From Indigenous Peoples in Brazil
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News
Taxa de homicídios entre guaranis-caiovás é 20 vezes maior do que a do Estado de SP
15/07/2009
Autor: Guilherme Balza
Fonte: Notícias Uol - http://noticias.uol.com.br/
A taxa de homicídios registrada em 2008 entre os índios guaranis-caiovás é 20 vezes maior do que a do Estado de São Paulo e superior a de qualquer município brasileiro. Segundo relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), dos 60 assassinatos de indígenas registrados no Brasil em 2008, 42 foram cometidos contra guaranis-caiovás, povo que habita 25 aldeias no sul do Mato Grosso do Sul e formam a quarta maior população indígena do Brasil, com cerca de 20 mil habitantes.
De acordo com a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), a taxa de homicídios no Estado em 2008 foi de 10,3 para 100 mil habitantes. Entre os caiovás, a taxa foi de 210 para 100 mil habitantes. No ano passado, em nenhum outro povo indígena foram cometidos mais do que três assassinatos.
Os homicídios entre caiovás também são bem mais frequentes do que em qualquer outro município brasileiro. Segundo o último Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros, divulgado em 2008 pelos ministérios da Saúde e da Justiça, entre 2002 e 2006, a média de homicídios no Recife (PE) foi de 90,5 homicídios para cada 100 mil habitantes. A cidade mais violenta, segundo o estudo, foi Coronel Sapucaia (MS), com a taxa de 107,2 homicídios para cada 100 mil habitantes - quase a metade da registrada entre guaranis-caiovás.
A taxa de assassinatos é bem menor mesmo nos municípios onde estão as duas maiores aldeias ocupadas por caiovás: Dourados, com 44 homicídios para 100 mil habitantes, e Amambaí, 41,2 homicídios/100 mil habitantes.
Falta de terras, a raiz do problema
Funai (Fundação Nacional do Índio), Cimi, ISA (Instituto Sociambiental), lideranças indígenas, antropólogos e representantes do Ministério Público de Federal em Mato Grosso do Sul (MPF-MS) compartilham da mesma posição: a causa principal da violência entre caiovás é a falta de terras.
Para o antropólogo Rubem Ferreira Thomaz de Almeida, que estudou os guaranis-caiovás, a colonização do Mato Grosso do Sul no início do século passado e o consequente confinamento dos índios causaram a desestruturação das famílias.
"A sociedade guarani-caiová se sustenta em famílias extensas, com até 260 pessoas, e que possuem uma liderança. Essas famílias necessitam de espaço para se organizar e, tradicionalmente, precisam manter um espaço distante do vizinho. Uma casa não pode estar perto da outra", afirma. "A partir de 1910, os caiovás foram confinados pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) em reservas minúsculas, alterando a forma tradicional de organização e determinando os conflitos entre as famílias. Se não derem terras aos caiovás, o problema não será resolvido", acrescenta.
Embora formem o quarto povo indígena mais populoso no Brasil - atrás somente do ticuna (35 mil pessoas), kaingang (28 mil) e macuxi (23.433) - os caiovás possuem 730 km² de terras, valor ínfimo se comparado a reservas situadas na Amazônia Legal, como a Ianomâmi (com 96.664 km², onde vivem 15.686 habitantes), Alto Rio Negro (79.993 km², 19.597 habitantes), Vale do Javari (85.444 km², 3.645 habitantes) e Parque do Xingu (26.642 km², 5.020 habitantes).
A demarcação de novas terras indígenas para os caiovás, ou a ampliação das já existentes, no entanto, tem como ameaças a pressão do agronegócio e uma das condicionantes estabelecidas do STF (Supremo Tribunal Federal) no julgamento de Raposa/Serra do Sol, que proíbe o aumento das atuais reservas.
"Quanto mais próxima de áreas urbanas, mais valorizada é a terra e mais difícil é o processo de demarcação", afirma o indigenista Sydney Possuelo, ex-presidente da Funai. "Na Amazônia, em razão da baixa densidade habitacional, é bem mais simples a demarcação do que no Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo", acrescenta.
Violência sem limites
Para a caiová Jaqueline Gonçalves, 19, estudante do 1 ano do curso de jornalismo, "a situação piorou muito recentemente". "Hoje a violência não tem mais limite. Os pais já não têm mais controle sobre os filhos, que ainda bem jovens começam a beber, a usar drogas e a praticar a violência. Carros e motos que passam na aldeia à noite são atacados. Em cada esquina se veem pessoas vestidas inteiras de preto, encapuzadas, com facões, armas", diz.
Na terra indígena de Dourados, onde Jaqueline reside, vivem ao menos 7.000 índios, de três povos distintos: além do guarani-caiová, o guarani-nhandeva e o terena. Devido à escassez de terra, a disputa pelo espaço acirra a rivalidade violenta entre os três povos. "Tenho a visão que estamos vivendo em uma vila. A população é muito grande e a terra é pouca", afirma. O pai de Jaqueline foi assassinado por um guarani-nhandeva quando a jovem tinha 13 anos. "Até hoje ele continua ameaçando a minha família", diz a estudante.
Jaqueline participa da Ação Jovens Indígenas de Dourados (AJI), organização que possui jovens das três etnias de Dourados e tem como objetivo buscar uma união entre os povos e defender os direitos dos indígenas. Segundo a estudante, participam do projeto jovens dos dois bairros da terra indígena - Bororó, mais popular e povoado somente por caiovás, e Jaguapiru, mais "elitizado", com moradores dos três povos.
"Quando as coordenadoras da ação juntaram esses jovens foi um problema. O pessoal do Bororó era taxado de sujo, violento e os jovens do Jaguapiru de metidos, que se achavam. Aos poucos começamos a fazer trabalhos, oficinas, e eles foram se conhecendo melhor e acabando com os mitos e preconceitos", diz Jaqueline.
Suicídios
É comum também entre os guaranis-caiovás a prática do suicídio. No ano passado, todos os 32 suicídios praticados no Brasil por indígenas foram cometidos por caiovás, segundo o relatório do Cimi. Entre 2003 e 2008, 147 caiovás se mataram, uma média de 24 suicídios por ano.
"Teve um jovem da AJI que se suicidou. Segundo conta a sua família, ele tinha vergonha da realidade que vivia, de não ter roupas e moradia decente", afirma Jaqueline. "A prática do suicídio é da tradição guarani. Não faria uma conexão direta com a falta de terra e de condições dignas para viver, mas é claro que sem dúvida isso tem um peso enorme nos altos índices de suicídio registrados nos últimos anos", afirma o antropólogo.
Omissão do poder público
O relatório do Cimi também traz dados da omissão do poder público na assistência aos guaranis-caiovás. Em 2008, foram 225 casos de caiovás que adoeceram e não receberam atendimento adequado na área de saúde. No Brasil, no ano passado, dos 271 casos de desassistência geral do poder público contra indígenas, em 251 as vítimas foram caiovás - na maioria dos casos os índios foram empregados em trabalho escravo ou presos sem direito à ampla defesa.
Duas crianças caiovás morreram em 2008 por desnutrição e, em Dourados, maior reserva ocupada pela etnia, 24 crianças foram internadas com desnutrição severa e 200 com desnutrição moderada no ano passado.
Embora, de acordo com o relatório do Cimi, o poder público seja omisso no que diz respeito aos direitos dos caiovás, é eficaz na repressão: relatório estatístico do Ministério da Justiça aponta que, em junho de 2008, o Mato Grosso do Sul possuía 134 índios detidos, o maior número de indígenas encarcerados do Brasil. Roraima e Santa Catarina, os segundos colocados, possuíam na época 45 detentos índios cada.
O registro de indígenas presos no Mato Grosso do Sul em 2008 é 48% maior do que no ano anterior e mais do que o dobro do registrado em 2006, quando 71 índios estavam encarcerados, mesmo ano em que o cacique caiová Carlito de Oliveira foi preso acusado de ser o mandante da morte de dois policiais civis em Dourados.
Assassinatos de indígenas
Ano 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Brasil 42 37 43 60 92 60
Mato Grosso do Sul 13 16 28 28 53 42
Taxa de homicídios (para cada 100 mil habitantes)
Guaranis-caiovás (2008) 210
Recife (entre 2002 e 2006) 90,5
Rio de Janeiro (entre 2002 e 2006) 44,8
Coronel Sapucaia (MS) (entre 2002 e 2006) 107,2
Estado de São Paulo (2008) 10,3
Entre indígenas (2008) 13,33
Terra(s) indígena(s) Área (em km²) População
Ocupadas por guaranis-caiovás (MS) 730 20.000
Ianomami (AM e RR) 96.664 15.686
Vale do Javari (AM) 85.444 3.645
Parque do Xingu (PA) 26.420 5.020
Suicídios cometidos por guaranis-caiovás
2003 2004 2005 2006 2007 2008
22 16 28 19 28 34
http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2009/07/15/ult5772u4636.jhtm
De acordo com a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), a taxa de homicídios no Estado em 2008 foi de 10,3 para 100 mil habitantes. Entre os caiovás, a taxa foi de 210 para 100 mil habitantes. No ano passado, em nenhum outro povo indígena foram cometidos mais do que três assassinatos.
Os homicídios entre caiovás também são bem mais frequentes do que em qualquer outro município brasileiro. Segundo o último Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros, divulgado em 2008 pelos ministérios da Saúde e da Justiça, entre 2002 e 2006, a média de homicídios no Recife (PE) foi de 90,5 homicídios para cada 100 mil habitantes. A cidade mais violenta, segundo o estudo, foi Coronel Sapucaia (MS), com a taxa de 107,2 homicídios para cada 100 mil habitantes - quase a metade da registrada entre guaranis-caiovás.
A taxa de assassinatos é bem menor mesmo nos municípios onde estão as duas maiores aldeias ocupadas por caiovás: Dourados, com 44 homicídios para 100 mil habitantes, e Amambaí, 41,2 homicídios/100 mil habitantes.
Falta de terras, a raiz do problema
Funai (Fundação Nacional do Índio), Cimi, ISA (Instituto Sociambiental), lideranças indígenas, antropólogos e representantes do Ministério Público de Federal em Mato Grosso do Sul (MPF-MS) compartilham da mesma posição: a causa principal da violência entre caiovás é a falta de terras.
Para o antropólogo Rubem Ferreira Thomaz de Almeida, que estudou os guaranis-caiovás, a colonização do Mato Grosso do Sul no início do século passado e o consequente confinamento dos índios causaram a desestruturação das famílias.
"A sociedade guarani-caiová se sustenta em famílias extensas, com até 260 pessoas, e que possuem uma liderança. Essas famílias necessitam de espaço para se organizar e, tradicionalmente, precisam manter um espaço distante do vizinho. Uma casa não pode estar perto da outra", afirma. "A partir de 1910, os caiovás foram confinados pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) em reservas minúsculas, alterando a forma tradicional de organização e determinando os conflitos entre as famílias. Se não derem terras aos caiovás, o problema não será resolvido", acrescenta.
Embora formem o quarto povo indígena mais populoso no Brasil - atrás somente do ticuna (35 mil pessoas), kaingang (28 mil) e macuxi (23.433) - os caiovás possuem 730 km² de terras, valor ínfimo se comparado a reservas situadas na Amazônia Legal, como a Ianomâmi (com 96.664 km², onde vivem 15.686 habitantes), Alto Rio Negro (79.993 km², 19.597 habitantes), Vale do Javari (85.444 km², 3.645 habitantes) e Parque do Xingu (26.642 km², 5.020 habitantes).
A demarcação de novas terras indígenas para os caiovás, ou a ampliação das já existentes, no entanto, tem como ameaças a pressão do agronegócio e uma das condicionantes estabelecidas do STF (Supremo Tribunal Federal) no julgamento de Raposa/Serra do Sol, que proíbe o aumento das atuais reservas.
"Quanto mais próxima de áreas urbanas, mais valorizada é a terra e mais difícil é o processo de demarcação", afirma o indigenista Sydney Possuelo, ex-presidente da Funai. "Na Amazônia, em razão da baixa densidade habitacional, é bem mais simples a demarcação do que no Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo", acrescenta.
Violência sem limites
Para a caiová Jaqueline Gonçalves, 19, estudante do 1 ano do curso de jornalismo, "a situação piorou muito recentemente". "Hoje a violência não tem mais limite. Os pais já não têm mais controle sobre os filhos, que ainda bem jovens começam a beber, a usar drogas e a praticar a violência. Carros e motos que passam na aldeia à noite são atacados. Em cada esquina se veem pessoas vestidas inteiras de preto, encapuzadas, com facões, armas", diz.
Na terra indígena de Dourados, onde Jaqueline reside, vivem ao menos 7.000 índios, de três povos distintos: além do guarani-caiová, o guarani-nhandeva e o terena. Devido à escassez de terra, a disputa pelo espaço acirra a rivalidade violenta entre os três povos. "Tenho a visão que estamos vivendo em uma vila. A população é muito grande e a terra é pouca", afirma. O pai de Jaqueline foi assassinado por um guarani-nhandeva quando a jovem tinha 13 anos. "Até hoje ele continua ameaçando a minha família", diz a estudante.
Jaqueline participa da Ação Jovens Indígenas de Dourados (AJI), organização que possui jovens das três etnias de Dourados e tem como objetivo buscar uma união entre os povos e defender os direitos dos indígenas. Segundo a estudante, participam do projeto jovens dos dois bairros da terra indígena - Bororó, mais popular e povoado somente por caiovás, e Jaguapiru, mais "elitizado", com moradores dos três povos.
"Quando as coordenadoras da ação juntaram esses jovens foi um problema. O pessoal do Bororó era taxado de sujo, violento e os jovens do Jaguapiru de metidos, que se achavam. Aos poucos começamos a fazer trabalhos, oficinas, e eles foram se conhecendo melhor e acabando com os mitos e preconceitos", diz Jaqueline.
Suicídios
É comum também entre os guaranis-caiovás a prática do suicídio. No ano passado, todos os 32 suicídios praticados no Brasil por indígenas foram cometidos por caiovás, segundo o relatório do Cimi. Entre 2003 e 2008, 147 caiovás se mataram, uma média de 24 suicídios por ano.
"Teve um jovem da AJI que se suicidou. Segundo conta a sua família, ele tinha vergonha da realidade que vivia, de não ter roupas e moradia decente", afirma Jaqueline. "A prática do suicídio é da tradição guarani. Não faria uma conexão direta com a falta de terra e de condições dignas para viver, mas é claro que sem dúvida isso tem um peso enorme nos altos índices de suicídio registrados nos últimos anos", afirma o antropólogo.
Omissão do poder público
O relatório do Cimi também traz dados da omissão do poder público na assistência aos guaranis-caiovás. Em 2008, foram 225 casos de caiovás que adoeceram e não receberam atendimento adequado na área de saúde. No Brasil, no ano passado, dos 271 casos de desassistência geral do poder público contra indígenas, em 251 as vítimas foram caiovás - na maioria dos casos os índios foram empregados em trabalho escravo ou presos sem direito à ampla defesa.
Duas crianças caiovás morreram em 2008 por desnutrição e, em Dourados, maior reserva ocupada pela etnia, 24 crianças foram internadas com desnutrição severa e 200 com desnutrição moderada no ano passado.
Embora, de acordo com o relatório do Cimi, o poder público seja omisso no que diz respeito aos direitos dos caiovás, é eficaz na repressão: relatório estatístico do Ministério da Justiça aponta que, em junho de 2008, o Mato Grosso do Sul possuía 134 índios detidos, o maior número de indígenas encarcerados do Brasil. Roraima e Santa Catarina, os segundos colocados, possuíam na época 45 detentos índios cada.
O registro de indígenas presos no Mato Grosso do Sul em 2008 é 48% maior do que no ano anterior e mais do que o dobro do registrado em 2006, quando 71 índios estavam encarcerados, mesmo ano em que o cacique caiová Carlito de Oliveira foi preso acusado de ser o mandante da morte de dois policiais civis em Dourados.
Assassinatos de indígenas
Ano 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Brasil 42 37 43 60 92 60
Mato Grosso do Sul 13 16 28 28 53 42
Taxa de homicídios (para cada 100 mil habitantes)
Guaranis-caiovás (2008) 210
Recife (entre 2002 e 2006) 90,5
Rio de Janeiro (entre 2002 e 2006) 44,8
Coronel Sapucaia (MS) (entre 2002 e 2006) 107,2
Estado de São Paulo (2008) 10,3
Entre indígenas (2008) 13,33
Terra(s) indígena(s) Área (em km²) População
Ocupadas por guaranis-caiovás (MS) 730 20.000
Ianomami (AM e RR) 96.664 15.686
Vale do Javari (AM) 85.444 3.645
Parque do Xingu (PA) 26.420 5.020
Suicídios cometidos por guaranis-caiovás
2003 2004 2005 2006 2007 2008
22 16 28 19 28 34
http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2009/07/15/ult5772u4636.jhtm
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