From Indigenous Peoples in Brazil
News
Usina ameaça índios no Peru
29/05/2012
Fonte: O Globo, Planeta Terra, p. 4-7
Documentos anexos
Usina ameaça índios no Peru
Modo de vida tradicional dos ashaninka está sob risco de desaparecer com planos para construção de barragens
Aaron Nelsen
ciencia@oglobo.com.br
Boca Sanibeni, Peru Do New York Times
Ao longo das águas barrentas do Rio Ene, em um remoto vale na selva verdejante no aclive oriental dos Andes, o barulho rítmico de um gerador portátil chama a atenção de crianças ashaninka curiosas. Com a aproximação de colonos e especuladores, e após uma devastadora guerra com o grupo terrorista Sendero Luminoso na década passada, a situação dos índios ashaninka é precária. E agora eles enfrentam uma nova ameaça, a usina hidrelétrica de Pakitzapango, de 2,2 mil megawatts, que vai inundar boa parte do vale do Rio Ene. O projeto faz parte de um plano de construir até cinco barragens que, segundo acordo fechado em 2010, vai gerar mais de 6,5 mil megawatts de energia elétrica, a maior parte destinada à exportação para o vizinho Brasil.
Os grandes reservatórios das usinas, no entanto, vão desalojar milhares de pessoas no processo. Antonio Metzoquiari, 59 anos, um homem magro vestindo um boné do time de baseball americano New York Yankees, avaliou as consequências para sua comunidade:
- É um assunto grave - afirma ele. - É um retorno da violência, outra guerra. Não sei onde nem como, mas teremos que achar um novo lugar para viver.
Num momento em que as usinas hidrelétricas perderam a atração em algumas partes do mundo, os projetos no Peru podem parecer um anacronismo.
Mas as barragens continuam sendo opções atraentes em grande parte da América Latina, onde várias nações têm muita água mas se ressentem de outras fontes de energia convencionais e baratas.
Por enquanto, o projeto está parado no Congresso peruano, onde aguarda ser debatido na Comissão de Relações Exteriores. O presidente Ollanta Humala ainda precisa tomar uma posição quanto às barragens, mas como ele gerencia esta e outras numerosas iniciativas por todo país que contrapõem o desenvolvimento aos interesses de comunidades locais predominantemente indígenas pode muito bem definir sua presidência, considera Michael Shifter, presidente do Diálogo Interamericano, uma organização de pesquisas sediada em Washington.
- O maior teste para Humala será ver como ele alcançará um equilíbrio (entre os interesses econômicos e ambientais) - diz Shifter. - Creio que ele entende que se avançar muito rápido e forte neste caminho do desenvolvimento, isso pode se voltar contra ele.
E Humala já enfrenta um teste no Norte do Peru, onde milhares de pessoas foram às ruas nos últimos meses para protestar contra a abertura da mina de ouro de Conga, um projeto de US$ 4,8 bilhões que os manifestantes dizem que vai poluir suas principais fontes de água. Humala capitalizou movimentos sociais como este, particularmente entre a grande e historicamente marginalizada população indígena do Peru, para ganhar a Presidência, muito a contragosto das classes médias e altas da capital Lima, onde se concentram os principais beneficiários do crescimento econômico alimentado pela mineração.
Humala foi contra a mina de Conga durante a campanha, mas desde que assumiu o poder deu apoio ao projeto ao mesmo tempo em que se comprometeu a assegurar a melhoria da qualidade de vida das comunidades a sua volta. Esta abordagem conciliadora pode ser o primeiro sinal de como o presidente peruano planeja cumprir sua agenda social ao mesmo tempo em que atrai investidores, diz Fernando Romero, sociólogo e especialista nos conflitos sociais do Peru.
- O que observamos é que o governo está vendo na mineração e nos investimentos do Brasil sua principal fonte de recursos para os planos de inclusão social - avalia.
Até agora, Humala não deixou clara sua posição sobre as usinas propostas no Rio Ene, embora isso deva mudar quando a presidente Dilma Rousseff visitar o Peru, uma viagem esperada para breve. Integrantes do Ministério de Minas e Energia peruano afirmam que as barragens só têm sentido econômico se a maior parte de sua energia for exportada para os consumidores brasileiros. O ministério acrescentou que, embora considere importantes as questões ambientais e sociais, também quer que as populações locais afetadas se beneficiem dos projetos, como com a eletrificação rural.
Apesar de alegar que o bem-estar das comunidades afetadas é sua maior prioridade, vários projetos passaram pelos estudos de impacto antes que os habitantes locais fossem sequer informados que o governo tinha concedido a terra para os empreendimentos. Em resposta a esta revelação, a Central Ashaninka do Rio Ene (Care), que representa as população ashaninka no vale do rio, foi à Justiça para forçar o Ministério de Minas e Energia a divulgar os estudos sobre as barragens.
Comunidades prometem lutar na Justiça contra os projetos
Depois que o projeto da Usina de Pakitzapango foi anunciado, a Central Ashaninka do Rio Ene (Care) reuniu 17 comunidades da tribo para explicar que a barragem alagaria algumas comunidades e secaria outras que dependem do rio para seu sustento e transporte. Muitas pessoas seriam forçadas a deixar suas casas, apontam os críticos do projeto, relembrando a devastação causada pela guerra do Peru contra os rebeldes maoistas do Sendero Luminoso, que terminou oficialmente em 2000 mas marcou profundamente os ashaninka. Das 70 mil pessoas mortas no conflito de duas décadas, 6 mil eram ashaninkas. Outros milhares de índios foram desalojados e só depois de passados alguns anos eles se reassentaram em suas comunidades tradicionais ao longo do Rio Ene.
- É por isso que os irmãos ashaninka dizem que se sacrificaram e suas famílias desapareceram. Não vou entregar nossa terra tão facilmente para o Estado - diz Ruth Buendia, presidente da Care.
Segundo Buendia, os ashaninka não entendem como um projeto desta magnitude foi aprovado sem seu conhecimento.
- Eles acham que nós vamos quebrar vitrines e protestar como em Conga, mas não vamos - afirma a líder da central indígena, batendo com força na mesa. - Assim como eles lidam com a gente apresentando documentos legais, vamos lidar com eles na Justiça.
Quando o escopo do projeto ficou claro para os ashaninka na reunião promovida pela Care, muitos expressaram sua incredulidade, enquanto outros manifestaram preocupação com o êxodo que poderia levar a brigas internas pelos reduzidos recursos. Dimer Dominguito, 25 anos, que participou do encontro acompanhado da mulher e cinco filhos, foi a síntese do desespero e raiva dos ashaninka com a situação.
- Na cidade, eles ganham dinheiro e compram o que quer que precisem, mas aqui vivemos segundo nossos costumes, nosso mercado, comendo o que plantamos e estamos felizes - relata. - Queremos defender nossos direitos ao que é natural, defender nosso mercado. Nós apoiamos o governo, mas quem nos apóia?
Aproveitamento polêmico do potencial hidrelétrico
CESAR BAIMA
cesar.baima@oglobo.com.br
A Amazônia andina é nova fronteira para a construção de usinas, mas o aproveitamento do potencial hidrelétrico da região levanta cada vez mais polêmica. Em estudo publicado no periódico científico online "PloS ONE", Matt Finer, do Centro Internacional de Direito Ambiental, em Washington, analisou os 150 projetos de barragens nas seis maiores bacias que ligam os Andes à Amazônia, alertando para graves perigos para os biomas locais. Segundo Finer, estes projetos representam um aumento de 300% no número de usinas na região, das quais mais da metade de médio a grande porte, com capacidade de gerar mais de 100 megawatts, e 40% em estágio avançado de planejamento.
O pior é que 60% das novas usinas causarão a primeira grande quebra na conexão entre as águas protegidas dasgeleiras andinas e a planície amazônica, ameaçando o fluxo natural dos rios entre os Andes e a Amazônia. E 80% aumentarão a perda de florestas com a construção de estradas, linhas de transmissão e inundações. Ao combinar as questões de conexão e infraestrutura, Finer e colegas criaram um índice geral de impacto ecológico de cada projeto, concluindo que apenas 19% seriam considerados de baixo impacto, enquanto mais da metade terá grande impacto.
-Estes resultados são inquietantes dada a ligação crítica entre os Andes e as planícies alagadas da Amazônia-diz Finer.-Mas parece que não há planejamento sobre as consequências do rompimento de uma conexão ecológica que existe há milhões de anos.
O Globo, 29/05/2012, Planeta Terra, p. 4-7
Modo de vida tradicional dos ashaninka está sob risco de desaparecer com planos para construção de barragens
Aaron Nelsen
ciencia@oglobo.com.br
Boca Sanibeni, Peru Do New York Times
Ao longo das águas barrentas do Rio Ene, em um remoto vale na selva verdejante no aclive oriental dos Andes, o barulho rítmico de um gerador portátil chama a atenção de crianças ashaninka curiosas. Com a aproximação de colonos e especuladores, e após uma devastadora guerra com o grupo terrorista Sendero Luminoso na década passada, a situação dos índios ashaninka é precária. E agora eles enfrentam uma nova ameaça, a usina hidrelétrica de Pakitzapango, de 2,2 mil megawatts, que vai inundar boa parte do vale do Rio Ene. O projeto faz parte de um plano de construir até cinco barragens que, segundo acordo fechado em 2010, vai gerar mais de 6,5 mil megawatts de energia elétrica, a maior parte destinada à exportação para o vizinho Brasil.
Os grandes reservatórios das usinas, no entanto, vão desalojar milhares de pessoas no processo. Antonio Metzoquiari, 59 anos, um homem magro vestindo um boné do time de baseball americano New York Yankees, avaliou as consequências para sua comunidade:
- É um assunto grave - afirma ele. - É um retorno da violência, outra guerra. Não sei onde nem como, mas teremos que achar um novo lugar para viver.
Num momento em que as usinas hidrelétricas perderam a atração em algumas partes do mundo, os projetos no Peru podem parecer um anacronismo.
Mas as barragens continuam sendo opções atraentes em grande parte da América Latina, onde várias nações têm muita água mas se ressentem de outras fontes de energia convencionais e baratas.
Por enquanto, o projeto está parado no Congresso peruano, onde aguarda ser debatido na Comissão de Relações Exteriores. O presidente Ollanta Humala ainda precisa tomar uma posição quanto às barragens, mas como ele gerencia esta e outras numerosas iniciativas por todo país que contrapõem o desenvolvimento aos interesses de comunidades locais predominantemente indígenas pode muito bem definir sua presidência, considera Michael Shifter, presidente do Diálogo Interamericano, uma organização de pesquisas sediada em Washington.
- O maior teste para Humala será ver como ele alcançará um equilíbrio (entre os interesses econômicos e ambientais) - diz Shifter. - Creio que ele entende que se avançar muito rápido e forte neste caminho do desenvolvimento, isso pode se voltar contra ele.
E Humala já enfrenta um teste no Norte do Peru, onde milhares de pessoas foram às ruas nos últimos meses para protestar contra a abertura da mina de ouro de Conga, um projeto de US$ 4,8 bilhões que os manifestantes dizem que vai poluir suas principais fontes de água. Humala capitalizou movimentos sociais como este, particularmente entre a grande e historicamente marginalizada população indígena do Peru, para ganhar a Presidência, muito a contragosto das classes médias e altas da capital Lima, onde se concentram os principais beneficiários do crescimento econômico alimentado pela mineração.
Humala foi contra a mina de Conga durante a campanha, mas desde que assumiu o poder deu apoio ao projeto ao mesmo tempo em que se comprometeu a assegurar a melhoria da qualidade de vida das comunidades a sua volta. Esta abordagem conciliadora pode ser o primeiro sinal de como o presidente peruano planeja cumprir sua agenda social ao mesmo tempo em que atrai investidores, diz Fernando Romero, sociólogo e especialista nos conflitos sociais do Peru.
- O que observamos é que o governo está vendo na mineração e nos investimentos do Brasil sua principal fonte de recursos para os planos de inclusão social - avalia.
Até agora, Humala não deixou clara sua posição sobre as usinas propostas no Rio Ene, embora isso deva mudar quando a presidente Dilma Rousseff visitar o Peru, uma viagem esperada para breve. Integrantes do Ministério de Minas e Energia peruano afirmam que as barragens só têm sentido econômico se a maior parte de sua energia for exportada para os consumidores brasileiros. O ministério acrescentou que, embora considere importantes as questões ambientais e sociais, também quer que as populações locais afetadas se beneficiem dos projetos, como com a eletrificação rural.
Apesar de alegar que o bem-estar das comunidades afetadas é sua maior prioridade, vários projetos passaram pelos estudos de impacto antes que os habitantes locais fossem sequer informados que o governo tinha concedido a terra para os empreendimentos. Em resposta a esta revelação, a Central Ashaninka do Rio Ene (Care), que representa as população ashaninka no vale do rio, foi à Justiça para forçar o Ministério de Minas e Energia a divulgar os estudos sobre as barragens.
Comunidades prometem lutar na Justiça contra os projetos
Depois que o projeto da Usina de Pakitzapango foi anunciado, a Central Ashaninka do Rio Ene (Care) reuniu 17 comunidades da tribo para explicar que a barragem alagaria algumas comunidades e secaria outras que dependem do rio para seu sustento e transporte. Muitas pessoas seriam forçadas a deixar suas casas, apontam os críticos do projeto, relembrando a devastação causada pela guerra do Peru contra os rebeldes maoistas do Sendero Luminoso, que terminou oficialmente em 2000 mas marcou profundamente os ashaninka. Das 70 mil pessoas mortas no conflito de duas décadas, 6 mil eram ashaninkas. Outros milhares de índios foram desalojados e só depois de passados alguns anos eles se reassentaram em suas comunidades tradicionais ao longo do Rio Ene.
- É por isso que os irmãos ashaninka dizem que se sacrificaram e suas famílias desapareceram. Não vou entregar nossa terra tão facilmente para o Estado - diz Ruth Buendia, presidente da Care.
Segundo Buendia, os ashaninka não entendem como um projeto desta magnitude foi aprovado sem seu conhecimento.
- Eles acham que nós vamos quebrar vitrines e protestar como em Conga, mas não vamos - afirma a líder da central indígena, batendo com força na mesa. - Assim como eles lidam com a gente apresentando documentos legais, vamos lidar com eles na Justiça.
Quando o escopo do projeto ficou claro para os ashaninka na reunião promovida pela Care, muitos expressaram sua incredulidade, enquanto outros manifestaram preocupação com o êxodo que poderia levar a brigas internas pelos reduzidos recursos. Dimer Dominguito, 25 anos, que participou do encontro acompanhado da mulher e cinco filhos, foi a síntese do desespero e raiva dos ashaninka com a situação.
- Na cidade, eles ganham dinheiro e compram o que quer que precisem, mas aqui vivemos segundo nossos costumes, nosso mercado, comendo o que plantamos e estamos felizes - relata. - Queremos defender nossos direitos ao que é natural, defender nosso mercado. Nós apoiamos o governo, mas quem nos apóia?
Aproveitamento polêmico do potencial hidrelétrico
CESAR BAIMA
cesar.baima@oglobo.com.br
A Amazônia andina é nova fronteira para a construção de usinas, mas o aproveitamento do potencial hidrelétrico da região levanta cada vez mais polêmica. Em estudo publicado no periódico científico online "PloS ONE", Matt Finer, do Centro Internacional de Direito Ambiental, em Washington, analisou os 150 projetos de barragens nas seis maiores bacias que ligam os Andes à Amazônia, alertando para graves perigos para os biomas locais. Segundo Finer, estes projetos representam um aumento de 300% no número de usinas na região, das quais mais da metade de médio a grande porte, com capacidade de gerar mais de 100 megawatts, e 40% em estágio avançado de planejamento.
O pior é que 60% das novas usinas causarão a primeira grande quebra na conexão entre as águas protegidas dasgeleiras andinas e a planície amazônica, ameaçando o fluxo natural dos rios entre os Andes e a Amazônia. E 80% aumentarão a perda de florestas com a construção de estradas, linhas de transmissão e inundações. Ao combinar as questões de conexão e infraestrutura, Finer e colegas criaram um índice geral de impacto ecológico de cada projeto, concluindo que apenas 19% seriam considerados de baixo impacto, enquanto mais da metade terá grande impacto.
-Estes resultados são inquietantes dada a ligação crítica entre os Andes e as planícies alagadas da Amazônia-diz Finer.-Mas parece que não há planejamento sobre as consequências do rompimento de uma conexão ecológica que existe há milhões de anos.
O Globo, 29/05/2012, Planeta Terra, p. 4-7
The news items published by the Indigenous Peoples in Brazil site are researched daily from a variety of media outlets and transcribed as presented by their original source. ISA is not responsible for the opinios expressed or errors contained in these texts. Please report any errors in the news items directly to the source