From Indigenous Peoples in Brazil
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News

Ranço do pensamento colonialista

19/04/2008

Autor: BANIWA, Gersem

Fonte: O Globo, Prosa & Verso, p. 6



'Ranço do pensamento colonialista'

Corpo a Corpo
Gersem Baniwa

Gersem Baniwa, antropólogo e representante indígena no Conselho Nacional de Educação, é autor do 1º livro da série Via dos Saberes. Deu entrevista por e-mail durante o Abril Indígena, esta semana em Brasília.

O Globo: Os povos indígenas representam cerca de 0,4% da população brasileira e detêm cerca de 11% do território nacional.
Muita gente diz que há muita terra para pouco índio, assim como diz que há muito investimento em educação diferenciada, por exemplo, para pouco índio. O que acha dessa visão?

Gersem Baniwa: Essa questão é a principal fonte de discriminação e de negação dos direitos dos povos indígenas. É o ranço do pensamento medieval e colonialista, que considerava a cultura européia a única aceitável. A comparação é contra toda possibilidade de uma sociedade muliticultural. Se o princípio da multiculturalidade é a possibilidade de convivência harmoniosa ou tolerante entre diversas culturas e etnias, então é preciso admitir as diversas formas de vida dos povos e das culturas.

Ora, os povos indígenas só podem continuar com suas culturas, tradições, línguas, mitologias, cosmologias, filosofias, seus sistemas econômicos, jurídicos e políticos, se continuarem tendo seus espaços territoriais e processos educativos próprios.

Querer que os povos indígenas vivam em terras minúsculas ou em apartamentos como os não-índios nos centros urbanos é querer que sejam extintos, que deixem de existir. Os povos indígenas, que vivem basicamente de caça e pesca, agricultura itinerame, de rituais, de cerimônias, de economia recíproca e de solidariedade, precisam de territórios suficientes para esse exercício de vida coletiva. O tamanho do território determina as condições de sobrevivência alimentar e econômica, mas principalmente a sobrevivência cultural. Afinal, onde irão desenvolver seus rituais, suas tradições, suas caçadas e pescarias coletivas?

Além disso, é necessário que se pense o futuro dos povos indígenas na perspectiva de seu crescimento demográfico, para não haver as tragédias que estamos vendo com os índios guarani e terem no Mato Grosso do Sul, cujas terras, quando demarcadas, eram suficientes para a população, então em franca decadência por conta do processo de genocídio e etnocídio do início do século passado. Hoje são insuficientes. Vive-se lá num amontoado e confinamento trágico de seres humanos. Sem dúvida, esse é o maior desafio dos povos indígenas do Brasil hoje: mostrar para a sociedade que, por serem portadores de culturas e modos de vidas diferentes das sociedades não-indígenas, precisam ser vistos e tratados também de formas diferente, principalmente nos quesitos terra, educação e saúde. É um desafio para o qual a série Via dos Saberes pretende contribuir.

A lei que obriga o ensino da cultura e da história dos povos indígenas pode ajudar?

Baniwa: A lei é importante porque estimula-rá a produção de livros didáticos que tratem de forma adequada as realidades históricas e atuais dos povos indígenas, sem os preconceitos, os estereótipos e as imagens deturpadas, que a literatura colonialista tradicional produziu e divulgou nas escolas e na mídia. Não será tarefa fácil, pois não existem livros didáticos sobre a questão, com abordagens adequadas e atuais. Esses livros deverão ser produzidos e isso depende fundamentalmente do financiamento público. Outro desafio será estimular os povos indígenas a escreverem livros. E os povos indígenas precisam traçar estratégias de articulação com os sistemas de ensino e com as escolas para que a lei seja cumprida, que não vire lei morta, como muitas vezes acontece com os direitos indígenas.

Há muitos livros de apresentação dos povos indígenas escritos por antropólogos. Qual a particularidade do seu olhar?

Baniwa: A particularidade está no olhar direto, sem subterfúgios teóricos e epistemológicos, para tentar dar conta da realidade. Muitos estudos produzidos para a academia têm resultados apenas para os pesquisadores.
Os povos indígenas não ficam sabendo dos resultados e muito menos para que servem. Felizmente isso está mudando, pela própria pressão dos índios, que não aceitam mais serem objetos ou informantes, querem ser também co-autores, sujeitos e beneficiários desses estudos.
Com a possibilidade de termos índios antropólogos esse processo tende a ser acelerado, pois o índio antropólogo precisa ter o compromisso, moral, ético e político com a comunidade.
(Rachel Bertol)

O Globo, 19/04/2008, Prosa & Verso, p. 6
 

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