta-larga, quatro delas em volta do garimpo do Rio Roosevelt.
"Sabemos que não dá para coibir totalmente, então nosso objetivo é dificultar ao máximo o acesso, sufocando o abastecimento de óleo diesel e equipamentos para o garimpo nas principais estradas que levam às aldeias", explicou o delegado Rodrigo Carvalho, chefe da Operação Roosevelt, montada há três anos na região. O garimpo trouxe com ele uma cadeia de crimes, sobretudo violência e roubos, além de prostituição, alcoolismo e drogas.
Há 25 anos na região, 19 em Espigão, o comerciante Anildo Simas, dono da única mercearia próxima da Reserva Roosevelt, ficou satisfeito com a redução da violência, mas em contrapartida viu seu lucro despencar brutalmente. Dos 100 clientes em média que passavam por dia na mercearia, restaram cinco escassos fregueses, quase sempre índios. Para agravar o quadro, os índios empobreceram com a redução do garimpo e deixaram de pagar as contas, penduradas por meses. A dívida dos índios só na mercearia, segundo Anildo, chegou a R$ 32 mil.
"Ultimamente eles retomaram o pagamento, mas aos poucos", diz o comerciante, explicando que parou de vender fiado. Os fazendeiros e outros freqüentadores da região criaram atalhos para não passar nas barreiras da PF, onde são submetidos a minuciosas revistas em cada uma delas.
Desde que a febre do diamante começou, em 2000, foram realizadas três grandes evacuações da área. Na maior, em 2001, foram retirados 5 mil garimpeiros de uma vez. Outras grandes retiradas ocorreram em 2002 e 2003. A partir de 2004, o cerco virou permanente com a criação de uma força-tarefa pelo governo federal. Mas pouco tem adiantado: o garimpo sempre volta, porque interessa aos índios, conscientes do potencial de riqueza sob seus pés. Desta vez, foram abertas várias estradas clandestinas na selva para burlar os postos de fiscalização da Polícia Federal.
A cada operação, os índios aproveitam para se livrar da sucata do garimpo, utilizando os guindastes e tratores do governo para mandar para fora equipamentos imprestáveis, como escavadeiras e motores quebrados, além de velhos tambores de estocar combustível. O material, empilhado ao lado do posto montado pela força-tarefa na entrada da Aldeia Roosevelt, virou um estorvo e fonte de proliferação de mosquitos transmissores de doenças, como a dengue.
São 300 toneladas de tralhas, que dependem de autorização judicial para ir a leilão. "Eles (os índios) aproveitam essas ocasiões para se livrar do lixo, mas o maquinário novinho fica dentro da reserva", diz um policial que participou das remoções.
Jazidas mapeadas são as maiores do mundo
Capacidade para produzir até R$ 2 bilhões ao ano é motivo da cobiça e da violência na região
Situada no sul de Rondônia, a região dos cintas-largas tem, conforme estimativas dos Ministérios da Justiça e de Minas e Energia, entre 15 e 20 formações rochosas de onde saem os diamantes. Essas jazidas já mapeadas dão aos cintas-largas o título de donos da maior reserva de diamantes do planeta, com capacidade para produzir entre R$ 1 bilhão e R$ 2 bilhões ao ano, motivo da cobiça e da violência que marcam o convívio dos indígenas com os não-índios.
Os cintas-largas foram contactados pela primeira vez na década de 50 e, em 1969, a Funai iniciou o processo de integração da etnia. Mas o contato com os não-índios foi o pior possível.
Na década de 80, vieram os madeireiros, que devastaram milhares de hectares de floresta para extrair mogno e cerejeira, subjugando ou corrompendo os índios. No início da década atual, vieram os garimpeiros e contrabandistas de diamantes. No seu auge, com diamantes brotando na flor da terra, o garimpo, mesmo manual na maior parte, chegou a produzir cerca de R$ 20 milhões mensais. Hoje, com a repressão que se seguiu ao massacre de 2004, a extração não chega a R$ 10 milhões mensais.
Mas a riqueza já produzida pelo garimpo estimulou o consumismo entre os índios. Eles compraram muitos carros, inclusive caminhonetes de luxo, esbanjaram em festas e orgias e foram ludibriados por exploradores brancos, de modo que a maioria continua pobre. Mas alguns souberam aplicar bem o dinheiro e se tornaram verdadeiros capitalistas da selva.
Os caciques, por exemplo, possuem casas com padrão acima da média dos demais moradores em cidades como Riozinho e Cacoal. O ex-cacique Nacoça Pio, um dos indiciados no massacre de 2004, por exemplo, tem duas casas em Riozinho, com muro alto e proteção contra ladrões, outra em Cacoal e um chalé de dois andares, de madeira, na Aldeia Roosevelt, à margem do rio. Alvo da desconfiança dos demais por causa do enriquecimento rápido, ele perdeu a última eleição de cacique para um novo líder, o índio Azuma. Procurado pelo Estado, Pio mandou dizer por parentes que não falaria sobre o assunto ou sobre o massacre.
O mais bem-sucedido de todos, porém, é o cacique João Bravo, que modernizou sua aldeia, a Tenente Marques, e construiu invejável patrimônio. Ele tem 22 empregados brancos, de diversas áreas, incluindo mecânico, eletricista, motoristas, vaqueiros e serviçais para atender a ele e à família - que inclui três mulheres e um número incerto de filhos. Sua frota pessoal é hoje de seis veículos (já chegou a dez), dos quais três caminhonetes, um caminhão, carro de passeio e um microônibus de 22 lugares com ar-condicionado, além de motos.
Bravo recusou-se a falar com o Estado, alegando que a imprensa distorce suas declarações, mas mandou dizer por um emissário que não é rico e todo o patrimônio que conseguiu é posto a serviço de sua aldeia, de cerca de 80 índios. De fato a Tenente Marques é considerada modelo. Tem escola, posto de saúde, tratores, escavadeiras e caminhões. A sede tem telefone fixo, mas o cacique dispõe também de um aparelho celular.
A aldeia tem ainda um restaurante rústico e alojamento para visitantes. Insatisfeito com o barulho e os constantes apagões do gerador a diesel doado pela Funai, Bravo construiu com recursos próprios uma pequena hidrelétrica no Rio Roosevelt.
OESP, 11/11/2007, Nacional, p. A12
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