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Aldeia vai à luta por índia encaminhada à adoção

29/06/2008

Autor: Jussara Soares

Fonte: O Globo Online - oglobo.globo.com



SÃO PAULO - É na casa de reza - construída de pau-a-pique - que todos os dias, no início da noite, 159 crianças da aldeia Tekoa Pyau, localizada em Pirituba, na zona norte da capital, aprendem a cultura da tribo guarani. Com idades que variam de menos de um ano a 7 anos, elas praticam a dança, o canto, a luta dos guerreiros e a língua, orientadas pelo pajé José Fernandes. Uma, no entanto, foi afastada do convívio do seu povo. Por decisão judicial, a menor Alexandra, de 4 anos, após passar dois anos em um abrigo, já está vivendo, desde o início do mês, com uma família substituta não-indígena, que pretende adotá-la.

Para a Justiça, os problemas de saúde da menina a impedem de ter hábitos guaranis: como se alimentar sozinha, andar com os pés no chão e estar exposta à fumaça - presente no dia-a-dia tanto no preparo dos alimentos quanto nos rituais.

- A Justiça disse que a aldeia não é adequada para a Alexandra. Como se ela não pudesse ser índia - diz o tio da indiazinha, Maurício Verá Popyga, de 32 anos, que, embora não tenha a guarda judicial da menina, é o responsável por ela.

- A mãe não tinha condições de criar, e nós ficamos com ela. Entre os guaranis, todos os adultos têm responsabilidades com as crianças. Alexandra nunca esteve abandonada - afirma o tio, disposto a lutar pela menina.

A indiazinha nasceu prematura. Com desnutrição e graves complicações respiratórias, em apenas um ano a menina foi internada cinco vezes, em 2005, no Hospital Municipal Infantil Menino Jesus. A última vez, no fim daquele ano, ficou dez dias na unidade de terapia intensiva (UTI). Apesar de ter se recuperado, a equipe médica concluiu que a garota não deveria voltar à aldeia, e ela permaneceu sete meses internada.

Na época, a Funasa (Fundação Nacional de Saúde) comunicou o fato ao Ministério Público Federal, que tentou que a Subprefeitura de Pirituba construísse uma casa adequada para o retorno da menina à aldeia. Em julho de 2006, o caso foi levado pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) à Vara da Infância e Juventude do Fórum Regional da Lapa, que decidiu que a menina fosse levada para o Lar Social Casa Luz - um abrigo não-indígena.

- A última vez que vimos a Alexandra foi no hospital. No abrigo, não nos deixaram entrar. Hoje, não sabemos como ela está, nem como vive - lamenta Maurício, que, por não ter a guarda da menina, não pôde recorrer da decisão da Justiça.

A mãe da indiazinha é Andréa Fernandes Soares, de 22 anos, que, após se casar, mudou-se para uma aldeia em Paraty, no litoral sul do estado do Rio de Janeiro. Esta semana, ela voltou a São Paulo para tentar evitar que a filha seja definitivamente adotada por uma família não-indígena.

- Minha filha não estava abandonada, ficou com minha família porque eu não tinha como criar. Somos todos índios e um ajuda o outro. Fico triste por terem levado ela - diz Andréa, que também é mãe de Alessandra, de 3 anos, e de Alexandre, de 2.

De acordo com a advogada Carla Atunha, que representa a aldeia, a mãe ainda não perdeu a guarda, e a adoção pode ser evitada.

- A Justiça só precisa entender que a criança não estava abandonada. Eles têm uma cultura diferente e muitas dificuldades de serem entendidos", argumenta a advogada.
Funai vai recorrer da decisão

A Procuradoria da Funai informou que irá ingressar com uma ação civil, em nome da família indígena, para tentar impedir ou reverter a adoção da indiazinha. Em nota, afirmou que, caso não seja possível o retorno para a família original, há intenção de que o processo de adoção seja direcionado para outra família guarani. Já houve manifestação de parentes da menina interessados na adoção, preservando assim a cultura e tradição guarani.

O Ministério Público Federal (MPF) já havia ingressado com um pedido de liminar para que o estado de São Paulo devolvesse a menina à aldeia Tekoa Pyau. A ação pedia ainda que toda a aldeia fosse declarada família da menina e que o processo passasse para a Justiça Federal, uma vez que o caso atinge a coletividade da etnia guarani. Entretanto, o pedido foi negado em primeira instância, sob a alegação de que o caso da indiazinha é de competência estadual. Agora o Ministério Público Federal irá recorrer.

De acordo com a procuradora da República Ana Cristina Bandeira Lins, a ação que encaminhou a menina a um abrigo - e em seguida para uma família de apoio - é irregular.

- O MPF, a Funai, a Funasa e a aldeia não puderam se manifestar porque foram excluídos da ação. O caso desta menor foi tratado apenas como o de uma criança abandonada, sem levar em conta a cultura indígena - argumenta a procuradora.

A Promotoria da Infância e Juventude e o Tribunal de Justiça não comentaram o assunto. O processo corre em segredo de Justiça.
Mães temem hospital

O caso da menina que ao ser internada não pôde voltar para casa está levando medo às mães da Aldeia Tekoa Pyau. O temor é que a situação se repita, e elas também percam seus filhos.

- Ficamos preocupadas. As mulheres estão com medo de que os filhos precisem ficar no hospital e nunca mais voltem para casa - afirma Santa Fernandes Soares, de 38 anos, mãe de três filhos.
 

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