From Indigenous Peoples in Brazil
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News

Índia recorre a programa de rádio para garantir comida aos filhos

17/01/2010

Autor: Nicanor Coelho

Fonte: Midiamax - http://migre.me/h4CJ




Tem sido assim todos os días: mães indígenas de Dourados desesperadas com a falta de comida em suas casas vão até a rádio Grande FM em busca de ajuda.

Na manhã deste sábado o radialista Amarildo Ricci do programa Espaço Aberto anunciava: "mãe indígena pede comida para seus três filhos que há vários dias só comem mandioca cozida no sal".

A mãe é Edna Pedro Gonçalves, uma índia Kaiowa que mora com suas crianças numa pequena choça na aldeia Jaguapiru. Aos 27 anos de idade Edna nunca imaginou que ia precisar apelar para um programa de rádio por comida para sua prole.

Ricci disse que de uma semana para cá todos os dias os índios procuram a rádio para pedir comida. "Virou uma coisa corriqueira", disse o radialista que encamina os pedidos e pede a solidariedade dos douradenses.

Edna chegou na emisora perto das nove da manhã e somente ao meio dia é que apareceu alguém para ajudar. O agricultor Eugênio Zanatta trouxe dois marmitex para a índia e seus filhos. "O almoço de hoje está garantido", disse Zanatta ao fazer a "sua parte".

A índia reclama que há três meses a Funai (Fundação Nacional do Índio) deixou de distribuir a cesta de alimentos na Reserva Indígena. "Acabou a comida em casa e as minhas crianças estão comendo só mandioca no sal há uma semana", disse Edna que olha todos os dias no calendário esperando que 28 de janeiro chegue logo.

É neste dia que deverá chegar nas aldeias de Dourados as cestas básicas que são enviadas mensalmente pelo Governo do Estado. "A comida é pouca para tanta boca", choramingou a mulher que não tem uma fonte de renda. "Preciso ficar em casa cuidando das crianças", diz Edna que conta apenas com a ajuda das cestas doadas pela Funai e o Governo do Estado.

Para chegar na emisora de rádio Edna saiu bem cedinho da Aldeia Jaguapiru. Pedalando uma velha bicicleta azul a índia percorreu mais de cinco quilômetros pela rodovia MS 156 que está sendo duplicada até avistar a gigantesca antena construída pelo empresario Antonio Tonanni para a primeira FM implantada no sul do estado.

Na garupa de Edna veio o filho mais velho Cleiton que em seu colo trazia o irmãozinho Mateus de apenas três meses. O olhar de Cleiton mostrava a agonia de um menino de sete anos e uma barriga murcha a espera de comida. Edna disse que o seu primogênito há días pede um naco de carne. Edilaine, a filha do meio ficou na aldeia na casa de uma vizinha. "Ela tem só três anos e não deu para trazer na bicicleta", falou a resignada Edna.

E o marido de Edna? Ela diz que o marido sumiu. "Me abandonou há mais de quatro meses", explica a Kaiowá que não sabe mais a quem pedir ajuda. O cartão do Bolsa-família foi junto com o marido Genésio Nogueira.

O dinheiro continua sendo sacado pelo homem que deixou a familia se recusando a devolver o cartão de plástico. Edna nem sabe como fazer para cancelar o cartão e pegar um novo com uma nova senha.

"Ficar sozinha é melhor", diz a ressentida Edna que já sublimou o seu sofrimento e sabe que o "genocindio" está em marcha na Reserva de Dourados. Ela sabe também que o marido não quer voltar mais. E sabe que se ele voltar a situação não vai melhorar, por isso prefere sofrer com os três filhos até que uma nova cesta de alimentos seja despejada em seu quintal.

Enquanto a Edna, Mateus e o Cleiton esperavam pacientemente num banco duro no pátio da rádio, chegavam o presidente da Sanesul (Empresa de Sanemaneto de Mato Grosso do Sul), José Carlos Barbosa e consigo à tira colo o gerente regional da empresa em Dourados Odilon Azambuja. Eles foram até à rádio para serem entrevistados no programa "A hora da Verdade" do radialista Osvaldinho Duarte.

A índia permaneceu no banco. Enquanto isso Duarte "berrava" a quem quisesse ouvir que a fome nas aldeias de Dourados é um caso grave e deu um puxão de orelhas na Funai e a quem de direito.

Passaram-se mais alguns minutos e a índia continuava sentada no banco.

Chega o prefeito da cidade, Ari Artuzi, do PDT no rastro dos "Homens da Sanesul". Em sua briga insandecida por causa dos buracos abertos pela empresa de saneamento no asfalto, Artuzi nem sequer viu a índia. Foi ao microfone e "sarrafeou" a Sanesul, o presidente e o gerente. Nitroglicerina pura!

Aí então Edna pegou sua bicicleta, os dois filhos e os dois marmitex e zarpou para a Jaguapiru, a uns 5 km dali. Dai em diante não se sabe mais o que aconteceu. Enquanto isso dezenas, centenas de Ednas estão espalhadas nas aldeias do sul do Estado à espera das cestas como filhote de passarinho de bico aberto em seu ninho.

Cleiton agarrou com tanta sofreguidão a sacola branca com os marmitex do Zanatta e sorriu extasiado. "Hoje vou comer", deve ter pensado.

Um velho e carcomido militante comunista que apareceu no pátio da rádio viu a índia e ouviu sua história. Não fez nada para a mulher e seus filhos. Foi embora, para almoçar em sua casa, cantarolando os versos internacionais do francês Eugene Pottier que certa vez disse:

"De pé ó vítimas da fome. De pé famélicos da terra. Da ideia a chama já consome a crosta bruta que a soterra. Cortai o mal bem pelo fundo. Se nada somos neste mundo, sejamos tudo produtores. Senhores, patrões, chefes supremos, nada esperamos de nenhum! Sejamos nós que conquistemos a Terra Mãe Livre e comum! Para sair desse antro estreito, façamos nós por nossas mãos tudo o que a nós diz respeito!"
 

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